"Tem uma
larga experiência como docente e foi até recentemente presidente do
conselho geral da Universidade Aberta. A educação é um setor
atreito a transformações e convulsões, e as mais recentes vieram do
anunciado aumento nas propinas e no corte dos recursos das
faculdades. Há o risco de uma elitização do ensino?
Sempre houve uma tendência para a
criação de dois sistemas de ensino superior. Há até uma
universidade, da qual eu me vou abster de dizer o nome, que admite
que está a trabalhar para criar uma elite de excelência. Creio,
contudo, que de uma forma geral, a universidade portuguesa
correspondeu razoavelmente ao desafio que lhe foi colocado nos anos
80 e 90. Depois, com Bolonha, desorientou-se um pouco. E porquê?
Porque a maior parte das universidades adaptou-se a Bolonha com um
espírito acrítico. Nesse sentido, creio que se perdeu alguma da
independência das universidades. Como defensor que sou da
independência, penso que existiu um retrocesso.
O
pressuposto da racionalização dos meios é um bom ponto de partida
para a fusão da Universidade Técnica e da Universidade de
Lisboa?
Esta crise ensina-nos uma coisa
decisiva: Não podemos voltar a esbanjar meios. É preciso mais
ponderação. Vamos esperar pelo desenlace desse processo que está em
curso. Espero, até porque ambas as universidades têm dois bons
reitores, que deste processo saia um novo impulso. Mas creio que o
ponto de partida para o êxito desta fusão seja a reunião da massa
crítica suficiente para fazer uma grande universidade.
Não estamos
a esbanjar meios intelectuais quando os nossos estudantes
licenciados e doutorados rumam para fora do país?
Sem dúvida, estamos a dar de
bandeja os nossos melhores recursos humanos. Estamos a fazer tudo o
que os outros países que recebem essa emigração querem. Absorvem
jovens muito mais bem preparados do que há 40 ou 50 anos e quem
paga essa formação é o Estado português e os portugueses. Por
muitas críticas que se faça ao sistema de ensino em Portugal a
emigração qualificada baseia-se na formação que foi ministrada
pelas nossas escolas. Trata-se de um investimento na educação que
está a ser desaproveitado. É essa emigração que está a ser chamada
para a Europa e para o estrangeiro. Podia ser um rumo que, em
primeira análise, podia ser prestigiante, mas, no imediato, acaba
mesmo por empobrecer a economia portuguesa.
Curiosamente, são as empresas alemãs e do leste europeu que mais
cobiçam os nossos recém-formados…
A Alemanha nunca escondeu que
queria atrair quadros qualificados para o seu território e
aproveitou-se de uma consequência conhecida de uma zona monetária
que é o seguinte: o fator trabalho segue o fator capital, onde quer
que ele exista. Repare que há muitas vozes no centro da Europa
contra as transferências financeiras que era uma das
características da União Europeia, juntamente com os fundos de
coesão e estruturais, com vista a reter as pessoas nos seus países
de origem. Diminuindo os fundos essas pessoas são obrigadas a
seguir para onde está o investimento e o capital.
O médico
neurologista António Damásio esteve há semanas em Portugal onde
inaugurou uma escola com o seu nome. Disse ele que «não é possível
haver uma sociedade justa e com progresso se não houver educação».
Subscreve?
Mantenho uma certa relação de
afetividade com quem está no ensino em Portugal e discordo,
completamente, da imagem que se formou. Penso que a Escola é muito
pouco estimada em Portugal. E não é de agora, é um sentimento
ancestral. Há uma cultura refratária que penaliza, quase sempre, a
escola pública. Na dúvida, estou ao lado das escolas, porque acho
que têm feito um trabalho admirável. Respondem aos problemas
inerentes à comunidade escolar, para além dos problemas decorrentes
da sociedade, seja dos menores rendimentos das famílias, pelo
afluxo de imigrantes, a desagregação das famílias, etc. A escola
tem vindo a aumentar o seu leque de funções de uma forma repentina,
a que nem a sociedade e o poder político estão a conseguir dar
resposta. São as crianças com fome, a gestão das cantinas, os
jovens imigrantes que mal sabem falar português, etc. A escola está
a funcionar como uma espécie de amortecedor das tensões
sociais.
Os
professores vão conseguir recuperar a autoridade junto dos alunos e
da sociedade?
Houve um certo desvario, com culpas
repartidas entre os professores e a tutela. Eu teria sempre
tendência a negociar. O movimento sindical dos professores não pode
deixar de ser um interlocutor. É preciso corrigir a lógica de ver
no outro um antagonista e entender as partes do sistema numa logica
de cooperação. No atual contexto económico, financeiro e social a
educação será ainda mais determinante. Apesar da filosofia de
economia de meios, que é uma das lições da crise, não é possível
abandonar as populações à sua sorte, retirando-lhes a saúde e a
escola. É preciso ter cuidado para não deitar fora o bebé com a
água do banho."
aqui.
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