"No 25 de Abril estava em Lisboa. Quando vê aquilo tudo na rua o que é que pensa?
Pensei que ia ser um fiasco como o 16 de Março. Tinha estado na véspera a jantar na casa do João Bénard, que era em Sintra. E ele, que estava dentro do segredo, disse-me: "Não contas a ninguém, mas amanhã vai haver uma revolução, uma insurreição militar, e desta vez ganhamos." Eu disse que eram loucos, não iam ganhar nada. Estive lá até às cinco, seis da manhã a conversar e por minutos não me cruzei com as chaimites do Salgueiro Maia no Marquês de Pombal!
Depois alguém o acorda de manhã...
Fui acordado de manhã e depois fui com a Maria Filomena Mónica para a rua. Fomos ao Largo do Carmo, andámos por ali. Ela queria ir à PIDE, mas eu disse que era melhor não irmos, não sabia quais seriam as reacções. Aquilo devia ter sido um ponto estratégico se o Movimento das Forças Armadas tivesse sido conduzido por alguém com alguma inteligência e sabedoria política. Depois fui almoçar a um restaurante pegado ao elevador da Glória. A seguir voltei para o carro e consegui ouvir - porque se ouvia nas telefonias dos carros - a banda de rádio da GNR. Ouviam-se as conversas deles. E eles estavam a dizer uns aos outros que estava tudo acabado. E há uma frase que eu nunca mais esqueci. O comandante a dizer: "É melhor acabarmos com isto senão isto ainda vai dar uma chatice."
Estava a dizer que a sede da PIDE devia ter sido um ponto estratégico se aquilo tivesse sido conduzido por alguém com alguma cabeça. Mas o 25 de Abril foi um sucesso. Acha mesmo que não tiveram cabeça?
Aquilo não tinha uma cabeça política e acabou por se reduzir ao plano operacional do Otelo, que também não tinha uma cabeça política. Basta ler a entrevista do Vasco Lourenço ao "Expresso", no sábado. Essas pessoas não sabiam o que iam fazer depois, o plano não preparava o futuro, como é evidente.
Entregaram o poder à Junta de Salvação Nacional...
O poder ficou divididíssimo, toda a gente tinha poder, ninguém tinha poder. Se entregaram o poder a alguém foi a conselheiros que se apresentaram, a maior parte do PCP e outros tantos indivíduos de extrema-esquerda, as brigadas revolucionárias.
Mas Spínola é feito Presidente da República...
Não se percebe muito bem por quem é feito, de que maneira é feito. Ainda não se percebeu muito bem. Há uma grande pulverização do poder, em que a grande força verdadeiramente organizada e disciplinada se conseguiu impor.
Estamos a falar do PCP. Vasco Pulido Valente vai esperar Álvaro Cunhal ao aeroporto logo a seguir. Porque decidiu fazer isso?
Por duas razões. Eu tinha combinado com a Maria Filomena Mónica, com quem eu vivia na altura, que se ela fosse esperar o Soares eu ia esperar o Cunhal. E os meus pais, que conheciam o dito Cunhal da juventude, embora nenhum deles já fosse PC nessa altura, foram-no esperar e disseram que gostariam muito que eu fosse também. E eu fui ver o Cunhal. E foi a primeira vez que eu tive uma "intimation" do que se ia seguir. Parte daquilo foi uma cópia da chegada do Lenine à estação da Finlândia.
Mas o PCP tem outra teoria sobre isso: a chaimite estava lá porque o Jaime Neves a mandou.
Diz o PCP. E a menina que estava em cima da chaimite e lhe deu as flores também foi enviada pelo Jaime Neves? E o discurso em si? Tinha sido tudo planeado.
Aqui há dias escreveu uma crónica extraordinária no "Público" sobre como era a vida da classe média, média- -alta antes do 25 de Abril, sempre concentrada na poupança, em que ir ao cinema ou ao café era um acontecimento. No entanto, o Vasco vinha de uma família privilegiada.
Não éramos da classe média-alta.
O seu pai era engenheiro.
O meu pai era engenheiro, mas não havia muito dinheiro em casa.
Quando é que se lembra de começar a ter consciência política? Os seus pais eram politizados...
Os meus pais saíram do PCP quando foram as grandes purgas na Hungria, em que os soviéticos mataram as grandes elites nacionalistas, nos anos 50. Cortaram com o partido, mas continuaram a colaborar, porque eram amigos das pessoas, tinham contactos. A minha mãe levava os filhos deles aos médicos amigos do meu avô, que eram de confiança. Às vezes ficavam de noite cá em casa, quando precisavam. Era uma casa segura. O meu pai guardava-lhes o dinheiro, porque não podiam pôr o dinheiro no banco nem andar com ele no bolso. E quando eram precisos transportes também os transportava. O meu pai tinha um carro, o que nessa altura era considerado um luxo. Eram raras as pessoas que tinham carro. O carro não era do meu pai, era da companhia de que ele era director. Não se tratava de serem militantes do PC, eram pessoas de quem eles eram amigos. A Cândida Ventura, o Octávio Pato. Tratavam deles como amigos, não como comunistas.
Porque é que a ditadura dura tanto, tanto?
Porque é uma ditadura conservadora, não toca nos interesses instalados. Foi por isso que Salazar recusou sempre o desenvolvimento económico. Nos discursos oficiais sempre disse que "a pobreza é a grande liberdade".
Mas tinha de haver apoio popular.
Não, não havia."
para ler o resto da entrevista... siga a ligação abaixo...
