"Num momento particularmente difícil da vida nacional, as
universidades entendem dirigir-se ao país através de uma Declaração
conjunta, que foi distribuída à entrada desta sessão. É um gesto que
vale como gesto, que vale como um momento de suspensão do tempo para
dizermos, colectivamente, Assim, não, para explicarmos, colectivamente,
que Amanhã já será tarde.
A presença, na mesa, do Presidente do
Conselho Geral e do Presidente da Associação Académica da Universidade
de Lisboa revela a união da Academia neste dia de grande significado
para todos nós.
As universidades são instituições seculares, com
um passado que se confunde com a própria existência da nação. Nas
últimas décadas, têm sido bases fundamentais de uma sociedade que recusa
o destino de um país desqualificado e periférico. Não podemos voltar
atrás. O que se joga, hoje, não é um problema interno das universidades.
É um problema de Portugal e dos portugueses.
As universidades têm
a herança do passado e têm a responsabilidade do futuro. Mas nada
poderão fazer se ficarem sem presente. Não vou falar-vos, outra vez, da
redução de 50% no financiamento público das universidades, desde 2006.
Não vou falar-vos, outra vez, da diminuição de 30%, apenas nos últimos
dois anos. Não vou falar-vos, outra vez, do desastre que seria mais um
corte de 10% no próximo ano. Já ninguém suporta os números, nem as
queixas, nem as lamentações. Já ninguém aguenta esta pátria “eterna mas
perdida”, sem sequer sabermos se foi no passado ou no futuro onde a
perdemos (Sophia de Mello Breyner).
Mas nós estamos aqui e temos,
mais do que nunca, um dever de presença. É difícil? Eu sei que é
difícil, mas é agora que o país precisa de nós. A pergunta que devemos
fazer não é sobre esse “enorme desvio [que existiria] entre aquilo que
os portugueses acham que devem ser as funções sociais do Estado e os
impostos que estão dispostos a pagar”. Não, essa não é a pergunta.
A
nossa pergunta é outra: Será que os portugueses querem cortar nos
sectores do conhecimento e da ciência onde se promove o que há de melhor
na sociedade? Será que os portugueses estão dispostos a desperdiçar o
investimento feito nas últimas décadas, resignando-se perante o regresso
de uma sociedade da pobreza e da miséria, de um país sem ambição e sem
futuro?
É esta a nossa pergunta, porque sabemos que, em períodos
de grande perturbação, é preciso manter o rumo. Sem objectivo, sem rumo,
não há caminho. Andaremos aos círculos, cada vez mais extenuados, mas
não sairemos do mesmo lugar. O que está em causa não são quaisquer
prerrogativas ou privilégios internos às universidades. Não. O que está
em causa é a existência de instituições capazes de construir o único
caminho de futuro para Portugal. Porque sem formação superior, sem
conhecimento, sem ciência, não haverá riqueza, nem empregos, nem
qualquer possibilidade de superar a crise que hoje vivemos.
O que
nos define não são os problemas que temos, mas a maneira como os
enfrentamos. Este é o momento para dizer, e para mostrar, que as
universidades são capazes não só de formar os jovens, não só de produzir
conhecimento de alto nível, mas também de colocar os jovens que formam e
o conhecimento que produzem ao serviço das pessoas e da sociedade.
Mais: para mostrar que as universidades são, já hoje, lugares de
inúmeras iniciativas, onde se concretizam ideias e projectos sociais,
culturais, empresariais, tecnológicos; que as universidades são, já
hoje, espaços centrais da vida económica e do desenvolvimento social.
É
imensa a responsabilidade histórica que temos pela frente: demonstrar
que o país não está condenado a ser o que foi durante grande parte do
século XIX e do século XX e que pode ser “outra coisa”, que pode
finalmente compreender – como escrevia Manuel Laranjeira a Miguel de
Unamuno – “que a inteligência é o grande capital dos povos modernos e a
cultura a mais fecunda das revoluções”.
É esta a responsabilidade
da nossa geração. Hoje. Porque Amanhã já será tarde. Não vale a pena
fazermos de conta que sabemos o que não sabemos, que podemos o que não
podemos. Mas é preciso que alguém faça o que tem de ser feito. Ou damos
agora o passo que ainda falta – depois da formação, depois da
conhecimento, conseguir que a formação e o conhecimento sejam decisivos
na organização da sociedade, da economia e do trabalho – ou voltaremos
muitas décadas atrás, a um país ao qual nenhum de nós quer regressar.
Lembro-me
quando Lóri, personagem de Clarice Lispector, explicava que só sabia
que já começara uma coisa nova e que nunca mais poderia voltar à sua
condição antiga. Em Abril, o país começou uma vida nova e não pode
voltar à sua condição antiga. Para isso precisa das universidades e da
sua capacidade de inventar o futuro.
