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segunda-feira, 6 de julho de 2015

a actualidade do dia-a-dia, numa visão pessoal do jornalista...!

Bom dia, já leu o Expresso Curto Bom dia, este é o seu Expresso Curto
Ricardo Costa
Por Ricardo Costa
Diretor
 
6 de Julho de 2015
 

Tsipras esmagou, Varoufakis demitiu-se. E agora? 


Passava pouco das seis e meia da manhã quando Yannis Varoufakis anunciou que deixava de ser ministro. O tweet do ministro grego só dizia isto: Minister No More! Assim mesmo, em inglês e sempre com as primeiras letras em maiúsculas. A frase remetia para este importante texto do blogue de Varoufakis (aqui na integra em inglês) e do qual traduzo apressadamente este parágrafo:

"Pouco depois do anúncio do resultado do referendo, fui confrontado com uma certa preferência de alguns membros do Eurogrupo, e demais parceiros, pela minha… ‘ausência’ das suas reuniões; uma ideia que o primeiro-ministro julgou ser potencialmente importante para que ele consiga chegar a um acordo. Por essa razão, deixo de ser ministro das Finanças, hoje mesmo".

Apesar de ainda ser muito cedo, as aspas na palavra ausência, antecedidas de reticências dão claramente a entender duas coisas: alguém fez saber a Tsipras que Varoufakis não era bem-vindo nas reuniões europeias e Tsipras deixou-o sair de imediato.

Perante isto, só posso dizer uma coisa. Tsipras é um político de mão cheia, que arrisca para além do razoável e surpreende tudo e todos. Convocou o referendo quando ninguém o esperava, fez campanha com os bancos fechados, ganhou de forma esmagadora (61%) e prescindiu do seu braço direito poucas horas depois de terem festejado juntos. É obra. Tem tanto de inconsciente como de destemido.

Vamos ver o que o dia nos espera. O Guardian está a acompanhar a ressaca do referendo e da demissão de Varoufakis num minuto a minuto muito bem feito. No Expresso Online vamos estar sempre em cima do assunto, para noticiar e analisar tudo o que está acontecer e, sobretudo, tudo o que pode ser decidido nas próximas 48 horas. Reuniões e teleconferências não faltam, vai ser um calendário louco e a bomba atómica está nas mãos de Mario Draghi, o líder do Banco Central Europeu. É que os bancos gregos não têm dinheiro e ou o BCE mantém (ou abre mais) a torneira, ou a Grécia colapsa. Quanto a isso, o referendo não mudou nada. Mesmo nada…

Os mercados, claro, abriram em queda e estão muito nervosos, depois de um resultado esmagador e sem qualquer margem para dúvidas no referendo de ontem. Disso, Tsipras e Varoufakis já podem gabar: eles trocam as voltas a tudo e a todos. No caso de Alexis Tsipras, a questão é bem mais séria. Quem só olha para a questão ideológica – obviamente fundamental –, não está a ver o resto: o primeiro-ministro grego é um político muito mais sólido do que parece, não vacila no fio da navalha e conduz o seu país entre a salvação e o desastre com uma calma quase impossível de compreender.

Alexis Tsipras e o Syriza saem deste domingo politicamente blindados e com uma popularidade interna inequívoca. A demissão de Antonis Samaras, anterior primeiro-ministro e líder do principal partido da oposição - a Nova Democracia, de centro direita -, foi a carta que faltava cair do castelo de cartas da política grega tradicional.

Alexis Tsipras já não tinha propriamente oposição e continuava incrivelmente popular, mesmo depois do carrossel das negociações. Não fica pedra sobre pedra à sua volta, Alexis é rei e senhor da Grécia. E agora? E agora vem a parte difícil, ou seja, tudo o que se vai passar Europa fora ao longo de hoje e terça-feira. Tem aqui um bom texto do Pedro Santos Guerreiro, escrito ontem ao final da noite, que diz bem o que está em jogo.

Fico por aqui, no que toca à Grécia, ou este Expresso Curto nunca mais acaba…


OUTRAS NOTÍCIAS
Mas há mesmo outras notícias? Há sim, e uma mete negociações longas, diplomatas, várias potências e é mais importante que a crise do Eurogrupo. Não acredita? Então veja o parágrafo seguinte.

As negociações sobre o nuclear iraniano podem mesmo estar a chegar a bom porto. Apesar de John Kerry dizer que ainda há muitas coisas a separar os negociadores que estão em Viena (onde decorrem as conversas) estão otimistas.

Se acha que a mesa do Eurogrupo impõe respeito, olhe com atenção para quem está a negociar em contrarrelógio com o Irão: Alemanha, França, UE, Reino Unido, China, e Rússia. Estamos a falar de energia e armas nucleares na região mais instável do globo. Sinceramente, é mais importante para o mundo do que tudo o que possa acontecer ao euro.

Para desanuviar, fique a saber que Dalai Lama faz hoje 80 anos e que a festa (esta parte sou eu a exagerar ligeiramente) dura três dias na Califórnia.

No mesmo continente, mas mais a Sul, está o Papa Francisco, numa importante visita ao Equador.

