"Como chegámos aqui? E agora, como saímos daqui? São estas as duas perguntas fundamentais a que devemos procurar dar respostas claras, se queremos resolver de facto os nossos problemas. Mas sem a compreensão da história que nos conduziu à situação atual, e sem um horizonte de hipótese que permita combatê-la, ficaremos presos num presente em que a indignação acabará manietada por um conformismo cada vez mais radical.
É de resto nesta armadilha que estamos a viver. É que o descrédito da política, nomeadamente a sua absurda persistência numa linha de contínuas promessas cada vez mais sem sentido, e a sua narcísica teimosia numa pose de omnipotência sem qualquer pedagogia (já para não falar da sua incompetência) colocou os políticos, e colocará cada vez mais a própria política, na posição de bodes expiatórios da crise atual.
Posição que deixa na sombra os outros grandes responsáveis pela espiral critica em que todos vivemos, mas que "eles" vivem com a lucidez aflita dos fins de império, de quem sabe que tudo está preso por arames e que é preciso aproveitar a ocasião até ao tutano. É a fase do "fartar vilanagem", típica das épocas em que quem está habituado a ganhar muito pensa - errada ou acertadamente, pouco importa - que em breve pode perder tudo.
No fundo, a chave da interrogação que se exprime na questão de saber se há, ou não, alternativas, encontra-se nessa ligação entre os dois planos, o do que nos trouxe aqui, o do que nos tire disto. Claro que toda a gente deseja que haja alternativas, até porque nesta expressão está implícito que se trata de algo necessariamente melhor do que aquilo que existe atualmente.
Mas esse desejo, essa convergência cada vez mais geral requer, contudo, condições que estamos longe de reunir. É nessas condições que, para lá do blá-blá mediático, vale a pena pensar. E elas colocam-se fundamentalmente a dois níveis, que condicionam completamente todas as saídas nacionais, o da globalização e o da União Europeia.
A crise que enfrentamos deve-se justamente, em boa parte, ao facto de não termos sabido avaliar bem e a tempo os incontornáveis desafios que tanto a globalização primeiro, como a moeda única depois, colocavam a um país com as características estruturais de Portugal.
Em ambos os casos mergulhámos na ilusão de poder ter "sol na eira e chuva no nabal", beneficiando com as suas vantagens e ignorando os seus custos. Ainda por cima, num contexto em que a moeda única, que deveria ter sido a alavanca de uma Europa com ambições de potência mundial, acabou por se tornar o instrumento da sua progressiva debilitação no quadro global, ao serviço dos mais variados interesses, corporativos e nacionalistas.
E enquanto os cidadãos se entregavam ao consumismo mais desenfreado de sempre, estimulados ora com pelas miragens do capitalismo popular, ora pelas ilusões do socialismo a crédito, o que na verdade se instalou por todo o lado foi o que Raffaele Simone chamou, já em 2008, um "monstro suave", que passou a dominar o mundo através da generalização do modelo "civilizacional" do ultraliberalismo. É por isso que hoje não existe de facto nenhuma alternativa disponível, com um mínimo de consistência ideológica ou de solidez pragmática.
E se a queremos construir, teremos que evitar as armadilhas que, justamente, a têm inviabilizado. Pensando a sério, por um lado, a globalização na multiplicidade dos seus efeitos, e nomeadamente em tudo o que se refere à tensão entre a diminuição das desigualdades entre os povos e a competitividade salarial que ela gera. Não é fácil, não foi certamente por acaso que a esquerda deixou de ser internacionalista!...
E pensando também, por outro lado, a exigência federal europeia, não só com legitimidade democrática mas também com capacidade para questionar os dogmas da ortodoxia livre-cambista, abrindo o debate sobre o protecionismo estratégico que, na base de uma "reciprocidade calculada", cada vez mais se revela uma condição sine qua non da afirmação da Europa no mundo. Também aqui nada é fácil, mas desde 1994 que Emmanuel Todd avisou que o euro, e a união monetária que então se preparava, se revelariam o "protecionismo dos imbecis"!...
Por fim, qualquer alternativa ao statu quo tem ainda que reconhecer e saber lidar com as novas características do individualismo contemporâneo, em particular o modo como a generalizada divinização do mercado o reformatou em todos os planos, amplificando a sua componente subjetiva ao mesmo tempo que atrofiava a sua dimensão coletiva. É isto que faz hoje do anticapitalismo um pathos, um mero estado de alma com tão poucas consequências.
Nestas condições é muito difícil, para não dizer impossível, que as multidões expressivas que enchem todos os ecrãs se transformem num qualquer coletivo capaz de operar alguma transformação significativa. Porque o que faz a diferença entre uma multidão e um coletivo é, justamente, a existência de convicções partilhadas que convirjam - como se um íman as agregasse - num projeto capaz de mobilizar as pessoas. Dando sentido à sua vida, por mais dura e difícil que ela seja. É isto uma alternativa."
