ACÓRDÃO N.º 413/2014
"Processo n.º 14/2014
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
I - Relatório
1. Pedido formulado no âmbito do processo n.º 14/2014
Um Grupo de deputados à Assembleia da República eleitos pelo Partido Socialista pediram a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 33.º, 75.º, 115.º e 117.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro de 2013, que aprova o Orçamento do Estado para 2014.
Fundamentam o pedido nos seguintes termos:
«Artigo 33.º da LOE 2014
a) As normas deste preceito violam o direito à retribuição consagrado no artigo 59.º, n.º 1, a), o princípio geral da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1, e os princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança, ambos ínsitos no princípio do Estado de direito (artigo 2.º).
b) As normas em causa consubstanciam uma restrição do direito constitucional à retribuição, na medida em que, efetuando uma diminuição sensível da contrapartida remuneratória pelo trabalho prestado, constituem uma ablação unilateralmente imposta pelo Estado que afeta sensível e desvantajosamente o acesso individual ao bem constitucionalmente protegido por aquele direito na concretização que lhe foi dada pela lei e pelos contratos em vigor.
c) Nesse sentido, aquela restrição só não seria constitucionalmente censurável se tivesse uma justificação bastante para fazer ceder o bem constitucional e se, para além disso, a medida concreta resultante daquela imposição unilateral respeitasse os princípios constitucionais que condicionam a atuação estatal restritiva dos direitos fundamentais, designadamente os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.
d) Quaisquer das razões excludentes da inconstitucionalidade anunciadas pela jurisprudência constitucional não se aplicam às presentes medidas.
e) Apesar de no Relatório que acompanhou a proposta de lei do orçamento para 2014 se reafirmar literalmente o “caráter transitório” das reduções remuneratórias em causa, essa afirmação é puramente retórica, visando ostensivamente uma aparência de conformação aos limites jurídicos traçados pelo Tribunal Constitucional, na medida em que, tanto no texto da proposta de orçamento quanto nas afirmações públicas dos responsáveis governamentais, foi claramente abandonada toda e qualquer delimitação temporal do respetivo alcance.
f) Como qualquer outra norma jurídica com caráter permanente, as presentes reduções remuneratórias, não obstante a obrigatoriedade da sua renovação orçamental, vigorarão até que o legislador entenda alterá-las, inexistindo qualquer determinação, mesmo previsional e indicativa, de um termo para a sua vigência plurianual.
g) Ao impor-se esta medida adicional de sacrifício (“redução remuneratória”) pelo quarto ano consecutivo aos trabalhadores do setor público, em termos agora alargados (a partir dos 675 euro mensais) e agravados (atingindo os 12% a partir dos 2000 euro), ultrapassam-se vários dos limites a que uma “ablação diferencial” desta natureza estará sempre exposta.
h) No quarto ano de aplicação, a medida discriminante já não pode justificar-se, como se justificou inicialmente, pela “eficácia” que assegura em confronto com reformas que pudessem requerer mais tempo.
i) Se as reduções iniciais eram já significativas (não incidindo sobre salários abaixo dos 1500 euro, a que correspondia a taxa dos 3,5%, nem acima dos 10% no escalão mais elevado), estas incidem agora também sobre titulares de vencimentos muito mais baixos, já não longe do salário mínimo, com impacto mais gravoso nas suas vidas (e em concreto, aditando-se aos demais já suportados).
j) Realizando uma ponderação do peso do impacto que estas reduções produzem no grupo afetado, em comparação com os grupos não remunerados através de verbas públicas, e das razões invocadas pelo legislador, semelhante às que o Tribunal Constitucional já realizou nos acórdãos n.º 353/2012 e 187/2013, não pode deixar de se concluir pela violação do princípio da igualdade, como neles se concluiu.
k) Por outro lado, esta é uma imposição violadora do princípio da proporcionalidade.
l) Na sua aplicação a todos os que, pela quarta vez, suportam continuadamente a redução remuneratória, só esta medida - que como se sabe se acrescenta á várias outras, e algumas específicas - levará a que o sacrifício exigido de cada um deles, só a este título, se eleve para um valor compreendido entre 14% a 40% da sua remuneração anual. Este parece um critério quantitativo não eliminável para aferir o alcance duma medida que, admitida como transitória, se pretende que venha mais uma vez acrescentar os seus efeitos sacrificiais aos já por três vezes acumulados.
m) O princípio da proporcionalidade é violado em dois dos seus segmentos: o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito.