Pensei que ia ser um fiasco como o 16 de Março. Tinha estado na véspera a jantar na casa do João Bénard, que era em Sintra. E ele, que estava dentro do segredo, disse-me: "Não contas a ninguém, mas amanhã vai haver uma revolução, uma insurreição militar, e desta vez ganhamos." Eu disse que eram loucos, não iam ganhar nada. Estive lá até às cinco, seis da manhã a conversar e por minutos não me cruzei com as chaimites do Salgueiro Maia no Marquês de Pombal!
Depois alguém o acorda de manhã...
Fui acordado de manhã e depois fui com a Maria Filomena Mónica para a rua. Fomos ao Largo do Carmo, andámos por ali. Ela queria ir à PIDE, mas eu disse que era melhor não irmos, não sabia quais seriam as reacções. Aquilo devia ter sido um ponto estratégico se o Movimento das Forças Armadas tivesse sido conduzido por alguém com alguma inteligência e sabedoria política. Depois fui almoçar a um restaurante pegado ao elevador da Glória. A seguir voltei para o carro e consegui ouvir - porque se ouvia nas telefonias dos carros - a banda de rádio da GNR. Ouviam-se as conversas deles. E eles estavam a dizer uns aos outros que estava tudo acabado. E há uma frase que eu nunca mais esqueci. O comandante a dizer: "É melhor acabarmos com isto senão isto ainda vai dar uma chatice."
Estava a dizer que a sede da PIDE devia ter sido um ponto estratégico se aquilo tivesse sido conduzido por alguém com alguma cabeça. Mas o 25 de Abril foi um sucesso. Acha mesmo que não tiveram cabeça?
Aquilo não tinha uma cabeça política e acabou por se reduzir ao plano operacional do Otelo, que também não tinha uma cabeça política. Basta ler a entrevista do Vasco Lourenço ao "Expresso", no sábado. Essas pessoas não sabiam o que iam fazer depois, o plano não preparava o futuro, como é evidente.
Entregaram o poder à Junta de Salvação Nacional...
O poder ficou divididíssimo, toda a gente tinha poder, ninguém tinha poder. Se entregaram o poder a alguém foi a conselheiros que se apresentaram, a maior parte do PCP e outros tantos indivíduos de extrema-esquerda, as brigadas revolucionárias.
Mas Spínola é feito Presidente da República...
Não se percebe muito bem por quem é feito, de que maneira é feito. Ainda não se percebeu muito bem. Há uma grande pulverização do poder, em que a grande força verdadeiramente organizada e disciplinada se conseguiu impor.
Estamos a falar do PCP. Vasco Pulido Valente vai esperar Álvaro Cunhal ao aeroporto logo a seguir. Porque decidiu fazer isso?
Por duas razões. Eu tinha combinado com a Maria Filomena Mónica, com quem eu vivia na altura, que se ela fosse esperar o Soares eu ia esperar o Cunhal. E os meus pais, que conheciam o dito Cunhal da juventude, embora nenhum deles já fosse PC nessa altura, foram-no esperar e disseram que gostariam muito que eu fosse também. E eu fui ver o Cunhal. E foi a primeira vez que eu tive uma "intimation" do que se ia seguir. Parte daquilo foi uma cópia da chegada do Lenine à estação da Finlândia.
Mas o PCP tem outra teoria sobre isso: a chaimite estava lá porque o Jaime Neves a mandou.
Diz o PCP. E a menina que estava em cima da chaimite e lhe deu as flores também foi enviada pelo Jaime Neves? E o discurso em si? Tinha sido tudo planeado.
Aqui há dias escreveu uma crónica extraordinária no "Público" sobre como era a vida da classe média, média- -alta antes do 25 de Abril, sempre concentrada na poupança, em que ir ao cinema ou ao café era um acontecimento. No entanto, o Vasco vinha de uma família privilegiada.
Não éramos da classe média-alta.
O seu pai era engenheiro.
O meu pai era engenheiro, mas não havia muito dinheiro em casa.
Quando é que se lembra de começar a ter consciência política? Os seus pais eram politizados...
Os meus pais saíram do PCP quando foram as grandes purgas na Hungria, em que os soviéticos mataram as grandes elites nacionalistas, nos anos 50. Cortaram com o partido, mas continuaram a colaborar, porque eram amigos das pessoas, tinham contactos. A minha mãe levava os filhos deles aos médicos amigos do meu avô, que eram de confiança. Às vezes ficavam de noite cá em casa, quando precisavam. Era uma casa segura. O meu pai guardava-lhes o dinheiro, porque não podiam pôr o dinheiro no banco nem andar com ele no bolso. E quando eram precisos transportes também os transportava. O meu pai tinha um carro, o que nessa altura era considerado um luxo. Eram raras as pessoas que tinham carro. O carro não era do meu pai, era da companhia de que ele era director. Não se tratava de serem militantes do PC, eram pessoas de quem eles eram amigos. A Cândida Ventura, o Octávio Pato. Tratavam deles como amigos, não como comunistas.
Porque é que a ditadura dura tanto, tanto?
Porque é uma ditadura conservadora, não toca nos interesses instalados. Foi por isso que Salazar recusou sempre o desenvolvimento económico. Nos discursos oficiais sempre disse que "a pobreza é a grande liberdade".
Mas tinha de haver apoio popular.
Não, não havia."
para ler o resto da entrevista... siga a ligação abaixo...
Sem comentários:
Enviar um comentário