sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

leitura [da educação]... crónica de um governo que declarou guerra ao seu país - 4... de paulo guinote... via a educação do meu umbigo...!

"Passemos ao caso da Educação. Ao sector que parece congregar maior aversão, e não apenas no que se refere a tudo o que cheire a professor e apesar dos desmentidos, neste Governo e no anterior, incluindo nos mais directos conselheiros e decisores na área, só assim se explicando o desejo de contrair praticamente para metade o orçamento para o Ensino Não Superior em 2-3 anos e achar-se que isso é muito bom, pois durante um período de tempo curtíssimo gastámos acima da média.

Comecemos pelos secretários de Estado, sendo de merecida justiça que ignoremos a da Ciência e o do Ensino Superior porque não há provas de existam fora do organigrama do governo. O que até poderia ser bom, se significasse uma governação consensual, discreta, eficaz, nos seus sectores. ora, pelo que se nota, nada disso se passa e os reitores e investigadores parecem tratar directamente dos seus assuntos com o ministro, sendo a única área em que Nuno Crato parece genuinamente interessado em evitar problemas e conflitos. Talvez por se sentir inter-pares.

Sobre o SE Casanova de Almeida também é justo que nos detenhamos pouco tempo pois não é do conhecimento público qualquer ideia sua sobre Educação, antes ou depois de ter assumido o cargo. Dizem-me que é óptimo no trato e que consegue amenizar situações de tensão e gerar consensos em torno de soluções vazias de conteúdo ou meramente más, como foi o caso do Estatuto do Aluno. Poderia googlar qualquer coisa em busca de contra-prova mas julgo que seria perder, inutilmente, alguns segundos da minha vida, que em termos cósmicos tem uma duração infinitamente pequena e não deve desperdiçar-se em actos sem sentido.

Sobre o actual SE Gracho, que substitui a escolha mais caricata desde a ex-ministra Maria do Carmo Seabra na área da Educação, sempre tive uma opinião favorável por ser alguém com ideias e posições que, mesmo que discordemos delas, tinham alguma densidade e coerência. Só que parece que ficarão em estado de banho-maria neste seu exercício nas lides políticas, pois tudo aquilo em que se envolveu desdiz o que antes dissera ou faz disso tábua rasa. E das duas, uma: ou estava mal informado nas suas posições ou decidiu suprimi-las em troca de uma duvidosa honraria transitória. Sabe-se que anda em negociações com a FNE sobre o próximo ano lectivo mas como a dita FNE vai negociar mas não informa ninguém do que lá se passa, não se sabe se apenas é uma encenação destinada a validar as políticas que o ministério das Finanças mandou implementar no sector.

Quanto ao ministro Nuno Crato, sou insuspeito na minha desilusão, pois considerei-o a melhor escolha possível para MEC. Porque, pela sua idade e percurso, considerava-o a única figura na área política da coligação no poder, capaz de travar a investida que vinha de trás e se sabia fazer parte do programa eleitoral explícito e implícito do PSD e do CDS para a Educação.  Porque concordava com algumas das suas posições (por exemplo, sobre a necessidade de avaliação) e com a sua desafeição com o discurso dissimulado de muitos responsáveis políticos e especialistas educacionais.

Daí o meu enorme desânimo perante a forma como, sucessivamente, se mostrou incapaz de controlar a máquina administrativa do ministério, a despojou de operacionalidade ao optar por uma estratégia de concentração e esvaziamento de meios técnicos de apoio às escolas, se rendeu à continuação de muitas das políticas que criticara aos governos de José Sócrates e, por fim, quase pareceu implodir, desaparecer do radar político, limitando-se a intervenções desastradas e típicas daquilo a que Sokal e Bricmont (autores que ele citou com prazer nas suas análises pré.ministeriais) designaram como “imposturas intelectuais” por se resumirem, em grande parte, a truques de linguagem e a utilizações truncadas e manipulatórias dos dados disponíveis como se fossem argumentos rigorosos e fundamentados.

