"A poesia, e o lirismo antiquado não se
adequam a este tema: 4 Crianças morrem no espaço de semanas (2 num
incêndio causado pela mãe e 2 envenenadas, segundo parece, também pela
mãe) e como tem sido o debate?
Uma mãe passa em múltiplas reportagens a queixar-se de poderes
públicos, que alegadamente lhe retiraram 7 filhos, num processo
conturbado, que alegadamente (insisto neste advérbio) inclui pressões
sobre a sua liberdade reprodutiva. Deu debate racional e reflexivo ou
reality show pouco esclarecido?
Dizia o Público, o assunto foi debatido no Parlamento que, agora os seus frequentadores regulares com cadeira cativa, deram em chamar de “Casa da Democracia”. Talvez pudesse ser o seu domicilio legal….
Ouvido estes dias foi o máximo responsável da área da protecção de crianças e jovens, o presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) que “reconheceu atrasos na aplicação de medidas de apoio aos pais, devido à falta de técnicos, apesar dos “esforços” feitos para suprir essa falha.”
Armando Leandro assumiu, (…) que nem sempre a CNPCJR consegue
aplicar, “em tempo útil”, medidas de apoio aos pais das crianças e
jovens sinalizados, apesar dos “esforços” para reforçar o número de
técnicos, designadamente nas áreas da saúde e da educação.
O presidente da CNPCJR reconheceu que “é absolutamente
indispensável haver mais técnicos para o acompanhamento processual”, ao
ser confrontado pelo PCP com a escassez de meios.
“Que é necessário mais, estamos de acordo. (…) Temos de andar mais
depressa nisso”, declarou, defendendo também “a articulação” das
entidades públicas e privadas na “aplicação integrada de medidas”.
O responsável é pessoa altamente conceituada e prestigiada na área e tem por si a respeitabilidade de ser magistrado e a experiência do trabalho e da idade (admito que muita gente ache mal referir este último aspecto mas acredito que nestas coisas de valores humanos essenciais a idade traz sabedoria).
Mas, com todo o respeito, sendo conhecida a sua influência e mérito no processo de elaboração da legislação, creio que deveria ter sido sujeito a algumas perguntas que parece não foram feitas na “Casa da Democracia”.
Aliás, nota curiosa da reportagem do Público, em papel, é a referência ao barulho que os deputados faziam a deslocar-se na sala e com as chávenas de café, enquanto alguém, que merecia ser ouvido com mais atenção, falava.
Deixo então as perguntas que faria se pudesse, com os preâmbulos possíveis, que agora estão na moda fazer-se, para evitar que as pessoas se ofendam, num tempo em que perguntar já ofende. Algumas das perguntas são manhosas, e quem conhecer o sistema detecta-as, mas iria fazê-las para ver se realmente estamos a falar a sério ou se esta é uma fase de atenção que passará (e tudo ficará leopardamente na mesma).
30 Perguntas sobre protecção de crianças e jovens
1. Se as crianças passam em média 8 horas ou mais na escola como se
explica o lugar secundário (e muitas vezes secundarizado) a que a
escola, os professores e o próprio Ministério da Educação são votados na
orgânica e processos das comissões de protecção?
2. Se a Educação é assim tão importante porque há tantos técnicos/professores desse sector nas Comissões, só a meio tempo?
3. E porque não são muitas vezes os mais vocacionados ou interessados, mas os que tem horas porque “sobraram” horas?
4. E porque é que se cortaram este ano alguns míseros tempos destinados aos directores de turma e coordenadores de escola que faziam algum deste acompanhamento, em primeira linha e preventivo?
5. Existe mesmo uma pratica generalizada de colaboração transparente e dialogante entre as CPCJ e as Escolas ou isso é uma crença simpática deduzida de alguns bons exemplos?
6. É verdade ou não que houve situações em que às escolas foram vedadas informações da CPCJ, alegando uma suposta confidencialidade, que chegava a abranger os processos abertos por denúncia da própria escola e faziam com que pouco pudessem fazer, por ignorância?
7. Como se explica o número baixo de processos existentes nas CPCJ a nível nacional para alunos ao nível do 1º ciclo, em especial, por comparação com os que estão já no 2º e 3º?
