no expresso 'online'...
"Numa casa em quase tudo igual às outras, lê-se muito
sobre edição independente, pequenas editoras, livros de autor e
fanzines. É chegar, acender as luzes, despir o casaco, pousar "as coisas
lá dentro", ir "ali buscar um iogurte" e voltar. Nos entremeios temos
tempo para olhar em volta: livros pesadões que nos fazem lembrar as
enciclopédias e os atlas dos nossos avós, desenhos a traço fininho em
molduras expostas nas paredes, e uma vitrina, logo à entrada, onde uma
Santa Catarina de Alexandria do século XVIII e uma santa espanhola,
ambas em talha dourada, e um menino Jesus ao lado de um presépio em
barro confirmam o que já vínhamos pressentindo: que estamos em
território sagrado.
Numa casa em quase tudo igual às outras casas, às vezes
recebe-se visitas, interrompe-se as leituras e fala-se muito sobre
edição independente, pequenas editoras, livros de autor e fanzines.
Porque o importante é mesmo a "partilha", o "trabalho coletivo". "Em
Portugal, as pessoas são muito individualistas."
Catarina Figueiredo Cardoso é uma das fundadoras do
projeto "Portuguese Small Press Yearbook", um anuário que reúne
informação sobre livros de artista e edição independente em Portugal
(sobretudo no âmbito da ilustração e da fotografia). No primeiro número,
publicado em 2013, há textos teóricos de enquadramento (porque "vimos
do meio académico"), listas das edições publicadas nesse ano em
Portugal, com referência aos respetivos autores e onde podem ser
adquiridas.
No segundo número, publicado este ano (início de
novembro), ainda fresquinho, foi lançado um desafio a vários coletivos
de artistas que se dedicam à edição independente: quem são, como
surgiram (e porquê), que projetos futuros têm. "Apesar de entre as duas
conhecermos muitos artistas que fazem livros, não conhecemos todos. Não
conseguimos saber o que estão a fazer numa altura determinada. Não
sabemos onde os encontrar. Não sabemos o que é escrito sobre eles",
escreve Catarina no editorial do número inaugural.
Foi por isso que, em conjunto com Isabel Baraona,
pintora e professora de Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e
Design das Caldas da Rainha (ESAD), que desenvolve em paralelo outro
projeto pioneiro na área (um arquivo online sobre livros e revistas de
artistas portugueses e estrangeiros com ligações a Portugal), decidiu
pôr mãos à obra para uma vez por ano dar a conhecer junto desse "ad
aeternum" nicho da edição independente o que os seus artistas andam a
fazer. Em apenas dois anos, a "Portuguese Small Press Yearbook" (em
inglês porque "a internacionalização é muito importante") tornou-se um
documento histórico de consulta obrigatória.
Mais editores, mais livros: "O panorama atual é fantástico"
É lá que ficamos a saber, em resposta ao desafio lançado para o
número deste ano, que existem e resistem coletivos como a Flanzine (uma
revista inspirada nos velhos fanzines e idealizada por João Pedro Azul e
Luís Olival no Facebook, "que tinha tudo para correr mal mas,
contrariando as leis de Murphy e Keynes", acabou por dar certo), o Clube
do Inferno, criado em 2012 por quatro amigos (André Pereira, Hetamoé,
Astromanta e Mao), a Ghost, que surgiu no mesmo ano pela mão de Patrícia
Almeida e David-Alexandre Guéniot, e publica não só os projetos dos
seus fundadores como também de artistas com quem mantém "relações de
amizade e de admiração", a Oficina do Cego, associação fundada em 2009
por um grupo de nove pessoas que se dedica à produção de livros e
promove cursos de serigrafia, tipografia e stencil, e a Pierre Von
Kleist, a primeira editora de livros de fotografia em Portugal, criada
por dois amigos de infância, André Príncipe e José Pedro Cortes ("nós os
dois fazemos tudo em conjunto"), e que celebra este ano o 5º
aniversário, e por isso (mas não só) tem estado nas bocas do mundo.
"Há cada vez mais pessoas a fazer livros, de forma
isolada ou em editoras e coletivos", diz Catarina. A justificação é
simples: a formação técnica dos autores é "muito boa", os meios de
produção são "acessíveis" e a distribuição está também quase sempre
assegurada: na internet, nas livrarias e feiras (Feira Morta, nas Caldas
da Rainha e em Lisboa; F.E.I.A, no Montijo; e Feira do Jeco, no Porto).
Começa também a aparecer o crowdfunding. Não há muito a lamentar. "O
panorama atual é fantástico."
Mas o que atrai, afinal, na edição independente? "É
tendencialmente mais artística e livre. O autor cria sem muitos
constrangimentos e está em contacto direto com o público, que acompanha a
sua evolução, o seu trabalho, o seu destino." Esta é a parte boa. A
parte má é que há "falta de filtro crítico, de meios de produção e de
financiamento, que poderiam dar outra escala à obra", o que, de resto,
também pode ser convertido em desafio, se se quiser. "O interesse também
é esse."
"A maior livraria de Portugal especializada em fotografia"
O projeto de Catarina e Isabel é um dos que vai estar na Feira do
Livro de Fotografia de Lisboa, que vai ocupar desta sexta a domingo a
Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. É, nas palavras de Fabrice Ziegler,
fotógrafo e programador cultural do espaço, "a maior livraria de
Portugal especializada em fotografia". Pelo menos durante três dias.
É a quinta edição e este ano traz novidades: mais
autores, entre conhecidos e desconhecidos, e a internacionalização da
feira (pela primeira vez e já com contornos de "mais-valia"), trabalhada
ao longo do ano, que se reflete em participações de coletivos como o
"You Have your Family I Have mine", fundado por artistas de diferentes
países (Alemanha, Áustria, Sérvia, EUA), a Associação de Fotógrafos da
Lituânia e outros autores estrangeiros. Além disso, vão lá estar as
principais livrarias portuguesas, editores de livros de fotografia e
especialistas que em palestras e debates vão discutir assuntos
considerados relevantes (por exemplo: "Como se ensina a fotografia
hoje?" ou "Qual é a missão das escolas?"). "Temos uma feira consolidada.
Às vezes é complicado mas desta vez conseguimos."
O objetivo da feira, que teve a primeira edição em 2010
("momento-chave" para a edição de livros de fotografia, pois nesse ano
surgiram algumas editoras e livrarias que acabariam por ter um percurso
paralelo), passa principalmente por desmistificar o trabalho dos
artistas que fazem livros, esclarece Fabrice. "Às vezes há esse receio,
por parte dos artistas, de experimentar, mostrar o que fazem, partilhar,
e as pessoas que estão à sua volta também nem sempre compreendem o que
eles fazem." É a "partilha", o dar a conhecer, que aqui está em causa.
Isso e a vontade de reunir autores, editores e livreiros, para que
"colaborem e cresçam juntos". Criar ligações, proporcionar encontros,
porque apesar "de o mercado do livro de fotografia estar a crescer nos
últimos anos", continua a ser um meio muito pequeno."
aqui.
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