"Andam errados todos aqueles que acreditam que o sistema dual que se afirma estar em introdução na nossa Educação se refere apenas a um modelo de ensino profissionalizante que divide a carga horária dos alunos entre as escolas e as empresas, permitindo a inserção dos alunos num ambiente (dizem que simulado, porque é antes da idade legal) de trabalho e a deslocação de parte dos encargos para fora do orçamento do Ministério da Educação.
Mas ele é muito mais do que isso, pois é um sistema que permite retirar precocemente das turmas “regulares” muitos dos alunos que apresentam uma situação de insucesso, possibilitando que eles sigam um trajecto escolar paralelo que, entre outras singularidades, os isenta de passar pelo crivo incómodo dos exames nacionais que o nosso actual ministro tanto estima como ferramenta para aferição externa rigorosa das aprendizagens realizadas, ideia que até partilho.
O sistema dual ou vocacional, que os actuais responsáveis políticos desejam que venha a envolver cerca de 50% dos alunos na escolaridade obrigatória, tem imensas vantagens do ponto de vista da produção oficial de sucesso escolar, pois apenas farão exames os alunos autopropostos que pretendam regressar à via regular e mesmo esses, a avaliar com o que se passou já este ano com as pautas e estatísticas dos alunos de turmas de Percursos Curriculares Alternativos, surgem em quadros separados dos restantes.
O que é uma forma manifestamente hábil de, em pouco tempo, menos de um mandato, “limpar” as turmas regulares e os alunos que vão a exame de milhares e milhares de indesejáveis que, quase por certo, teriam maus resultados em exames, com uma solução que é, para além disso, barata para o Estado. E, assim, os resultados dos exames subirão de forma substancial em 2-3 anos (os que demoram ao sistema se generalizar e afastar os tais alunos do percurso regular), o que será ainda mais notável se, no início do mandato, tiverem sido feitos exames destinados a, em nome da exigência, aumentar o insucesso.
É uma jogada política notável, esta de conseguir um modelo que produzirá sucesso na base da exclusão da maior parte dos alunos problemáticos, ao mesmo tempo que se implementam outras medidas no sistema educativo que limitam a autonomia das escolas públicas, degradam as condições de trabalho dos professores, empobrecem o currículo. Porque, como tudo se desenvolverá de modo paralelo no tempo, será mais do que certo que levará ao estabelecimento de uma relação de causa-efeito. Ou seja, será dito que foram estas medidas (redução do currículo, aumento da dimensão das turmas, congelamento da carreira, aumento dos já mega-agrupamentos, diminuição do número de professores e aumento do seu horário) que permitiram (ou não impediram, o aumento do SUCESSO. E provar-se-á que foi possível mais (sucesso) com menos (meios).
Julgo que seja difícil admitirem que esse sucesso aumentará naturalmente sempre que se retirem da equação os alunos que, pelo seu historial até aos 12-13 anos, implicariam encargos adicionais para melhorar o seu desempenho com soluções que os mantivessem dentro das estatísticas relevantes. Porque não estamos a falar de alunos com necessidades educativas especiais, estamos a falar de alunos que, por terem duas repetências seguidas ou três interpoladas, ou mesmo porque indiciem problemas disciplinares de integração, são empurrados para uma via que, por exemplo, até pode prometer o 3.º ciclo em apenas dois anos e um trajecto que pode culminar num curso politécnico de dois anos a quem chegar ao 12.º ano.
Pessoalmente, acho que esta solução é a mais hábil que o actual MEC delineou para comprovar a bondade da sua acção. Porque provará de forma aparentemente irrefutável algo com recurso a nexos de causalidade truncados. E haverá quem bata palmas, sem perceber que se os alunos se molham menos no Inverno, não é porque se reduziram funcionários e investimento nas escolas, mas porque se permitiu que eles não ficassem à chuva, recolhendo-os em telheiros abrigados da chuva. A metáfora é fraca e não especialmente engenhosa. Só que fiquei demasiado maravilhado com o engenho e arte do MEC nesta matéria para conseguir melhor."
O verdadeiro sistema dual - PÚBLICO
já agora... para complemento... umas notas do atenta inquietude:
já agora... para complemento... umas notas do atenta inquietude:
"O texto de Paulo Guinote sobre o ensino dual
em modo Nuno Crato, leva-me a retomar umas notas sobre este universo
que permanece profundamente actual, pois este ano irá aumentar
exponencialmente, cerca de 3000%, o número de turmas para o ensino
vocacional, uma espécie de "alunão", um recipiente para onde se enviam a
partir dos 13 anos os alunos que não prestam e devem ser reciclados,
tal como existem o vidrão, o pilhão ou o papelão para reciclar este tipo
de materiais.
Não é estranho, dada a orientação do MEC de ir aliviando o "ensino
regular" dos alunos "preguiçosos e burros" que só atrapalham e não
deixam que os resultados escolares, quer dizer, os exames, o mantra de
Nuno Crato, sejam excelentes. Na verdade, é mais interessante criar
turmas de "descamisados" do que estruturar apoios e recursos que os
mantenham, tanto quanto possível, no ensino "regular". Esta ideia é
vendida sob o princípio ajustado e que deve ser considerado de
diferenciar e diversificar os percursos educativos mas contem o pecado
original de se destinar privilegiadamente e "obrigatoriamente" aos
chumbados como todos sabemos que na prática acontecerá.
Estas turmas que funcionavam o ano passado em "projecto-piloto" serão
generalizadas, ainda que seja impossível proceder a qualquer avaliação
consistente por mais que Ramiro Marques se esforce por vender o
"produto".
Os alunos do ensino vocacional vão poder assim fazer o 3º ciclo de forma
curiosa, diz Ramiro Marques, "Um aluno que já repetiu por duas vezes o
8.º ano terá, assim, a possibilidade de completar num ano o 3.º ciclo em
vez de estar a repetir de novo os mesmos anos". Porque o currículo é
"aligeirado" à excepção das áreas de Português, Matemática e Inglês,
justamente, as disciplinas que mais insucesso provocam, não se percebe
muito bem como tal modelo pode ser bem sucedido em um ano. Acontece
ainda que estes alunos poderão transitar para o secundário sem realizar
os exames nacionais do 9º, o fetiche de Nuno Crato, e Ramiro Marques já
anuncia a intenção de que possam aceder ao superior politécnico sem os
exames nacionais do secundário.
É extraordinária a cambalhota, depois de defender até à náusea os exames
como base do rigor, qualidade, sucesso e excelência, o MEC cria um
percurso educativo para alunos de segunda que os leva do básico ao
superior sem os incontornáveis exames nacionais.
Confesso que não tenho esperança de que esta gente alguma vez consiga
entender o que na verdade está em jogo. De novo alguma notas."
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