Aqui, na Universidade de
Lisboa, não vivemos entrincheirados, vergados à ditadura da
sobrevivência. Em tempos de extrema dificuldade, temos conseguido
reforçar a nossa coesão e o nosso trabalho. Não há muitas oportunidades
para agradecer a todos os que fazem a universidade no dia-a-dia. Quero
fazê-lo, agora, agradecendo sobretudo aos membros dos órgãos de governo
da Universidade (conselho geral, senado, conselho universitário) e aos
órgãos de governo das Faculdades (assembleias, direcções, conselhos
científicos, conselhos pedagógicos), agradecendo a todos a atitude
exemplar que têm revelado nestes tempos de tanta dificuldade.
Aqui,
na Universidade de Lisboa, sabemos bem que não há nada pior do que a
política do pior. Não estamos acomodados. E, por isso, temos conseguido
construir, em diálogo com os nossos colegas da Universidade Técnica de
Lisboa, um projecto de futuro para as nossas instituições e para o país.
Será
o mais importante projecto de defesa da universidade pública no
Portugal contemporâneo, o mais importante projecto de construção de uma
grande universidade pública, da cidade de Lisboa, da língua e da cultura
portuguesa, com projecção na Europa e no mundo.
É possível que o
decreto-lei da fusão seja aprovado na próxima semana. A versão que
conhecemos garante a democraticidade do processo, consagra uma
imprescindível autonomia reforçada e garante o património da nova
Universidade. Ficará, assim, concluída a segunda fase do “impossível”: a
primeira foi a aprovação nos conselhos gerais e nos senados; a terceira
será a elaboração dos estatutos e a eleição dos novos órgãos de
governo.
E depois do “impossível”, virá o trabalho difícil, muito
difícil e exigente, de construção de uma nova instituição, que saiba ser
aquilo com que temos sonhado. É um trabalho que começa de imediato, mas
que será, sobretudo, da responsabilidade da geração que agora nos há-de
suceder na universidade. Sei bem que “a vida é uma sucessão de
absolutos no provisório deles todos” (Vergílio Ferreira). O melhor das
universidades está na mudança, na criação, na capacidade de se renovarem
e de assim renovarem a sociedade.
Vivemos esta esperança no mesmo
dia em que vivemos a angústia de um orçamento que nos pode arrastar
para uma situação de bloqueio e de paralisia. É preciso dizer Assim,
não. Temos um dever de presença e um dever de palavra. Não podemos
deixar para amanhã o que precisamos de dizer hoje.
E hoje sentimos
o que Miguel Torga já denunciava há 50 anos, ainda que os nossos tempos
sejam, felizmente, muito diferentes dos tempos em que não havia
liberdade. Falava contra aqueles que “experimentam a resistência da
vítima, e tentam ao mesmo tempo desmoralizá-la. Quando lhes parece
oportuno, dão meia dúzia de voltas à tarraxa. E conseguem, ao fim de
cada torção, além da certeza de que podem ir mais longe na violência,
que ela seja o espelho desencorajante da nossa própria degradação: – E
nem assim nos revoltamos”.
Não podemos permitir que continuem a
dar voltas à tarraxa. Assim, não. Sem decisões corajosas, que não ponham
em causa a nossa vida, que não prejudiquem irremediavelmente a nossa
energia, poderemos estar perante o colapso das universidades durante o
ano de 2013. Amanhã já será tarde.
Não é um problema apenas do
Governo ou das instituições. É um problema dos portugueses. Não dizemos
palavras negativas. As nossas palavras são de futuro. Somos uma das
poucas soluções de que o país dispõe para sair da crise em que se
encontra.
A sociedade tem de ser muito exigente em relação às
universidades, mas não lhes pode retirar as condições mínimas de vida e
de acção. É uma escolha de fundo, uma das mais importantes, talvez mesmo
a mais importante que os portugueses têm de fazer. Em momentos
difíceis, mais do que nunca, é preciso estabelecer as prioridades do
presente, não em função do presente mas em função do futuro.
Aqui,
na Universidade de Lisboa, saberemos escutar as vozes da sociedade,
estaremos atentos às decisões que os portugueses têm de tomar, de uma
vez por todas, quanto às universidades e ao seu futuro. Mas não temos
tempo. Porque Amanhã já será tarde. O que se passar nos próximos dias
pode marcar, por muitos anos, a vida da Universidade de Lisboa. Foi isso
que quisemos dizer, solenemente, às 12 horas deste dia 9 de Novembro de
2012."
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