no observador...
"Todos os anos, os rankings fazem-nos discutir as mesmas questões e
tirar as mesmas conclusões. E, todos os anos, quem não gosta do que os
rankings mostram aplica-se em explicações sobre os porquês destes
constituírem um ataque à escola pública.
Sim, os rankings têm limitações e nem tudo na educação é mensurável.
Mas admitirmos esses limites não nos deve impedir de usar os rankings
com prudência e, claro, de ter em conta aquilo que eles nos revelam
sobre o funcionamento das escolas.
O problema é que isso nem sempre tem acontecido. Com 14 anos de
publicações sucessivas dos rankings, muito melhorou, é certo, mas o
debate público ainda alimenta mitos, os directores continuam a não dar
real importância aos resultados e o Ministério continua a fingir que não
vê os problemas que aparecem retratados nos dados. Há,
obviamente, muitas razões para isso acontecer e muita coisa a dizer
sobre os rankings. Hoje, limito-me a abordar três aspectos relacionados
com uma questão habitualmente mal compreendida – a relação entre o
perfil socioeconómico dos alunos e a responsabilização.
1. O primeiro aspecto é o óbvio: não se pode
comparar desempenhos escolares sem ter em conta os perfis
socioeconómicos dos alunos. Infelizmente, há ainda muita gente que acha
que isso é uma teoria facilitista, quando está provado em milhares de
artigos e estudos
que esse perfil socioeconómico é o melhor indicador para prever o
desempenho escolar. Algo que, na prática, significa que um jovem nascido
numa família privilegiada tem melhores condições para atingir o sucesso
escolar do que um jovem de uma família desfavorecida. Enfim, não é um
fatalismo, mas é uma constatação estatística: um filho de licenciado tem
maior probabilidade de obter uma licenciatura do que um filho de
analfabeto.
Este é um ponto sensível do debate público, porque é habitualmente
usado de forma hipócrita – usa-se quando dá jeito, esquece-se quando não
dá. Por exemplo, quem afirma que as escolas privadas são “melhores”
tende a não valorizar o socioeconómico. Ou, por exemplo, veja-se que são
normalmente os professores das públicas a recordar a importância desse
factor socioeconómico, no sentido de enquadrar os resultados dos seus
alunos (para não serem indevidamente responsabilizados pelas notas).
Mas, o que os professores consideram verdade quando aplicado aos seus
alunos passam a considerar mentira quando aplicado a alunos que querem
ser professores (e que frequentam os cursos de ensino). As reacções de dezenas de professores a este meu texto no Observador falam por si. Ora, o perfil socioeconómico não é para ser usado só quando interessa.
Vale a pena salientar a importância da questão social porque ela tem
implicações importantes na leitura dos rankings. Saber que uma escola
está no top10 porque a média dos exames do secundário dos seus alunos é
de 13 não quer dizer nada se não soubermos o perfil desses alunos e
tivermos, portanto, uma expectativa quanto ao seu desempenho. Se, nessa
escola, a média esperada fosse 14 valores, então 13 não é um bom
resultado. Mas se o esperado fosse 12 valores, então 13 já revela um bom
desempenho. Isto faz toda a diferença.
Um caso concreto: a Escola Secundária António Nobre, no Porto, obteve
uma média de 7,58 valores no secundário (212 provas realizadas) quando o
valor esperado em função do contexto social era de 10,16 valores. Há
aqui alguma coisa que correu mal, visível não tanto pela média alcançada
em si, mas pela distância face ao que se esperava.
(Infelizmente, as escolas privadas, incluindo as escolas com contrato
de associação, continuam a não divulgar os dados socioeconómicos dos
seus alunos, limitando a comparação face às escolas públicas. Não se
percebe porquê, e é cada vez menos aceitável que assim aconteça.)
2. O segundo aspecto é a continuação lógica do
primeiro e tem a ver com responsabilização. Enquanto não foi possível
comparar adequadamente escolas públicas entre si (porque faltavam dados
socioeconómicos), vigorou uma espécie de lei não-escrita que dizia que
as escolas públicas eram todas iguais e que, por isso, não era
necessário avaliá-las – só mudava o tipo de alunos que tinham (bons ou
maus, ricos ou pobres). Falar do perfil socioeconómico era, no fundo,
dizer que não era possível retirar conclusões sobre o desempenho médio
das escolas: durante demasiado tempo, acreditou-se que o sucesso ou
insucesso de um aluno era alheio ao desempenho da escola. Aliás, é
uma das coisas mais surpreendentes no sector da educação em Portugal:
formalmente, ninguém é responsabilizável pelos resultados dos alunos.
