"A cortina de nevoeiro que envolve as opções do Governo em matéria de
anunciados cortes, como se fossem algo inevitável e decorrente de uma
realidade objectiva e incontornável, não é especialmente densa.
Parece é existir pouca vontade em dissipá-la por parte de muita gente
que, mesmo quando critica as opções feitas ou anunciadas, não parece
excessivamente interessada em ir até aos detalhes. A razão fundamental é
simples, pois há muito que os números se tornaram meros
instrumentos de arremesso para justificar opções políticas muito
duvidosas e em que demasiada gente está de acordo, apenas tendo este
Governo decidido extremar posições por razões puramente ideológicas.
Vejamos o número de 4 mil milhões que se apresenta como algo
incontestável para o montante dos cortes a fazer nas funções sociais do
Estado e que mesmo na área do PS nem sempre é devidamente
contestado 8o Galamba conta pouquinho) na sua formulação, mas apenas nas
metodologias para os fazer. O número apareceu no ar pela boca de Gaspar
e Passos Coelho, com a aparente chancela da troika e do FMI. Ou seja, pela
boca daqueles que mais erraram estimativas, previsões e execuções (a
par de Sócrates, mas isso não é desculpa, é ofensa suprema) no nosso
país nos últimos tempos. Acho que até a direcção do Sporting
não terá feito tão ridícula figura nos últimos dois anos do que o nosso
PM, o nosso pausado ministro das Finanças e as instituições debaixo de
cuja asa se abrigam sempre que precisam anunciar qualquer coisa (que vai
sendo tudo) de negativo.
Qualquer pessoa de bom senso tem razões para duvidar de qualquer
número dado das bocas de Passos Coelho e Vítor Gaspar. A sua manifesta
incapacidade para lidar com rigor com qualquer realidade
quantitativamente enunciável na área das Finanças e da Economia vai-se
tornando proverbial. pelo que toda a ladaínha em torno dos 85% (não será
385%, já agora?) de despesa do Estado com funções sociais e de mais 85%
de despesas com pessoal, por exemplo, na área da da Educação (não serão
850%?) deveria despertar tédio, bocejo e nula credibilidade.
Mas não… a maior parte de quem faz notícias ou comenta, mesmo
quando é contra, assume como bons os números que lhes são fornecidos,
parecendo não reparar que estão a fazer algo equivalente a tomar como
prosa bela e escorreita qualquer ditado feito por um disléxico profundo
durante um episódio vagal. Os números que Gaspar vai debitando
fazem-me lembrar, para pior, os horários dos comboios da CP na margem
sul durante os anos 80… eram tabelas meramente indicativas, com escassa
aproximação à realidade.
E assim vamos acreditando que gastamos e gastámos imenso – acima das
nossas possibilidades – em funções do Estado destinadas a facultar
serviços públicos básicos e apoios sociais aos mais necessitados.Quando
apenas estamos ligeiramente acima da média como se pode constatar na
publicação da OCDE Is the European Welfare State Really More Expensive?
Querem ainda fazer-nos acreditar que estamos a fazer um ajustamento
similar ao que é feito em outros países, o que é rematada mentira, pois
estamos em contra-ciclo com a maioria dos países que aumentaram as
despesas sociais para acudir à situação de crise, enquanto nós estamos a
fazer exactamente o contrário
Between 2007 and 2010, national aggregates suggest that social spending in real terms increased by 10% or more in most OECD countries, and this increase was 20% or more in Chile, Estonia, Korea, Luxembourg, Spain and the United States. Overall, real spending trends are estimated to be relatively flat from 2009/10 onwards in most countries. Pronounced falls in real social spending after 2008/09 as a result of fiscal tightening are estimated for Greece, Hungary, Iceland, Ireland and Portugal.
A situação é muito simples, quando se retira o véu ideológico – modelo tea party
americano – dos olhos: numa situação de crise económica e social, a
maioria dos países reforças as políticas sociais. Entre nós passa-se
exactamente o contrário, em virtude das políticas inspiradas (tal como
aconteceu na Irlanda e Grécia, sendo curiosa a presença neste lote da
Islândia para alguns… que pensam ser lá o paraíso na Terra…) nas teorias
da troika, aquela que já admitiu por diversas vezes ter
falhado previsões quanto aos efeitos económicos e sociais das políticas
de austeridade.
Mas lá vamos alegremente tomando como boa a informação deformada e
manipulada daqueles que, com nulo espírito de solidariedade com os mais
necessitados, querem fazer avançar um programa ideológico e assumindo
serrem rigorosos números que ninguém explica verdadeiramente,
limitando-se a anunciá-los como mandamentos divinos.
E é nessa base que se pretende emagrecer um Estado Social que entre
nós é, mais do que um luxo, uma frágil barreira contra a miséria
generalizada."
Sem comentários:
Enviar um comentário