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sábado, 12 de janeiro de 2013

opinião... (da educação)... a pergunta que interessa... de manuel maria carrilho... no dn...!


"A situação é bem complexa. Sobretudo porque em poucos anos, no espaço de duas ou três décadas, as evidências que ninguém discutia, como se constituíssem os robustos alicerces da sociedade e de algumas das suas instituições mais nucleares, parecem ter sido completamente pulverizadas.

Evidências como a da afinidade que existia entre a família e a escola, que se traduzia numa convergência de visão sobre as funções de uma e outra. Evidências como a da ascendência natural dos adultos em relação às gerações seguintes, que viabilizava a transmissão de valores e de conhecimentos. 

Evidências como a de os saberes serem um valor individual e coletivamente ambicionado, e como tal reconhecido por todos. Evidências como a de a escola ser uma instituição vocacionada para criar entre os seres humanos uma comunidade que se fundava, justamente, na partilha desses saberes.

Seria fácil continuar, mas estes exemplos bastam para se ter logo uma ideia clara do colapso em dominó que atingiu certezas tão enraizadas, e que pareciam tão sólidas: a afinidade entre a escola e a família deu lugar a um atrito belicoso, que se agrava constantemente numa espiral de incompreensões recíprocas.

A ascendência dos adultos sobre os mais novos esfumou-se no culto de um "juvenilismo", ora simplesmente patético ora perigosamente despótico, que bloqueia qualquer efetiva transmissão de valores e de conhecimentos.

E os saberes perderam simultaneamente a legitimidade escolar, cultural e institucional que os caracterizava, permanentemente obrigados a justificarem-se perante quem, muitas vezes, não vê neles qualquer significado...

Mas mais ainda do que o colapso destas evidências - em que afinal assenta, é bom lembrá-lo, todo o dispositivo escolar ocidental construído no último século -, o que é verdadeiramente surpreendente é que ele seja tão pouco pensado, nas suas causas mais precisas como nas suas consequências mais globais.

Como se afinal se tratasse apenas de um problema pontual, localizado, que apenas dissesse respeito às instituições escolares. Mas não é, e para compreender estas transformações é preciso perceber de onde elas vêm.

Ora elas não nasceram no interior da escola, ao contrário do que muitas vezes se diz, e do que em geral as políticas dos mais diversos governos no domínio do ensino parecem pensar. É de resto por isso, porque se têm revelado incapazes de pensar e compreender a origem, a natureza e a evolução dos problemas do ensino, que elas têm conduzido aos fiascos que todos conhecemos bem.

Os problemas que o ensino enfrenta nasceram, e continuam a nascer, fora dele: na sociedade e nas famílias, nos media e nas novas tecnologias. E eles só terão solução quando forem formulados, e bem equacionados, nesse quadro de conjunto.

Num quadro que, ao contrário do que se passa hoje, consiga formular uma ideia clara e global da sociedade em que vivemos, e daquela em que queremos viver, e em que se consigam "encaixar" de um modo minimamente coerente as principais dinâmicas que hoje a atravessam, e que têm alterado profundamente o significado da escola.

Num quadro em que, ao contrário do que hoje se passa, as famílias assumam a função de educação como eminentemente sua, prévia e indispensável ao cumprimento da missão de ensino da escola: reinventar uma articulação diferenciadora e responsável entre as instituições familiar e escolar, que reconduza a educação aos pais e o ensino aos professores, é hoje absolutamente vital.

Num quadro em que, ao contrário do que se passa hoje, se avaliem detalhada e realisticamente as consequências do facto de a generalidade dos jovens passar mais tempo nos media do que na escola (só a ver televisão, a média anda hoje nas três horas e meia, entre os 4 e os 14 anos), e viver cada vez mais, e mais intensamente, no mundo virtual do que no mundo real.

Infelizmente, é a incapacidade para verdadeiramente se repensar a escola nos novos contextos - familiar, mediático e tecnológico - do nosso tempo, que continuam a caracterizar as políticas oficiais e a maioria dos debates sobre o assunto, que passam sistematicamente ao lado do essencial.

E o essencial é ser capaz de responder à desorientação que decorre da multiplicação cacofónica de objetivos que se exigem à escola. É ser capaz de responder à pressão que literalmente varre para a escola todos os problemas sociais, familiares, etc., numa lógica que cada vez mais faz dela um dos principais bodes expiatórios do nosso tempo. É ser capaz de responder à desvalorização dos saberes que abre um abismo de equívocos entre as gerações, de cuja articulação convergente depende ainda toda a "utopia escolar", e não só.
Respostas que, naturalmente, dependem sempre dos projetos políticos do momento, da sua tacanhez ou da sua audácia. É isto que faz da educação um dos mais fascinantes laboratórios da democracia contemporânea."

aqui.

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