"Sempre que se discutem reformas na educação, o fantasma da privatização
reaparece. Todos discutem a possibilidade e, para um lado ou para o
outro, todos mistificam as suas consequências. Os factos ficam à porta e
o debate mantém-se inconsequente. Só que, desta vez, recuperado pelo
relatório do FMI e com a “refundação” como horizonte, um debate sério
terá mesmo de ser feito. O que está em causa? Aumentar (ou não) a
presença de privados na rede pública. Isto é, está em causa aprofundar
(ou não) o conceito já existente de escolas com contrato de associação.
A questão está longe de ser pacífica. De um lado, a esquerda não tem
dúvidas em diabolizar a possibilidade, prometendo que, com ela, viria a
destruição da escola pública. Do outro lado, a direita acredita que, por
si só, a entrada de privados na rede pública resultaria em melhorias
transversais no sistema educativo. Ambas estão enganadas. Fica,
portanto, a dúvida: que reforma pode ser feita neste sentido?
Qualquer que seja a opção, ela terá de passar por aqui: é necessário
fazer evoluir o próprio conceito de contrato de associação. O actual
está caducado. Deixou de fazer sentido restringir a existência de
contratos de associação ao critério do alcance geográfico das escolas
públicas do Estado. Até porque, em muitas zonas do país, a duplicação de
oferta (Estado e contrato de associação) é uma realidade. A incoerência
tem de ser resolvida. É que, por cá, os contratos de associação ainda
visam substituir o Estado onde ele não chega, enquanto lá fora visam
promover a diversidade de oferta educativa. A diferença é total. E o
caminho que nos separa das boas práticas internacionais (de
coexistência, na rede pública, de escolas estatais e privadas) deve ser
percorrido. A adopção da proposta do FMI, de aumentar o número de
contratos de associação, só terá hipóteses de sucesso se o fizermos.
O desafio é grande. Por isso, é imperativo que, desde logo, fiquem
claros os motivos e as ambições da reforma. É para cortar na despesa
pública? É para diversificar a oferta educativa? Ou é para melhorar os
resultados escolares? Olhando para o debate público, a defesa deste tipo
de reforma vem, habitualmente, acompanhada destas três promessas.
Contudo, a análise de vários casos internacionais revela-nos que estas
nem sempre se concretizaram. Tudo depende das escolhas e do
enquadramento legal. Em particular, do modelo de contrato entre o Estado
e as escolas, onde reside o maior dos desafios.
Seja qual for a ambição da reforma, o modelo de contrato com as escolas
teria de ser revisto. Se, por um lado, lhes concederia mais autonomia,
por outro sobre elas imporia mais responsabilidade (por exemplo, através
de um conjunto de objectivos a cumprir durante a vigência do contrato).
Se, por um lado, essas escolas seriam financiadas para a prestação de
serviço público, por outro só seriam elegíveis os projectos educativos
que, de facto, oferecessem garantias de sucesso. Se, por um lado, se
promoveria a diversificação da oferta educativa, por outro ter-se-ia de
garantir que, em caso algum, essas escolas seleccionariam os seus
alunos. A liberdade educativa das escolas seria máxima, mas também o
seria a sua responsabilidade.
Aceitar a proposta do FMI obriga a grandes mudanças. Só com elas a
proposta se tornaria interessante. Reconheçamo-lo: a poupança directa
seria muito inferior à estimada no relatório. Mas, em qualidade e
diversidade, os benefícios poderiam ser muito significativos. Bastaria
que fosse essa a ambição. E é isso o que se espera da “refundação” do
Estado."
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