"Levar o Latim às escolas
CATCHING ON: Jennifer Hilder from Glasgow University with pupils from Sacred Heart Primary School in Bridgeton, Glasgow. Picture: Martin Shields Imagem encontrada aqui |
Diversos países começam a reconhecer um problema que percebem ser muito grave: as dificuldades de escrita dos alunos.
Este é um sinal bem evidente de que a escolaridade elementar ou básica não está a cumprir uma das suas funções mais importantes e estruturantes - a alfabetização -, com inevitáveis consequências na escolaridade secundária e superior.
Muitos têm considerado que a principal causa desta situação é o abandono do estudo do Latim, a matemática da língua. De facto, a partir de finais da década de sessenta do século XX, as disciplinas de Latim e de Grego foram associadas a uma educação elitista, tradicional, antiga, a uma educação contemplativa que apenas servia para maçar os aprendizes. Era preciso renovar o currículo com disciplinas que preparassem para a vida, que permitissem compreender o mundo circundante e que correspondessem às necessidades e interesses das comunidades.
Essa mudança feita com muito entusiasmo e pouco conhecimento pedagógico - o que, tendo em conta, a época se percebe perfeitamente - desencadeou diversos erros e um deles é certamente o abandono das línguas ditas mortas.
Para remediar a situação, alguns sistemas educativos estão a reintroduzi-las no currículo escolar e diversas entidades autónomas arregaçam as mangas e fazem o que podem.
Este é um sinal bem evidente de que a escolaridade elementar ou básica não está a cumprir uma das suas funções mais importantes e estruturantes - a alfabetização -, com inevitáveis consequências na escolaridade secundária e superior.
Muitos têm considerado que a principal causa desta situação é o abandono do estudo do Latim, a matemática da língua. De facto, a partir de finais da década de sessenta do século XX, as disciplinas de Latim e de Grego foram associadas a uma educação elitista, tradicional, antiga, a uma educação contemplativa que apenas servia para maçar os aprendizes. Era preciso renovar o currículo com disciplinas que preparassem para a vida, que permitissem compreender o mundo circundante e que correspondessem às necessidades e interesses das comunidades.
Essa mudança feita com muito entusiasmo e pouco conhecimento pedagógico - o que, tendo em conta, a época se percebe perfeitamente - desencadeou diversos erros e um deles é certamente o abandono das línguas ditas mortas.
Para remediar a situação, alguns sistemas educativos estão a reintroduzi-las no currículo escolar e diversas entidades autónomas arregaçam as mangas e fazem o que podem.
Um exemplo:
Professores e estudantes de pós-graduação da Universidade de Glasgow
criaram um programa de ensino do Latim que levam a cada vez mais escolas
de zonas carenciadas, primeiro primárias e agora também secundárias.
Esse programa contempla mitologia e literatura da Antiguidade, história e
consciência da língua, gramática e vocabulário... E, sim, parece que os
miúdos a quem o programa se destina gostam e aprendem."
Maria Helena Damião e Isaltina Martins
Maria Helena Damião e Isaltina Martins
aqui.
"O problema da escolha curricular
Em comentário ao texto Levar o latim às escolas, o leitor
Carlos Pires faz notar que não é apenas a área disciplinar da Cultura e
Línguas Clássicas que corre o risco de ser afastada ou desvirtuada nos
sistemas de ensino, a História e a Filosofia correm igual risco.
Acrescento, todas as Artes. E, acrescento, também, as vertentes das
Ciências para as quais não se vislumbre (um certo tipo de)
funcionalidade.
Entendo que o problema da escolha curricular não está tanto numa preferência pelas Ciências em detrimento das Humanidades e das Artes, mas no "valor do conhecimento" que guia.
Efectivamente, a análise curricular deixa perceber a falta a referência ao seu "valor intrínseco". Saber por saber, porque o saber existe, é uma ideia ausente das directrizes e orientações para os vários patamares e vertentes de escolaridade. Sobressai o seu "valor instrumental" ou, melhor, uma vertente deste: a que remete para a resolução de situações familiares, do dia-a-dia, muitas delas ligadas ao mundo laboral (em detrimento da que remete para o desenvolvimento de capacidades de pensamento, traduzidas, naturalmente, em acção).
A relação entre estes dois tipos de valor não tem ser de ordem antinómica: o conhecimento a que se imputa "valor em si" não exclui o conhecimento a que se imputa "valor instrumental" e vice-versa. Porém, não é isso que tem acontecido. Como consequência de uma "batalha" sem sentido, em que muitos ficam a perder, o valor instrumental (sobretudo de carácter social e pessoal) tem sido imposto. Imposição que, verdade seja dita, tem tido um acolhimento muito confortável por parte da comunidade em geral e dos educadores em particular. Sinais dos tempos, sem dúvida.
Nesta linha, tem-se entendido que são as Ciências que melhor cumprem tal desígnio e daí a sua sobreposição relativamente às Humanidades e às Artes, mas, aprofundando, vemos que elas têm sido depuradas em função desse tipo de valor. Mais: se dermos a mesma atenção às duas outras áreas vemos que a sua legitimação passa igualmente pela função social e pessoal que possam ter. Parafraseando Manuel Rocha, as Humanidades e as Artes servem para tudo menos para aprender Humanidades e Artes.
Esta nota a propósito da reintrodução do Latim em diversos sistemas de ensino. Estou de acordo com isso, claro; neste blogue há muito que manifesto preocupação pelo seu afastamento do currículo. Mas a razão que vejo invocada é sobretudo a da "serventia": o Latim ajuda a escrever melhor e a estruturar o pensamento e isso permite aos países e às escolas obterem melhor posição nas avaliações externas e internas. É uma razão muito redutora e, confesso que não me agrada que apareça sozinha.
Mas não são apenas os responsáveis por políticas e medidas educativas que despertam para os milagres que esta língua possa fazer, os pedagogos, os psicólogos e os neurocientistas acompanha-nos e passam a reconhecer-lhe facetas terapêuticas e de desenvolvimento da inteligência (um artigo interessante sobre esta tendência pode ser lido aqui). Ainda que somando esta razão àquela, continuo a considerar que falta reconhecer uma vertente valorativa fundamental ao conhecimento clássico.
E a todo o outro conhecimento, bem entendido..."
Entendo que o problema da escolha curricular não está tanto numa preferência pelas Ciências em detrimento das Humanidades e das Artes, mas no "valor do conhecimento" que guia.
Efectivamente, a análise curricular deixa perceber a falta a referência ao seu "valor intrínseco". Saber por saber, porque o saber existe, é uma ideia ausente das directrizes e orientações para os vários patamares e vertentes de escolaridade. Sobressai o seu "valor instrumental" ou, melhor, uma vertente deste: a que remete para a resolução de situações familiares, do dia-a-dia, muitas delas ligadas ao mundo laboral (em detrimento da que remete para o desenvolvimento de capacidades de pensamento, traduzidas, naturalmente, em acção).
A relação entre estes dois tipos de valor não tem ser de ordem antinómica: o conhecimento a que se imputa "valor em si" não exclui o conhecimento a que se imputa "valor instrumental" e vice-versa. Porém, não é isso que tem acontecido. Como consequência de uma "batalha" sem sentido, em que muitos ficam a perder, o valor instrumental (sobretudo de carácter social e pessoal) tem sido imposto. Imposição que, verdade seja dita, tem tido um acolhimento muito confortável por parte da comunidade em geral e dos educadores em particular. Sinais dos tempos, sem dúvida.
Nesta linha, tem-se entendido que são as Ciências que melhor cumprem tal desígnio e daí a sua sobreposição relativamente às Humanidades e às Artes, mas, aprofundando, vemos que elas têm sido depuradas em função desse tipo de valor. Mais: se dermos a mesma atenção às duas outras áreas vemos que a sua legitimação passa igualmente pela função social e pessoal que possam ter. Parafraseando Manuel Rocha, as Humanidades e as Artes servem para tudo menos para aprender Humanidades e Artes.
Esta nota a propósito da reintrodução do Latim em diversos sistemas de ensino. Estou de acordo com isso, claro; neste blogue há muito que manifesto preocupação pelo seu afastamento do currículo. Mas a razão que vejo invocada é sobretudo a da "serventia": o Latim ajuda a escrever melhor e a estruturar o pensamento e isso permite aos países e às escolas obterem melhor posição nas avaliações externas e internas. É uma razão muito redutora e, confesso que não me agrada que apareça sozinha.
Mas não são apenas os responsáveis por políticas e medidas educativas que despertam para os milagres que esta língua possa fazer, os pedagogos, os psicólogos e os neurocientistas acompanha-nos e passam a reconhecer-lhe facetas terapêuticas e de desenvolvimento da inteligência (um artigo interessante sobre esta tendência pode ser lido aqui). Ainda que somando esta razão àquela, continuo a considerar que falta reconhecer uma vertente valorativa fundamental ao conhecimento clássico.
E a todo o outro conhecimento, bem entendido..."
Maria Helena Damião
aqui.
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