"Quanto vale a noção de que os bancos são "demasiado grandes para
falir"? Essa garantia, que os mercados avaliam desde que a crise
financeira rebentou, em Wall Street, funciona como um aval dos Estados. E
vale muito dinheiro. O eurodeputado belga dos Verdes, Philippe
Lamberts, coordenou um relatório sobre o valor real dessa ajuda,
escondida, ao sector financeiro. O estudo conclui que as ajudas
"implícitas" valem o dobro das que são públicas. 1,3 biliões de euros,
em quatro anos. Estas conclusões serão reveladas esta segunda-feira, 27,
mas a VISÃO faz parte de um pequeno grupo de órgãos de informação (como
o New York Times e o El País), que recebeu o relatório antecipadamente.
Leia aqui as principais conclusões e na quinta-feira, na edição
impressa, saiba como Lamberts pensa combater esta "distorção dos
mercados que cria incentivos para a especulação".
Desde que a crise financeira começou, com a falência do banco
norte-americano de investimentos, Lehman Brothers, em setembro de 2008, a
Europa transferiu enormes verbas para "resgatar" os seus bancos.
Segundo dados da Comissão Europeia, presidida por Durão Barroso, foram
atribuídos auxílios à banca no valor de 634 mil milhões de euros (oito
vezes mais do que o valor do empréstimo da troika a Portugal). Essas
ajudas, tornadas públicas, assumiram três formas: ajudas à liquidez,
empréstimos para a recapitalização e compra de activos "tóxicos". Houve,
ainda, a disponibilização de 492,2 mil milhões de euros em "garantias" à
banca, mas esse valor não constitui uma verba que tenha sido, de facto,
usada. Era mais uma salvaguarda. Com todo este arsenal de milhares de
milhões de euros, a Europa (Comissão, BCE e Estados Membros) quiseram
passar uma ideia: Não deixariam que os seus bancos falissem.
Essa foi, de resto, a razão invocada em Portugal para a
nacionalização do BPN (que já custou aos contribuintes um valor próximo
dos seis mil milhões de euros). Salvar os bancos em dificuldades
impediria que uma falência contagiasse todo o sector financeiro e, por
arrasto, destruísse a própria economia. Foi assim um pouco por toda a
Europa, com o caso mais paradigmático a ocorrer na Irlanda, onde o
Estado resgatou toda a banca, com uma "garantia integral sem limites"
que arrastou o país para o programa da troika com um défice orçamental
de 32%.
Esta "muralha" que os Estados europeus construíram para salvar a
banca tem um preço. Elevado. Segundo o eurodeputado belga Philippe
Lamberts, ela custou 1,330.41 mil milhões de euros. Ou seja, 1,3 biliões
de euros. Para se ter uma noção da ordem de grandeza deste número
diga-se que representa 10% de toda a riqueza produzida na Europa.
Representa quase 20 vezes mais que o empréstimo da troika a Portugal.
Esta é a principal conclusão do relatório "Subsídios implícitos no
sector bancário da União Europeia" hoje publicado em Bruxelas.
E como se calcula este valor? Lamberts contou com a ajuda do
analista financeiro Alexander Kloeck, que analisou detalhadamente as
reacções dos mercados financeiros e, nomeadamente, o custo do dinheiro a
que os bancos se financiaram desde 2008. Reparou que a notação (rating)
dos bancos europeus, ao contrário dos Estados, conseguiu resistir
melhor à crise. Isso significou que "o custo do dinheiro baixou".
Especialmente para os grandes bancos dos países com rating elevado.
"Quanto mais baixo é o risco soberano do país, mais alto é o subsídio
implícito para os bancos desse país", revela Kloeck. Ou seja, um grande
banco alemão recebe mais do que um grande banco português, ou grego, ou
espanhol. Isso significa que grande parte deste valor de "subsídios
implícitos" do Estado à banca se concentrou, segundo Lamberts, em três
países europeus: "Alemanha, França e Reino Unido."
Tudo isto cria "distorções nos mercados", alerta Lamberts. Desde
logo, entre o sector financeiro e outros sectores da economia, que sem
esta garantia Estatal implícita não conseguem obter financiamento nos
mercados a preços tão baixos. Depois, entre Estados, dentro da União. E
entre os próprios bancos. Com os grandes a receberam muito mais do que
os pequenos. Lamberts afirma, no relatório, que "os números demonstram
claramente que sem estes subsídios as grandes instituições bancárias na
União Europeia estariam a declarar perdas substanciais." Mas com este
apoio estatal os grandes bancos europeus declararam lucros de 16,2 mil
milhões, em 2012.
Perante esta evidência, Lamberts questiona, numa entrevista à VISÃO
que pode ler na edição impressa, na quinta-feira, 30: "Porque devem os
contribuintes pagar o crédito dos bancos. O preço a que os bancos estão a
financiar-se é fictício. E para que tem sido usado esse dinheiro? Para
estimular o consumo ou, ainda pior, para especular..."
Segundo o último Relatório de Estabilidade Financeira, de Novembro
de 2013, do Banco de Portugal "uma parte significativa das carteiras de
títulos das instituições financeiras é composta por activos nacionais,
designadamente de dívida soberana, que continua a proporcionar níveis de
rendibilidade relativamente altos."
Estarão os Estados a financiar directamente os bancos para que
estes inflacionem os juros das dívidas públicas, provocando dificuldades
no financiamento dos Estados, sobretudo dos mais fracos? Essa parece
ser a conclusão, também ela implícita, deste relatório."
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