Poderia recordar a entrevista ao Sol, na qual recuperou para a sua aritmética os formandos das NO para alegar que os alunos tinham diminuído 14% e justificar o número de professores, ocultando que o número de professores diminuiu mais e que a reorganização curricular foi a primeira razão para a redução dos horários disponíveis.

Ou a sua promessa de fazer uma vinculação extraordinária de professores contratados que se traduziu numa farsa.

Ou ainda a declaração de que o MEC não faria despedimentos de professores, sabendo-se que isso não é juridicamente possível, excepto em casos limite e que a redução de docentes tem sido galopante na base de outras modalidades como o empurrão para a aposentação ou a não renovação de contratos, isto não falando na questão da mobilidade. Só no último ano deixaram de dar aulas 15475 docentes. Claro que não houve despedimentos e, no sentido restrito da linguagem, Nuno Crato não faltou à verdade. Mas ele sabe o que diria se fosse ele a analisar alguém que tivesse feito em 2008 ou 2009 o que ele fez em 2012.

E chegamos a 2013 e à garantia de que a carga horária dos professores não aumentará. Ora, sabe-se agora que o aumento do horário para a FP não passará para as 40 horas, depois de meses a martelarem as redacções dos jornais com essa confidência que agora se qualifica como especulação. Assim como se sabe que dentro da carga horária dos docentes existem duas componentes, lectiva e não lectiva, que podem ser manipuladas de forma a colocar os professores a dar um maior número de aulas ou trabalhar mais tempo sem que formalmente se aumente a dita carga horária. E nem falo da possibilidade de manipular novamente o currículo do Ensino Básico e Secundário de forma a, como foi feito com os grupos de EVT do 2º ciclo e de ET do 3º no ano anterior, pulverizar todo um conjunto de professores e as suas hipóteses profissionais com umas simples linhas de um decreto. Basta decidirem cortes de uma ou duas horas aqui e ali para se varrerem milhares de horários de profissionais qualificados a quem se nega um futuro, com pretextos sem qualquer fundamentação pedagógica.

Há quem diga que Nuno Crato era demagogo na sua forma de analisar a Educação antes de ser ministro. Discordo. Acho que fazia críticas em grande parte correctas. Próprias da demagogia tem sido diversas das suas aparições públicas, no Parlamento ou na Comunicação Social (relembro em especial uma muito útil entrevista de Mário Crespo na SICN destinada a lavar mais branco o episódio dos horários-zero), nas quais optou por utilizar a linguagem para dissimular actos concretos de agressão ao sector da Educação e que (para além dos efeitos a curto prazo sobre os professores) a médio prazo terão consequências graves para os alunos e para a sua formação.

Lamento que Nuno Crato se tenha transformado em mais um agente das Finanças na governação da Educação, revelando-se incapaz de travar a amputação da Escola Pública e parecendo rendido a entregar importantes fatias suas a interesses privados que tem sido evidente estarem mais preocupados em gerar lucros próprios do que fazer serviço público.

Lamento que Nuno Crato se tenha rendido à Situação, colaborando na mistificação da opinião pública e alienando aqueles que mais confiaram nele e que estavam dispostos a colaborar, mesmo com sacrifícios, numa renovação da Educação em Portugal que não se cingisse a cálculos de mau contabilista. E a quem reponde com meneios linguísticos pós-modernos.

Nuno Crato tornou-se um agente activo do desinvestimento na Educação. Não sei se por perceber isso ou por outra qualquer razão, optou por um quase completo desaparecimento.

Em vez de implodir a burocracia, implodiu-se.

O país ficou a perder. Muito. Para além de qualquer interesse corporativo, pois sou encarregado de educação e lamento o modelo de escola, despersonalizada, concentracionária, que a minha filha está obrigada a frequentar."

aqui.

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