no i...
"Isso acontece também porque não temos líderes?
Temos os piores líderes.
E, no entanto, diz-se que nunca tivemos gerações tão bem preparadas...
Há mais gente na escola, quer na básica e secundária, quer na
universitária. Houve a democratização, mas ao mesmo tempo uma
massificação que teve efeitos negativos. Quando eu tinha sete anos e
entrei para a escola primária a maior parte dos miúdos da quinta onde me
aborrecia andavam a guardar vacas, não tinham acesso à escola. A minha
grande desilusão, até porque o meu doutoramento é em Sociologia da
Educação, foi com a escola pública. A escola pública, com um bocadinho
de sentido prático e de convicção, poderia ser muito melhor do que é. É
uma questão de dinheiro, mas não é principalmente uma questão de
dinheiro.
Se não é dinheiro, qual é o problema?
As instalações não são extraordinariamente importantes, é uma pena e
injusto que o Liceu Camões, que é bonito, esteja a cair, que chova
dentro da sala de aula. Mas se o professor for bom, a coisa está
resolvida. O problema é que o ministério interfere em tudo, até no que
se come. Outro dia fui lá, a sopa estava aguada, porque o ministério faz
outsourcing, é a apologia do privado. É claro que o privado está lá
para ter lucro. O liceu Camões tem um óptimo refeitório, tinha
possibilidade de fazer óptimas refeições. No privado e no público há
bons e maus gestores. Tem de se ver caso a caso. Sou pragmática: para
mim a escola pública é fundamental.
Porquê?
Acreditei sempre que a enorme desigualdade social que havia em
Portugal em 1974 iria ser gradualmente eliminada quer através da
repartição dos impostos, quer através da escola. É verdade que temos
muito mais gente na escola, temos é gente que não aprende nada. E não é
por causa dos professores ou dos alunos, é por culpa dos ministros.
Tivemos 27 ministros em 30 anos, mal aqueceram a cadeira. Tiveram as
ideias mais extraordinárias e loucas que já vi...
Por exemplo?
Criaram o GAVE - Gabinete de Avaliação Educativa, que fazia uns
exames que pareciam o totobola, punham-se umas cruzes - sou
completamente contra as respostas múltiplas, aquilo é um disparate
pegado -, e este ministro, em quem eu tive alguma confiança no início, a
grande inovação que fez foi transformar em IAVE. Ora isso também eu era
capaz, tirou o G e pôs um I. Os exames não têm pés nem cabeça, os
manuais estão cheios de erros e este ano chegámos ao cúmulo de estarmos
nesta altura e termos alunos sem professores. Se pegar em mil alunos
quando eu entrei para a primária e mil alunos agora, os mil alunos do
meu tempo vinham da classe média e 100 eram bons porque em casa falavam
de Sócrates e Platão ou se não falavam ouviam vagamente - as classes
altas em Portugal são particularmente analfabetas se comparadas com as
europeias, as classes médias davam mais importância à cultura, as altas
ao sangue, ao pergaminho e ao apelido. Agora, em mil talvez haja 200
bons alunos, mas os outros não sabem nada de nada e nunca vão saber.
Portugal tinha a maior taxa de analfabetismo da Europa em 1974 e a
escola não está a conseguir dar-lhes a cultura dita superior porque está
a ser inundada por circulares do ministério.
Que deram origem a um livro...
Sim. Publiquei um livro chamado "Sala de aula" com base em diários de
professores, sob anonimato. Todos os dias aqueles pobres seres recebem
emails, uns mais aberrantes do que os outros, a dar ordens: pinte o
cabelo de amarelo, faça o pino, diga aos alunos para cortarem as unhas.
Isto é caricatural, mas não é caricatural quando nos exames do 12.o, no
ano passado, eles enviaram uma circular aos professores dizendo que
iriam receber um envelope (normalmente distribuído pela GNR),
instruções: levar uma tesoura para a aula para abrir o envelope. Hã?!
Portanto, o ministério achou por bem que os professores eram atrasados
mentais.
E quem escreve essas circulares?
Não entendo 50%, pura e simplesmente. O ministério usa uma linguagem
que deve ser um português do planeta Saturno, que ensinam aos
professores dos cursos de Ciências da Educação. É uma linguagem cifrada,
são idiotias ou banalidades ou coisas totalmente incompreensíveis que
não servem absolutamente para nada a não ser para fazer com que os
professores cheguem a casa - e 70% são mulheres -, e em vez de irem
preparar o jantar e tomar conta dos filhos se ponham a ler circulares
imbecis.
Afirmou que no início estava confiante no ministro Nuno Crato. E agora?
Sim, ele era muito crítico do monstro, disse que ia fazer implodir o
ministério. Viu-se. Implodiu-se a si próprio e ainda não saiu do lugar.
Vi uma fotografia num jornal e parece que os olhos estão desorbitados.
Isto mostra o que o poder faz às pessoas. Um grande senhor inglês, no
século XIX, por acaso a propósito do Papa, nem era do poder dos
políticos, disse que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe
absolutamente. Não digo que ele tenha poder absoluto, não tem, vivemos,
apesar de tudo, em democracia. Mas o poder corrompe.
Acredita que Nuno Crato é corrupto ou deixou-se enlear?
Admira-me, porque conheço-o mal, encontrei-o duas ou três vezes e
achei-o um ser sensato, simpático, que iria reformar ou tentar. Não me
pareceu sequer que tivesse uma grande apetência pelo poder, mas deve ser
bom. Para mim devia ser horrível, porque detesto. Fui directora do meu
instituto, o mandato era por três anos e ao fim de ano e meio não
aguentei. O poder não me interessa absolutamente nada, não me dá
qualquer prazer. Ele deixou-se enlear, não teve coragem de ir à
televisão explicar o que tinha que explicar, por exemplo, que iria ter
de despedir dezenas de milhares de professores porque o acordo com a
troika o exigia. Preferiu inventar uma parvoíce qualquer de umas provas
que degeneraram nesta colocação dos professores. Um político tem de dar a
cara.
Concorda com a forma como são escolhidos os professores?
Os do quadro podem ser horrendos, a minha geração tem segurança de
emprego, pode fazer o que lhe apetece, a partir dos 45 anos estão
praticamente todos nos quadros. Os jovens podem ser génios mas não
entram e vão para a rua, que é de uma injustiça atroz. Nuno Crato
deixou-se embrenhar em lutas que ninguém percebe nem entende e suponho
que o povo português está absolutamente estupefacto com o caos que reina
no ensino e nas escolas e que não tem remédio, não é com explicações
extra que vai lá.
Mas também não sai do governo...
Queria não é? Mas é bem feita, agora fica, de castigo! Deviam pôr-lhe daqueles cones: BURRO."
o melhor é ler a entrevista... aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário