"Perante estes factos, como é que o senhor doutor se atreve a dizer que o ensino superior tem um grande valor?"
"Uns dizem que o 'canudo' é lixo,
outros que vale 1,7 milhões de euros. Quem tem razão?" Luís Cabral,
professor da Universidade de Nova Iorque e da AESE, analisa se vale a
pena tirar um curso no ensino superior.
Há algum tempo (aquando das manifestações da 'geração
rasca') escrevi sobre o valor do ensino superior. Entre os comentários
então recebidos encontravam-se vários e-mails de pais desiludidos com o
enorme esforço para pagar a educação dos filhos, tendo como único
resultado um lugar no desemprego. "Perante estes factos, como é que o
sr. dr. se atreve a dizer que o ensino superior tem um grande valor?"
Recentemente, um estudo promovido pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE) estima que um profissional com um curso
superior ganha mais 1,7 milhões de euros, durante a vida profissional,
do que um profissional com apenas o 9º ano. Tanto quanto consegui
perceber, o cálculo baseia-se no valor médio acumulado dos rendimentos
ao longo da carreira, quer para os licenciados quer para os
não-licenciados.
Dificilmente poderíamos encontrar duas perspectivas
mais contraditórias. Uns dizem que o 'canudo' é lixo, outros que vale
1,7 milhões de euros. Quem tem razão?
Segundo cálculos do professor Pedro Portugal (estudo
publicado no Boletim Económico do Banco de Portugal em 2004), o salário
médio dos licenciados em 2003 variava entre 893 euros (20-29 anos) e
1915 euros (50-59 anos). Se somarmos os valores dos 20 aos 65 anos, e
mesmo ignorando o desconto intertemporal, obtemos um total de 768 mil
euros. Fazendo as mesmas contas para os trabalhadores com o 9º ano
obtemos 394 mil euros, aproximadamente metade. Isto implica uma
diferença ao longo da vida de trabalho da ordem dos 374 mil euros. Bem
sei que isto são contas para 2003, mas daqui até 1,7 milhões vai uma
diferença muito grande. Talvez um motivo para a diferença seja que o
estudo do Banco de Portugal é baseado em salários depois de imposto, mas
mesmo assim os meus cálculos dariam menos de 1,7 milhões.
Normalmente, o 'prémio' da educação é medido em
percentagem, o que evita muitas destas confusões. Em 2003, estimava-se
que os licenciados ganhavam aproximadamente o dobro (100 por cento mais)
do que os que tinham o 9º ano e quase três vezes mais do que os que
tinham a 4ª classe.
Não creio que estes rácios tenham mudado muito numa
década. No entanto, há razões para pensar que este valor sobrestima o
ganho económico por ter um curso superior: um dos problemas mais
complicados na estimação estatística é controlar para efeitos de
selecção. Por exemplo, comparar notas das escolas não é a melhor forma
de estabelecer rankings: algumas escolas têm notas muito altas não por
serem boas escolas mas sim por atraírem bons alunos. O mesmo problema se
verifica na medição do prémio da educação: o facto de os licenciados
ganharem mais do que os não-licenciados não significa que passar do
grupo dos não-licenciados para o grupo dos licenciados implique um
aumento de 100 por cento do salário.
O estudo de Pedro Portugal, a que fiz referência
acima, estima que, controlando para uma série de variáveis (por exemplo,
se o pai é ou não licenciado), o prémio da licenciatura rondava os 60
por cento em 2003. 60 por cento é muito menos do que 100 por cento, o
que sugere que o efeito da auto-selecção é muito importante; mas 60 por
cento é muito, muito mais do que zero, o que sugere que o investimento
num curso superior é economicamente rentável.
Chegamos, então, ao extremo oposto do debate, a teoria
de que o 'canudo' é lixo. Como conciliar esta opinião, que tantos
jovens sentem na pele, com as estimativas dos vários estudos económicos?
Aqui, a observação mais importante é que, por trás dos valores médios,
encontramos uma enorme variabilidade, tanto no que respeita ao curso,
como à universidade ou ao tempo. Por exemplo, em 2003 os engenheiros
ganhavam cerca do dobro dos licenciados em artes decorativas. Suspeito
que a diferença entre universidades públicas e privadas seja também
grande (exceptuando porventura a Universidade Católica).
A evolução ao longo do tempo parece-me particularmente
relevante. Há 30 anos, menos de 10 por cento dos jovens entravam para a
universidade; hoje em dia, a percentagem é superior a 30 por cento.
Quando o número de alunos aumenta três ou quatro vezes no espaço de uma
geração, é provável que o valor médio do curso diminua. O professor
Pedro Carneiro estima que, nos Estados Unidos, este efeito é
significativo; também será em Portugal, onde o crescimento do ensino
superior se deu a ritmo particularmente acelerado, especialmente em
algumas licenciaturas.
O problema das gerações jovens, especialmente as que
estudaram em universidades menos conceituadas e em cursos menos
procurados, é que entraram com expectativas baseadas em valores
enviesados e desactualizados; e chegaram ao mercado de trabalho no pior
momento possível. No entanto, é importante que a situação conjuntural
não nos faça perder uma importante conquista das últimas décadas: a
expansão fenomenal do acesso ao ensino superior. Na maior parte dos
casos, o curso superior é um investimento economicamente rentável; e
isto para não falar no valor global da educação, que vai muito para lá
da rentabilidade económica."
no expresso diário... aqui.
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