sexta-feira, 6 de julho de 2012

crónica... da educação... e da (in)capacidade de lidar com os sobredotados [e / ou com os outros...?]... de leonel moura...!

"Que a educação está desfasada da realidade é uma evidência. A sociedade tem andado muito mais depressa do que a academia. O ensino está obsoleto. Os professores impreparados. Os alunos desorientados.

Os ministros imaginam que resolvem o problema com "medidas" e "revisões curriculares". Por isso elas surgem umas atrás das outras, com uma tal velocidade e ímpeto, que nem tempo dá para avaliar da sua eficácia. Por estes dias é a vez do ministro Crato. Na sua ingenuidade e conservadorismo, pensa ser possível resolver a equação com disciplina, exames e uma ideia do antigamente que dá pelo nome de "disciplinas nucleares", a saber o português e a matemática. Como se existisse algo de nuclear na era da combinatória de todos os saberes.

Mas, verdade seja dita, os ministros agem na rama. Chamam revoluções a pequenos exercícios inconsequentes. O problema do ensino é muito mais profundo e de natureza civilizacional. Dou um exemplo.

Nos últimos anos tem-se registado um aumento significativo nas crianças, mesmo bastante pequenas, que exibem uma inteligência acima da média. Alguém lhes deu o nome de sobredotadas. Em Portugal calcula-se que existam umas quantas dezenas de milhar, mas o número é incerto dado o desconhecimento da matéria e o preconceito associado.

A designação sobredotado é, à partida, ideológica e nefasta. Cheira e resulta em discriminação. E ela tem sucedido num sistema que favorece a normalidade. Separados das restantes crianças, detestados pelos professores que não os entendem e lhes estragam as rotinas, analisados pela pseudociência que é a psicologia, os sobredotados são genericamente vistos como uma espécie de "doentes" que é preciso tratar. Ou seja, demasiado inteligentes para a idade há que os tornar estúpidos como deviam ser.

Li recentemente um artigo acerca dos sobredotados que tinha como título "não ignore os sinais de alerta", ou seja, a coisa é vista pelo senso comum como perigosa. E, no entanto, estamos a falar de crianças perfeitamente normais em si, ainda que excecionais do ponto de vista da espécie. Explico.

A evolução humana não parou. A cada geração vamos acrescentando pequenas alterações qualitativas, ora determinadas por impercetíveis mutações genéticas, como por exemplo uma maior resistência à malária detetada em certas populações, ora por efeito ambiental, o que nos humanos significa sobretudo a componente cultural e tecnológica.

No espaço de poucas gerações, o aumento do acesso à informação e ao conhecimento foi exponencial. A televisão, a Internet, os telemóveis são tecnologias muito recentes. A minha geração teve televisão em criança, mas não Internet, nem telemóveis. Uma criança (ocidental) de hoje nasce num mundo repleto de mensagens, visuais, auditivas, cognitivas, manipula gadgets de toda a ordem que lhe aceleram o desenvolvimento do cérebro (os tais joguinhos que os conservadores detestam), recebe constantemente informação, acede a conhecimentos muito variados. Daí que estas crianças desenvolvam capacidades tidas por excecionais, como saber ler muito cedo, relacionar e combinar coisas, ter uma enorme curiosidade, excelente memória, criatividade. Na verdade, nada disto é excecional mas "natural" em qualquer criança. Tudo depende do estímulo exterior. A capacidade de absorção de conhecimentos numa criança é enorme. São os pais e o sistema que acham que elas são pequenos idiotas a quem se deve falar imbecil.

Ao tratar estas crianças como "anormais" a sociedade e o ensino em particular mostram a sua incapacidade em evoluir. Na realidade, a questão não está em saber o que fazer com estas crianças, mas o que fazer com as outras. Porque todas podem e devem atingir tais níveis de desenvolvimento mental. Nem está em saber o que fazer para adaptar estas crianças ao sistema de ensino, mas sim o que fazer com um ensino tão infradotado.

Os chamados sobredotados são o sinal eloquente de que o processo de evolução da inteligência na espécie humana continua em marcha. Mesmo contra a estupidez da conjuntura
."

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