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sábado, 22 de setembro de 2012

crónica... (das evidências)... um entendimento elementar... de vasco graça moura... no dn...!

"Neste tórrido final de Verão do nosso descontentamento, toda a gente está de acordo sobre a violência inusitada da austeridade e das medidas que lhe correspondem. O próprio Governo o reconheceu e a situação entretanto agudizou-se a um ponto tal que uma dinâmica colectiva gerada na rua pode ter as mais sérias consequências no funcionamento das instituições, sem que seja possível reflectir com serenidade sobre a situação que o país atravessa, sobre aquilo que deve ser feito e sobre as consequências de se enveredar por este ou por aquele caminho.

Foram impressionantes as manifestações, mas não menos impressionante foi a enorme disparidade das motivações e das finalidades que, ao longo da tarde de 15 de Setembro, as inúmeras entrevistas dos repórteres de serviço iam registando pontualmente na televisão. Certamente que a nota mais pungente era o beco sem saída em que uma grande quantidade de seres humanos se sente em termos pessoais, profissionais e familiares, num buraco sem esperança e sem emprego, sem recursos e sem horizonte de futuro, tendo sido sem conta os casos e circunstâncias testemunhados em concreto por quem está a vivê-los. Todavia uma outra nota, com idêntica relevância e, por sinal, a que correspondia à palavra de ordem principal das manifestações, era a da ruptura sem rodeios com a troika e com o memorando a que Portugal está vinculado. Esta orientação radical que parecia seriamente interiorizada pela opinião pública é extremamente preocupante. 

Toda a gente viu que aquela massa humana desfilava sem grande enquadramento. Muitos tinham ar de pertencer à classe média, iam pela primeira vez na vida a uma manifestação e exprimiam com razoável propriedade os seus problemas, o seu protesto e os seus anseios. A palavra de ordem da ruptura parece ter sido subscrita com grande veemência por muita gente que não tem nada a ver com a esquerda propriamente dita, nem com as organizações partidárias ou sindicais, embora também lá houvesse sinais da preocupante presença delas. E essa generalização transversal do protesto é provavelmente o facto que gera mais inquietação, uma vez que não traduz apenas o imediatismo acrítico de uma reacção popular inorgânica, mas envolve também a rejeição de uma situação que é inescapável, independentemente da questão da TSU. 

O grau de envolvimento popular, sistemático pelo menos nas dezenas de cidades em que teve expressão e, em particular, mas mega-manifestações de Lisboa e Porto, põe outros problemas. Desta vez, não houve perturbações da ordem, nem grandes problemas com a segurança de pessoas e bens. Mas da próxima vez pode haver. Escutaram-se apelos à revolta, ao derrube revolucionário do Governo, à solidariedade entre polícias e populações, à democracia directa, pondo em causa o modelo representativo.

Se viesse a gerar-se um clima pré-revolucionário, ele acarretaria consigo um terrível potencial de destruição das estruturas políticas e da própria organização social, com não menos terríveis consequências no plano da situação de Portugal face à União Europeia e aos seus credores e, na prática, carências tremendas e insolúveis de toda a ordem, susceptíveis de afectar ainda mais gravemente o bem-estar das populações e de pôr a democracia em crise em termos irreversíveis.

As coisas chegaram a tal ponto que, neste momento, interessa menos a questão de saber se as medidas anunciadas foram bem ou mal servidas politicamente, do que avaliar e reflectir naquilo que pode acontecer, se se vier desagregar a coligação e o país se converter numa espécie de barco à deriva num tsunami de conflitualidade social.

A situação tornar-se-ia desse modo cada vez mais explosiva, uma vez que a solvabilidade e a credibilidade do Estado acabariam por entrar em colapso, o auxílio externo ficaria ipso facto irremediavelmente comprometido e a satisfação das necessidades colectivas essenciais tornar-se-ia ainda mais deficiente do que é hoje, de nada valendo o ressentimento, a indignação ou a revolta das populações. 

É por tudo isso que a situação política e institucional pede uma clarificação tão rápida quanto possível e, sobretudo, um entendimento elementar dos partidos do arco do poder.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico."

daqui.

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