44 mortos é o terrível balanço de mais um ataque do Boko Haram na Nigéria, desta vez com a explosão de duas bombas, numa mesquita e num restaurante muçulmanos

Ontem foi dia da primeira entrevista de Jorge Jesus desde que é o novo treinador do Sporting. No programa Play-Off, da SIC Notícias, Jesus falou durante duas horas da saída do Benfica ("Neste último ano não me senti desejado no Benfica"), da escolha pelo Sporting ("Apareceu um clube que me desejava"), das várias propostas que teve, incluindo dos melhores clubes italianos, e que chegaram a valores na casa dos oito milhões de euros por ano.

Sobre a nova época, prometeu lutar pelo título, disse acreditar que William Carvalho pode jogar muito mais… e que se o presidente Bruno Carvalho quiser ir para o banco, vai. É mais arriscado que o nuclear iraniano, mas eles lá sabem.

No futebol, destaque absoluto para a esmagadora vitória da seleção americana no mundial de futebol feminino. 5-2 ao Japão num jogo fabuloso de Carli Loyd, com três golos marcados.

A minha colega Mariana Cabral, que anda no twitter por aqui, acompanhou tudo em direto e até tem uns vines jeitosos para ver os golos. Há um que é mesmo fabuloso.

Hoje começam as festas de San Férmin em Pamplona, sempre com imagens impressionantes. Tudo vestido de branco e vermelho e muitos touros. Os jornais espanhóis são sempre os melhores a cobrir as polémicas festas, imortalizadas na literatura por Ernest Hemingway em Fiesta. Recomendo o livro, mesmo para quem tem horror a touradas (não é o meu caso).

Por falar em literatura, ontem houve um grande acontecimento no Festival de Teatro de Almada, com Luís Miguel Cintra a encenar pela primeira vez o Hamlet, na tradução de Sophia de Mello Breyner. Cintra arriscou com um ator estreante (o Hamlet costuma ser só para consagrados) e a peça pode ser vista amanhã em Almada.

A minha colega Cristina Margato explicou muito bem neste texto da Revista E do Expresso porque é que esta adaptação é tão importante.


FRASES
Hoje são todas sobre a Grécia e recolhidas pelo Martim Silva, que o Varoufakis deu-me cabo da manhã... Aí vão elas:

"Nas cimeiras extraordinárias nos próximos dias, o Governo português não pode persistir numa atitude de confronto que, sem resolução desta crise, se poderia voltar contra Portugal", Rui Tavares, no Público

"Os próximos dias serão alucinante. A Europa enfrentará uma prova de vida para a qual não está preparada. O Grexit é hoje muito mais provável do que ontem", Teresa de Sousa, no Público

"Os grandes políticos conduzem os seus povos para o caminho menos doloroso, não os atiram para o abismo como fez Tsipras e Varoufakis", Helena Garrido, no Jornal de Negócios

"A festa foi bonita. Mas o pior está para vir", Raúl Vaz, no Diário Económico

"O euro foi um projecto visionário. A principal lição para os políticos é: tenham cuidado com as visões. O futuro vai atrapalhá-las", Simon Kuper, colunista do Financial Times, no Diário de Notícias


O QUE EU ANDO A LER
Poesia. No dia de hoje calhava bem Kavafis, mas não conheço bem o poeta grego. Vamos então a Matilde Campilho, a jovem portuguesa (nascida em 1982) que entrou de rompante na poesia nacional com ‘jóquei’ (editado na Tinta da China, numa coleção dirigida pelo Pedro Mexia) e que está a arrebatar o (também seu) Brasil. Matilde fez furor na semana passada na Festival literário de Paraty, com todos os jornais a repetirem esta bonita frase: "A poesia não salva o mundo, mas salva o minuto".

Em “jóquei”, os poemas - em verso e em prosa -, salvam muitos minutos e usam com incrível naturalidade o português, o ‘carioquês’ e o inglês.

You are the sunshine
of my life
e conversar contigo de manhã
é tão bom
tens o poder do muesli e da
laranja
ou de qualquer fruta de época
for all that matters

Matilde andou por vários países e isso nota-se, faz poemas com tudo e isso espanta, olha para o ADN e faz um poema:

"Cromossomas me animam, ribossomas me espantam. A divisão celular não me deixa dormir, e olha que eu moro bem no meio da montanha"

Em dia de decisões históricas na Europa (já sabe, é estar sempre agarrado ao Expresso Online para sentir o andar do dia e perceber tudo o que temos de melhor e exclusivo no Expresso Diário, às 18h) acabo este Expresso Curto - amanhã está aqui o Bernardo Ferrão - com as últimas linhas de Matilde Campilho em Explicação do Sopro, que hoje fazem lembrar a nossa Europa:

"A moça de vinte e sete anos ainda está sentada ao toucador, de frente para o próprio rosto, absolutamente indecisa sobre qual dos objetos escolher. Entre o batom alaranjado, a carabina calibre 12, o pó de arroz e o crucifixo em miniatura vai uma distância de dois passos a galope".

Já salvámos um minuto. Falta o resto. Bom dia.

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