"No meu livro “O Desencanto dos Professores”,
reuni um conjunto de artigos que escrevi numa conjuntura que considero
das mais hostis para os profissionais da educação em Portugal.
Vai levar tempo para erguer, acima dos tornozelos, a autoestima dos
professores, para recuperar a sua imagem social, e para chamar novamente
à profissão os melhores e os mais capazes. As perdas são, em tempo,
custo e envolvimento de recursos humanos, incalculáveis. O tempo, a seu
tempo, o dirá.
O pior que pode acontecer a um povo é perder a sua memória coletiva. Vale a pena, então, lembrar...
A ideia lançada, inicial e subliminarmente, de que os professores eram
uns “madraços”, que acumulavam incontáveis faltas ao serviço, que
gozavam férias e mordomias só permitidas a grupos privilegiados, e que
desperdiçavam os enormes meios financeiros com eles despendidos,
constituiu a maior ofensa, a mais inqualificável infâmia perpetrada
perante uma classe altruísta, que todos os dias, no seu posto de
trabalho, deu o seu melhor pelo aperfeiçoamento das qualificações dos
portugueses e pelo desenvolvimento social, económico e cultural do seu
país.
Não é novidade. O cenário revelava-se propício e constituiu a porta
aberta para o que se lhe seguiu: alteração e aumento compulsivo de
funções e tarefas cometidas aos docentes, colocando-os na vertigem da
desprofissionalização; divisão da classe, através de uma estratificação
artificial da carreira; implementação de processos de avaliação de
desempenho administrativos, burocráticos e estigmatizantes; redução
artificial de cargas horárias e alterações aos planos curriculares ao
sabor das circunstâncias, provocando-se, desnecessariamente, o maior
desemprego conhecido, até hoje, na classe; introdução de novas
tecnologias na escola, sem formação antecipada dos intervenientes no ato
educativo, no que se revelou ser uma insensatez face ao esbanjamento de
dinheiros públicos em negócios e parcerias com empresas privadas…
Desde então, a escola tendeu para um espaço de desencantos e
desencontros, onde os profissionais da educação começaram a ser chamados
para refletirem pouco sobre o ato educativo e, em substituição, a
reunirem muito em redor da aplicação de normativos e procedimentos de
natureza burocrático-administrativa.
Neste quadro, milhares de docentes preferiram solicitar a sua
aposentação antecipada, com graves penalizações nas suas pensões, no que
constituiu uma desnecessária sangria de quadros qualificados e
experientes. Ou seja: ao abandono precoce das escolas por parte dos
alunos, temos agora que acrescentar o abandono precoce da profissão por
parte dos professores.
E isto tudo num país que ainda precisa de muita escola e de mais e
melhor qualificação dos seus cidadãos. Que desperdício inqualificável
formar um docente para o deixar partir para uma aposentação precoce, ou
deixá-lo desocupado, numa etapa da sua carreira em que revelava mais
controlo, segurança e maturidade….
Por todas estas razões, o descontentamento trouxe à rua milhares de
professores, proliferaram os movimentos de docentes à margem das
organizações sindicais tradicionais, e as redes sociais e os blogues de
docentes constituíram o elo de ligação de um grupo profissional que,
apesar de tudo, recusou cruzar os braços e preferiu levantar a voz da
indignação e envolver-se na defesa de uma escola pública onde seja
gratificante ensinar e compensatório aprender.
Hoje, apesar da adversa conjuntura em que ainda vive a escola
portuguesa, estamos em crer que se alguém quis quebrar a espinha dorsal
aos docentes não o conseguiu.
E, em boa verdade, também não houve uma quebra significativa da
confiança que a sociedade deposita nos professores e na instituição
escolar. Diríamos mesmo que a escola continua a ser a única organização
pública onde as famílias entregam, diariamente, os seus filhos e partem
tranquilas para o trabalho, sabendo que crianças e jovens ficam seguros e
bem entregues.
Mas será que, após este claustrofóbico período, a tutela pode afirmar que temos mais escola e melhor educação?
Infelizmente, a resposta é: não! Nos tempos que ainda correm, as escolas
fecharam-se num clima organizacional sufocante, os alunos não
melhoraram globalmente, de facto, os seus resultados escolares, os
professores não aperfeiçoaram as suas competências profissionais e a
escola não se transformou numa verdadeira comunidade educativa.
Ou seja: agora temos menos escola e menos escolas, temos menos educação e
menos professores. Entretanto, nesta encruzilhada, o país ganhou a
maior taxa de desemprego alguma vez vista na profissão docente, e um
medíocre sistema de formação de professores, incapaz de atrair os
candidatos mais capazes e mais competentes.
Mas porque a educação e os professores são semente e pão de todos os
futuros, estamos em crer que, uma vez mais, os docentes portugueses irão
sabiamente ultrapassar este difícil instante da sua longa história
profissional, e recuperarão o valor e a energia da sua
profissionalidade, para bem do desenvolvimento social, cultural e
económico do nosso país."
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