8. E como se compagina “o corte dos 4 mil milhões” com essa necessidade evidente e inquestionável de mais recursos?
(Nota a esta pergunta): se se contratarem mais uns 500 técnicos, 1 por concelho e 2 para os maiores, dado que são todos licenciados, e mesmo no inicio de carreira, sempre custarão, com ADSE e Segurança social, uns 1500 euros mês – 9 milhões ano, se forem mil, 18 milhões, sem subsídios; como mais técnicos, implicam outras despesas, uma reestruturação séria, mas frugal, dos recursos dá, por alto, uns 20 milhões/ ano)
9. Ou pensam entregar também essa função soberana do Estado às IPSS? (essa profusão do lema “a sociedade civil ao poder na acção social” e a consequente atomização da acção pública, também merecia todo um debate);
10. Porque não ouvi falar disto nos debates sobre “reforma do Estado”?
11. Que medidas se vão tomar para que as comissões deixem de ser organismos atípicos da administração, pagos pelos Municípios, com reuniões colectivas, e alargadas ou restritas, que juntam todo o tipo de organismos numa salada de parcerias, muito interessante no conceito, que às vezes funciona, mas que reage mal à crise (à geral e às que aparecem no quotidiano)?
12. Para quando uma reforma das Comissões para as tornar organismos mais operativos, permanentes, com quadros e técnicos?
13. Quando se vai olhar para o problema de que o trabalho das comissões implica, para quem as serve, alguma estabilidade pessoal no trabalho e até, em termos físicos, de segurança e de motivação?
14. Que sentido faz um sistema administrativo (ou para-administrativo – que as CPCJ são administração atípica) em que tudo o que realmente é grave ou importante acaba por ir para tribunal? As coisas estão a ligar bem? E onde falham?
15. E, já agora (a ideia estúpida de um parolo de Viana) porque não incluir mais os magistrados ou os juízes de paz neste âmbito? (a natureza de magistrados talvez ajudasse à acção das comissões)
16. Para quando assumir que, se as CPCJ têm de muitas vezes funcionar como o Estado a substituir-se a pais, que são negligentes e descuidados tem de ter ferramentas legais mais operativas?
17. E quando assumir como dado estratégico que, mesmo que se enganem nas suas decisões, se os processos das comissões forem rápidos e houver precaução, é melhor enganar-se no desejo de proteger, que deixar as crianças sozinhas e desprotegidas e enredadas em prazos e burocracias?
18. Para quando introduzir na concepção das leis as lições da prática e abordar certas ficções que estas contêm, como acordos e textos escritos para compromissos ocos (e não cumpridos por muitas famílias, até por falta de intencionalidade original de o fazer)?
19. Qual o lugar na acção do Estado neste âmbito da repressão efectiva de comportamentos dos pais que prejudiquem as crianças?
(por exemplo, que medidas eficazes tem o Estado para oferecer às mães divorciadas que mantém os filhos na escola com sacrifício, mesmo sabendo que o pai tem pensão de alimentos a pagar e não a paga, muito embora continue a ganhar dinheiro e a estar empregado e a viver bem e a atazanar-lhe a vida para lhe “tirar” os filhos…)?
20. Os progenitores só têm direitos? Ou têm poderes-deveres inalienáveis? E têm o direito de consciente e deliberadamente não exercer os seus poderes-deveres? Onde fica a fronteira, com exemplos concretos padronizáveis, das estatísticas da Comissão?
21. E, finalmente, quanto tempo demoram os casos a chegar aos magistrados que têm efectivos poderes de actuar nos casos mais graves?
22. E porque é que (mesmo com toda a parafernália de argumentos constitucionais que já sei que vou levar em cima) um dos motores do sistema é o consentimento dos pais, que é obrigatório e bloqueia qualquer acção antes de ser obtido (obrigando a remeter para tribunal, muitas vezes com demoras)?
23. Não será que, no princípio das abordagens, mais latitude de acção e algum desnível de poder, favorável ao Estado, entre este e as famílias não podia, pelos menos, minorar muita coisa e evitar muito sofrimento?
24. E, já agora, como se protegem os técnicos e as comissões de alguns desníveis de poder favoráveis a famílias menos simpatizantes da acção das CPCJ?
25. E que sanções criar para quem, nas comissões ou no sistema em geral, abusasse e actuasse, para lá do nível de protecção às crianças, propondo medidas que afectassem direitos fundamentais e, aliás, sem vantagens para as crianças a proteger (laquear trompas: medida que, se foi imposta, tem quase paralelo com o que fariam os ocupantes indonésios de Timor – tantos nos manifestamos também contra isso….)?