Excepto o ministro.
Ora hoje, com rankings melhores, podemos comparar escolas e verificar
que não é assim: há escolas que superam os resultados esperados
(medidos de acordo com esses perfis socioeconómicos) e há escolas que
ficam aquém do esperado. Em 2014, 56% das escolas ficou aquém do
esperado – o que mostra que há muita margem para melhorias. Ou seja,
como em tudo na vida, há boas e más escolas, e estudar numas ou noutras
faz muita diferença para o percurso escolar de um jovem.
Aceitar isto tem consequências, nomeadamente em termos de prestação
de contas. Se as escolas têm níveis de desempenho e qualidade distintos,
é fundamental que isso seja avaliado: as que prestam um mau serviço
educativo têm de ser identificadas e ajudadas a melhorar, pois estão a
prejudicar alunos que não terão uma segunda oportunidade.
Se as escolas têm níveis de desempenho e qualidade distintos, é necessário informar os pais e dar-lhes liberdade para escolher a escola dos seus filhos dentro da rede pública.
Se as escolas têm níveis de desempenho e qualidade distintos, é
indispensável perceber porquê e apurar responsabilidades – recompensando
o mérito de quem trabalhou bem e penalizando o demérito de quem serve
mal os alunos (por exemplo, por que não incluir o desempenho dos alunos
como um entre vários critérios de avaliação dos professores?).
Há, de facto, escolas que precisam de ajuda, e compete ao Ministério
ajudá-las, sabendo que a melhoria se constrói à base de trabalho e de
medidas estruturais. Por exemplo, a ideia dos créditos que o Ministério implementou não é má e poderá ter ajudado algumas escolas, mas é insuficiente e não serve as escolas com maiores dificuldades. Outras medidas se exigem. De resto, é cada vez menos compreensível que seja indiferente para a carreira de um professor o que acontece aos seus alunos.
Tal como é cada vez menos compreensível que as escolas não tenham de se
comprometer com objectivos de melhoria dos desempenhos escolares.
3. O último aspecto tem a ver com o que não aparece
nos rankings e que também é uma questão socioeconómica. Quantos alunos
desfavorecidos são rejeitados por escolas que não querem baixar a sua
classificação nos rankings? Quantos são alvo de retenção porque a escola
não os quer levar a exame, temendo más notas? Quantos desaparecem das
estatísticas por via do absentismo?
Como sempre acontece, há muitas formas de viciar as regras do jogo. E
todos os anos são publicados relatos de directores de escolas que
assumem o dilema: seleccionar alunos (i.e. excluir os da acção social)
para obter melhores resultados nos rankings ou aceitar os mais
desfavorecidos e a consequente queda na classificação dos rankings. Que a
questão se coloque é um problema que vai muito para além dos rankings.
Porque a selecção de alunos por parte da escola é ilegal mas praticada impunemente.
E porque é o retrato de uma escola pública que não cumpre a sua missão e
está disposta a deixar para trás os que mais dependem dela.
Eu sei que há quem encontre neste fenómeno um bom alibi para
desvalorizar os resultados, mas não tenhamos ilusões: há escolas
públicas que seleccionam os alunos, mas a maioria não o faz, pelo que o
fenómeno não terá grande impacto nos rankings. E também sei que há quem
veja nisto tudo uma boa razão para acabar com os rankings – eles têm uma
má influência no comportamento das escolas, mais vale acabar com eles.
Mas, pergunto: não será ao contrário? Esconder um problema não é resolvê-lo. E os rankings são úteis precisamente porque nos revelam que o problema existe.
A nós compete-nos exigir que seja resolvido. E formas de o fazer não
faltam. Por exemplo, com mais e melhor informação nos rankings, que nos
permita acompanhar o que acontece nas escolas ao longo de todo o ciclo
do secundário, e não apenas no dia do exame nacional. Haja vontade."
aqui.
o destaque... é meu.
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