sábado, 7 de julho de 2012

efeméride... [rip]... de guerra junqueiro...!

"Carta (a um Amigo que me Pediu Versos)  

Como hei-de ser um Petrarca,  
Cantar como um rouxinol,
Se o meu termómetro marca
Quarenta e dois graus ao sol!

Da lira bárbara e tosca

Nem saem trovas d'Alfama.
Enxota o Pégaso a mosca,
E eu durmo a sesta na cama.

A hipocondria maciça

Conduzo-a, não há remédio,
Na jumenta da preguiça
Pelas charnecas do tédio.

Eu trago a inspiração oca,

Ando abatido, ando mono;
Meus versos abrem a boca,
Como os porteiros com sono.

Não tenho a rima imprevista,

Os guizos d'oiro ou de opala,
Que à asa da estrofe o artista
Sublime prende ao largá-la.

P'ra lapidar à vontade

Um belo verso radiante,
Falta-me a tenacidade,
Que é como o pó do diamante.

A musa foi-se-me embora;

Para onde foi nem me lembro;
Só a torno a ver agora
Lá para os fins de Setembro.

Anda talvez nas florestas

Fazendo orgias pagãs,
Entre os aromas das giestas
E os braços dos Egipãs.

Deixá-la andar lá dois meses

Colhendo imagens e flores,
Para espanto dos burgueses
E ruína dos editores.

Enfim, o calor achata-nos.

Vamos aos bosques pacíficos
Onde os guarda-sóis — os plátanos —
Têm forros novos, magníficos!
"

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'


para saber mais sobre o escritor e poeta... aqui.

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