26. E como comentário: “nem só pais pobres são negligentes e nem todos os pais negligentes são pobres”?
27. E finalmente, em tempo de crise, não será que os tão falados pactos políticos de regime podiam começar por aqui e olhar-se para a pobreza infantil e violência sobre as crianças numa perspectiva mais incisiva e objectiva, menos contaminada pela teoria e ideologia, e ouvindo quem anda na trincheira?
28. E porque não ouvir tantos técnicos generosos e empenhados, como os que conheço da minha terra, que mesmo tantas vezes discordando deles, andam a dar o corpo às balas? (às vezes a pensar que isso lhes pode mesmo acontecer, sem ser metáfora)
29. E porque não recursos e meios adicionais num tempo de problemas excepcionais?
2. Se a Educação é assim tão importante porque há tantos técnicos/professores desse sector nas Comissões, só a meio tempo?
3. E porque não são muitas vezes os mais vocacionados ou interessados, mas os que tem horas porque “sobraram” horas?
4. E porque é que se cortaram este ano alguns míseros tempos destinados aos directores de turma e coordenadores de escola que faziam algum deste acompanhamento, em primeira linha e preventivo?
5. Existe mesmo uma pratica generalizada de colaboração transparente e dialogante entre as CPCJ e as Escolas ou isso é uma crença simpática deduzida de alguns bons exemplos?
6. É verdade ou não que houve situações em que às escolas foram vedadas informações da CPCJ, alegando uma suposta confidencialidade, que chegava a abranger os processos abertos por denúncia da própria escola e faziam com que pouco pudessem fazer, por ignorância?
7. Como se explica o número baixo de processos existentes nas CPCJ a nível nacional para alunos ao nível do 1º ciclo, em especial, por comparação com os que estão já no 2º e 3º?
8. E como se compagina “o corte dos 4 mil milhões” com essa necessidade evidente e inquestionável de mais recursos?
(Nota a esta pergunta): se se contratarem mais uns 500 técnicos, 1 por concelho e 2 para os maiores, dado que são todos licenciados, e mesmo no inicio de carreira, sempre custarão, com ADSE e Segurança social, uns 1500 euros mês – 9 milhões ano, se forem mil, 18 milhões, sem subsídios; como mais técnicos, implicam outras despesas, uma reestruturação séria, mas frugal, dos recursos dá, por alto, uns 20 milhões/ ano)
9. Ou pensam entregar também essa função soberana do Estado às IPSS? (essa profusão do lema “a sociedade civil ao poder na acção social” e a consequente atomização da acção pública, também merecia todo um debate);
10. Porque não ouvi falar disto nos debates sobre “reforma do Estado”?
11. Que medidas se vão tomar para que as comissões deixem de ser organismos atípicos da administração, pagos pelos Municípios, com reuniões colectivas, e alargadas ou restritas, que juntam todo o tipo de organismos numa salada de parcerias, muito interessante no conceito, que às vezes funciona, mas que reage mal à crise (à geral e às que aparecem no quotidiano)?
12. Para quando uma reforma das Comissões para as tornar organismos mais operativos, permanentes, com quadros e técnicos?
13. Quando se vai olhar para o problema de que o trabalho das comissões implica, para quem as serve, alguma estabilidade pessoal no trabalho e até, em termos físicos, de segurança e de motivação?
14. Que sentido faz um sistema administrativo (ou para-administrativo – que as CPCJ são administração atípica) em que tudo o que realmente é grave ou importante acaba por ir para tribunal? As coisas estão a ligar bem? E onde falham?
15. E, já agora (a ideia estúpida de um parolo de Viana) porque não incluir mais os magistrados ou os juízes de paz neste âmbito? (a natureza de magistrados talvez ajudasse à acção das comissões)
16. Para quando assumir que, se as CPCJ têm de muitas vezes funcionar como o Estado a substituir-se a pais, que são negligentes e descuidados tem de ter ferramentas legais mais operativas?
17. E quando assumir como dado estratégico que, mesmo que se enganem nas suas decisões, se os processos das comissões forem rápidos e houver precaução, é melhor enganar-se no desejo de proteger, que deixar as crianças sozinhas e desprotegidas e enredadas em prazos e burocracias?