É de resto nesta armadilha que estamos a viver. É que o descrédito da política, nomeadamente a sua absurda persistência numa linha de contínuas promessas cada vez mais sem sentido, e a sua narcísica teimosia numa pose de omnipotência sem qualquer pedagogia (já para não falar da sua incompetência) colocou os políticos, e colocará cada vez mais a própria política, na posição de bodes expiatórios da crise atual.
Posição que deixa na sombra os outros grandes responsáveis pela espiral critica em que todos vivemos, mas que "eles" vivem com a lucidez aflita dos fins de império, de quem sabe que tudo está preso por arames e que é preciso aproveitar a ocasião até ao tutano. É a fase do "fartar vilanagem", típica das épocas em que quem está habituado a ganhar muito pensa - errada ou acertadamente, pouco importa - que em breve pode perder tudo.
No fundo, a chave da interrogação que se exprime na questão de saber se há, ou não, alternativas, encontra-se nessa ligação entre os dois planos, o do que nos trouxe aqui, o do que nos tire disto. Claro que toda a gente deseja que haja alternativas, até porque nesta expressão está implícito que se trata de algo necessariamente melhor do que aquilo que existe atualmente.
Mas esse desejo, essa convergência cada vez mais geral requer, contudo, condições que estamos longe de reunir. É nessas condições que, para lá do blá-blá mediático, vale a pena pensar. E elas colocam-se fundamentalmente a dois níveis, que condicionam completamente todas as saídas nacionais, o da globalização e o da União Europeia.
A crise que enfrentamos deve-se justamente, em boa parte, ao facto de não termos sabido avaliar bem e a tempo os incontornáveis desafios que tanto a globalização primeiro, como a moeda única depois, colocavam a um país com as características estruturais de Portugal.
Em ambos os casos mergulhámos na ilusão de poder ter "sol na eira e chuva no nabal", beneficiando com as suas vantagens e ignorando os seus custos. Ainda por cima, num contexto em que a moeda única, que deveria ter sido a alavanca de uma Europa com ambições de potência mundial, acabou por se tornar o instrumento da sua progressiva debilitação no quadro global, ao serviço dos mais variados interesses, corporativos e nacionalistas.
E enquanto os cidadãos se entregavam ao consumismo mais desenfreado de sempre, estimulados ora com pelas miragens do capitalismo popular, ora pelas ilusões do socialismo a crédito, o que na verdade se instalou por todo o lado foi o que Raffaele Simone chamou, já em 2008, um "monstro suave", que passou a dominar o mundo através da generalização do modelo "civilizacional" do ultraliberalismo. É por isso que hoje não existe de facto nenhuma alternativa disponível, com um mínimo de consistência ideológica ou de solidez pragmática.
E se a queremos construir, teremos que evitar as armadilhas que, justamente, a têm inviabilizado. Pensando a sério, por um lado, a globalização na multiplicidade dos seus efeitos, e nomeadamente em tudo o que se refere à tensão entre a diminuição das desigualdades entre os povos e a competitividade salarial que ela gera. Não é fácil, não foi certamente por acaso que a esquerda deixou de ser internacionalista!...
E pensando também, por outro lado, a exigência federal europeia, não só com legitimidade democrática mas também com capacidade para questionar os dogmas da ortodoxia livre-cambista, abrindo o debate sobre o protecionismo estratégico que, na base de uma "reciprocidade calculada", cada vez mais se revela uma condição sine qua non da afirmação da Europa no mundo. Também aqui nada é fácil, mas desde 1994 que Emmanuel Todd avisou que o euro, e a união monetária que então se preparava, se revelariam o "protecionismo dos imbecis"!...
Por fim, qualquer alternativa ao statu quo tem ainda que reconhecer e saber lidar com as novas características do individualismo contemporâneo, em particular o modo como a generalizada divinização do mercado o reformatou em todos os planos, amplificando a sua componente subjetiva ao mesmo tempo que atrofiava a sua dimensão coletiva. É isto que faz hoje do anticapitalismo um pathos, um mero estado de alma com tão poucas consequências.
Nestas condições é muito difícil, para não dizer impossível, que as multidões expressivas que enchem todos os ecrãs se transformem num qualquer coletivo capaz de operar alguma transformação significativa. Porque o que faz a diferença entre uma multidão e um coletivo é, justamente, a existência de convicções partilhadas que convirjam - como se um íman as agregasse - num projeto capaz de mobilizar as pessoas. Dando sentido à sua vida, por mais dura e difícil que ela seja. É isto uma alternativa."
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