"De uma forma gradual, por vezes quase imperceptível, o ministro Nuno Crato está a levar a cabo uma transformação profunda do sistema educativo.
Trata-se de uma estratégia que articula três
eixos fundamentais: encolher a oferta estatal; subtrair recursos
indispensáveis a um ensino de qualidade e proceder a uma dualização da
escola pública.
O objectivo último desta transformação parece ser claro: criar
condições que favoreçam a expansão da oferta educativa privada,
cedendo-lhe progressivamente o espaço desocupado pela erosão,
delapidação e desqualificação da rede pública de ensino. Pelo caminho,
o ministro de um partido que ainda ousa designar-se como
social-democrata, desfere um golpe violentíssimo naquela que é uma das
funções primordiais dos sistemas educativos próprios de sociedades
democráticas: garantir a todos igualdade de oportunidades, criando e
favorecendo condições de ascensão económica e social a grupos mais
desfavorecidos.
Só ao arrepio deste princípio se pode compreender, de facto, a
sucessão das medidas já tomadas e o anúncio gradual das que se pretendem
implementar. Para além dos cortes orçamentais (muito para lá da
‘troika') e do encerramento consecutivo de escolas, desprovido de
fundamentos pedagógicos credíveis e cujos impactos territoriais se
negligenciam, a contracção da rede pública de educação assenta numa
redução substantiva do número de docentes (através da supressão de
ofertas curriculares e do aumento do número de alunos por turma), num
país em que os persistentes défices de escolarização e qualificação
impedem qualquer comparação com os seus congéneres europeus.
Simultaneamente, abrem-se as portas à possibilidade de as escolas
poderem vir a contratar de forma directa os professores e insinua-se no
horizonte a implementação generalizada do famoso "cheque-ensino",
embalado na perversa ficção do "direito de escolha do estabelecimento
escolar" por parte dos alunos e seus encarregados de educação. A par do
reforço da margem de autonomia das escolas para constituir turmas
homogéneas (agregando os alunos em função dos resultados escolares
obtidos), estas opções enformam no seu conjunto as bases de uma espiral
de dualização e divergência no seio da rede pública de educação. As
melhores escolas passarão a ser ainda melhores e as que enfrentam mais
dificuldades (que reflectem essencialmente os meios socio-económicos em
que se inserem) são deixadas à sua sorte.
Os impactos socio-espaciais destes processos de contracção,
degradação e dualização da escola pública são evidentes, permitindo
antever um aprofundamento dramático das desigualdades de acesso e
sucesso escolar. Estamos a recuar décadas, às mãos de um Governo que é o
primeiro, no Portugal democrático, a considerar que a escola não é,
afinal, para todos."
aqui.
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