18. Para quando introduzir na concepção das leis as lições da prática e abordar certas ficções que estas contêm, como acordos e textos escritos para compromissos ocos (e não cumpridos por muitas famílias, até por falta de intencionalidade original de o fazer)?
19. Qual o lugar na acção do Estado neste âmbito da repressão efectiva de comportamentos dos pais que prejudiquem as crianças?
(por exemplo, que medidas eficazes tem o Estado para oferecer às mães divorciadas que mantém os filhos na escola com sacrifício, mesmo sabendo que o pai tem pensão de alimentos a pagar e não a paga, muito embora continue a ganhar dinheiro e a estar empregado e a viver bem e a atazanar-lhe a vida para lhe “tirar” os filhos…)?
20. Os progenitores só têm direitos? Ou têm poderes-deveres inalienáveis? E têm o direito de consciente e deliberadamente não exercer os seus poderes-deveres? Onde fica a fronteira, com exemplos concretos padronizáveis, das estatísticas da Comissão?
21. E, finalmente, quanto tempo demoram os casos a chegar aos magistrados que têm efectivos poderes de actuar nos casos mais graves?
22. E porque é que (mesmo com toda a parafernália de argumentos constitucionais que já sei que vou levar em cima) um dos motores do sistema é o consentimento dos pais, que é obrigatório e bloqueia qualquer acção antes de ser obtido (obrigando a remeter para tribunal, muitas vezes com demoras)?
23. Não será que, no princípio das abordagens, mais latitude de acção e algum desnível de poder, favorável ao Estado, entre este e as famílias não podia, pelos menos, minorar muita coisa e evitar muito sofrimento?
24. E, já agora, como se protegem os técnicos e as comissões de alguns desníveis de poder favoráveis a famílias menos simpatizantes da acção das CPCJ?
25. E que sanções criar para quem, nas comissões ou no sistema em geral, abusasse e actuasse, para lá do nível de protecção às crianças, propondo medidas que afectassem direitos fundamentais e, aliás, sem vantagens para as crianças a proteger (laquear trompas: medida que, se foi imposta, tem quase paralelo com o que fariam os ocupantes indonésios de Timor – tantos nos manifestamos também contra isso….)?
26. E como comentário: “nem só pais pobres são negligentes e nem todos os pais negligentes são pobres”?
27. E finalmente, em tempo de crise, não será que os tão falados pactos políticos de regime podiam começar por aqui e olhar-se para a pobreza infantil e violência sobre as crianças numa perspectiva mais incisiva e objectiva, menos contaminada pela teoria e ideologia, e ouvindo quem anda na trincheira?
28. E porque não ouvir tantos técnicos generosos e empenhados, como os que conheço da minha terra, que mesmo tantas vezes discordando deles, andam a dar o corpo às balas? (às vezes a pensar que isso lhes pode mesmo acontecer, sem ser metáfora)
29. E porque não recursos e meios adicionais num tempo de problemas excepcionais?
Uma das coisas que mais me impressionou no caso das 7 crianças foi a
mãe (com razão ou sem ela, que não faço juízos de soundbyte) a dizer que
não entendia bem o processo em que estava metida… Tanta defesa dos
direitos familiares, tanto consentimento para protecção à família e, num
caso tão visível, o sistema leva com esta mancha e, no caso de uma
mulher claramente excluída, e que até no acto de meter recurso, com
razão ou sem ela, se viu confundida.
E, nesta questão, deve olhar-se a pobreza e a crise como catalizador dos problemas, mas sem olhar as coisas pela grelha do paliativo e da fatalidade, e não menosprezando as famílias que sofrem com a crise. Não confundindo tout court, pobreza com negligência e afastando o preconceito de que todos os pobres são irresponsáveis face aos filhos, embora tanto haja pais ricos ou pobres que o são.
E muitas vezes a negligencia dos pais começa na negligência da comunidade e do Estado face a eles.
Acho que abordar a questão sem floreados acabaria com grande proveito geral mesmo se a reflexão fosse entrecortada de colheres a tinir em chávenas. E, neste ponto, estou certo que os que estavam sentados a ouvir a audição parlamentar, no meio de uma colherada de café ou de uma espreitadela ao telemóvel para saber das últimas do que ía haver nessa noite pelos lados do Rato, podiam ter proveito em ouvir.
Se faziam alguma coisa tenho as minhas dúvidas. Mas, pxxxx, morreram 4 crianças !!! E, pergunta 30, estamos à espera do próximo caso?"
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