n) É infringido o segmento da necessidade uma vez que o próprio legislador mostra que há alternativas igualmente eficientes para promover os fins prosseguidos, mas mais lenientes. Na verdade, ao mesmo tempo que efetua reduções salariais significativas promove a redução do esforço fiscal doutros contribuintes. O legislador poderia atingir os efeitos a que se propõe optando por soluções orçamentais que não reduzissem salários a partir de 675 euro mensais e não reduzissem (ou reduzissem menos) a carga fiscal sobre certos contribuintes.
o) Por outro lado, a ponderação do nível de sacrifício imposto (especialmente) a quem aufere salários no limiar inferior da tabela, a partir de 675 euro, e o grau de satisfação dos interesses que se pretende atingir com isso - a consolidação orçamental em poucas décimas - só pode conduzir à conclusão da intolerabilidade daquele sacrifício, tendo em conta os “benefícios” conseguidos, o que se traduz na violação do segmento da proporcionalidade em sentido estrito.
p) Para se aferir da intolerabilidade do sacrifício é relevante ter em conta que, para além das situações específicas antes referidas, no que se refere à generalidade dos trabalhadores agora atingidos as atuais reduções cumulam, para além do enorme aumento de impostos sofrido pela generalidade dos cidadãos, com o registo de diminuição de rendimento e de cortes salariais que já incidiram nos anos anteriores exclusivamente sobre estes trabalhadores; cumulam com a supressão efetiva dos 13.º e 14.º meses no ano de 2012, não obstante a sua declarada inconstitucionalidade; e cumulam com a redução indireta de retribuição em que se traduzem tanto o aumento do horário de trabalho para as 40 horas semanais, como os sucessivos aumentos de contribuição para a ADSE.
q) Para além disso, também a eventual violação do princípio da proteção da confiança por parte das reduções remuneratórias deve ser apreciada segundo um crivo mais apertado do que ocorreu em anteriores apreciações do Tribunal Constitucional.
r) De facto, as reduções remuneratórias incidindo exclusivamente sobre os trabalhadores em funções públicas e das empresas públicas sempre haviam sido perspetivadas como transitórias e com um horizonte temporalmente delimitado e pré-estabelecido. E, na medida em que foi com essa pretensa natureza que não foram ab limine invalidadas pelo Tribunal Constitucional, o Estado fez criar nos cidadãos a convicção reiterada de que a normalidade remuneratória seria reposta no fim do PAEF.
...
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, das normas do artigo 33º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, das normas do artigo 115º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;
c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, das normas do artigo 117º, n.ºs 1 a 7, 10 e 15, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;
d) Não declarar a inconstitucionalidade das normas do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;
e) Em função do decidido na precedente alínea a), declarar prejudicada a apreciação do pedido subsidiário relativo à norma da alínea r) do n.º 9 do artigo 33.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
f) Determinar que a declaração da inconstitucionalidade constante da alínea só produza efeitos a partir da data da presente decisão.
Lisboa, 30 de maio de 2014 - Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto à decisão da alínea d) nos termos da declaração de voto junta) - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida quanto à alínea c) nos termos da declaração junta) - Lino Rodrigues Ribeiro (Vencido parcialmente quanto à alínea a) e vencido quanto à alínea b), pelas razões constantes da declaração em anexo) - Catarina Sarmento e Castro (Vencida quanto à alínea d) da decisão (complementos de pensão); com declaração de voto; Acompanhando a decisão, e no essencial, a fundamentação das restantes alíneas (e conforme declaração, relativamente à fundamentação das alíneas a) (redução remuneratória) e c) (pensões de sobrevivência). Vencida quanto à alínea f) (efeitos) nos termos da declaração de voto junta) - João Cura Mariano (vencido quanto à alínea d) da decisão e quanto à restrição de efeitos pelas razões constantes da declaração que junto) - Maria José Rangel de Mesquita (vencida parcialmente quanto à decisão e fundamentação da alínea a), vencida quanto à decisão da alínea b) e com declaração quanto às decisões das alíneas c) e d)) - Pedro Machete (vencido quanto às alíneas a), b) e c) da decisão, conforme a declaração junta) - Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto à alínea c) da decisão, conforme declaração em anexo)- João Pedro Caupers (vencido quanto às alíneas c), d) e f) da decisão nos termos da declaração em anexo) - Fernando Vaz Ventura (vencido quanto às alíneas c), d) e f) da decisão, nos termos da declaração de voto junta)- Maria Lúcia Amaral (vencida quanto às alíneas a), b) e c) da decisão, conforme declaração em anexo)- José da Cunha Barbosa (vencido quanto às alíneas a) e b) da decisão nos termos da declaração de voto que junto) - Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido quanto à alínea d) da decisão, nos termos da declaração anexa)
..."
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