no público 'online'...
"Dois investigadores do Centro de Investigação e Intervenção
Educativas da Universidade do Porto chegaram à conclusão que “dois
alunos com prestação idêntica nos exames nacionais facilmente podem ter
discrepâncias de 2 (ou até 4) valores nas suas notas internas, consoante
a escola escolhida”. Tiago Neves e Gil Nata já tinham abordado a
questão da inflação das notas em artigos publicados em revistas
internacionais. Agora, fizeram aquilo que definem como um “ranking da
inflação” para cada um dos últimos 13 anos.
Estes rankings fornecidos ao PÚBLICO mostram,
escola a escola, quais os estabelecimentos que têm em cada ano maiores
desvios de classificações internas — aquelas que são dadas pelos
professores — face ao “desvio médio nacional”, tal como calculado pelos
investigadores. Olhando apenas para o top 5 de cada um dos 13 anos
analisados: o Colégio Ellen Key, no Porto, e o Ribadouro, também no
Porto, aparecem nove vezes nesse grupo.
Já o Colégio Horizonte
(Porto), o Colégio de Lamego e o Instituto de SEZIM — Colégio de
Guimarães aparecem quatro vezes na lista dos cinco maiores desvios.
Em
2013/14, o último ano para o qual há dados, o Externato Senhora do
Carmo, na Lousada, foi o que teve o maior desvio face ao “desvio médio
nacional”: à volta de 2,7 valores. Mais 10 escolas apresentaram desvios
superiores a 2 valores.
Por sistema, explicam os investigadores,
há “uma sobrerepresentação das escolas privadas nos lugares cimeiros”
destes rankings que incluem as cerca de 600 escolas secundárias do país.
A metodologia que Gil Nata e Tiago Neves seguem não é muito diferente da do Ministério da Educação no portal InfoEscolas, recentemente lançado — e onde, pela primeira vez, o Governo divulgou publicamente dados escola a escola sobre este assunto.
Contudo,
os dois professores (o primeiro lecciona na Universidade Portucalence e
o segundo na Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação do Porto)
apresentam os valores absolutos dos desvios, para cada escola, enquanto o
ministério limita-se a assinalar as escolas mais e menos alinhadas com a
média, sem quantificar o tamanho dos desvios. Foi com base no
InfoEscolas que o PÚBLICO concluiu, na segunda-feira, que há 24 escolas que dão por sistema notas acima do esperado. A maioria são privadas no Norte do país.
Basicamente,
Gil Nata e Tiago Neves verificaram, em cada ano, qual foi a média
interna dos alunos que prestaram provas — e fizeram-no para todas as
classes de notas possíveis no exame (dos 0 aos 20 valores). Ou seja,
avaliaram qual foi a classificação interna dos alunos com 1, 2, 3... 11,
12 valores, e por aí fora, no exame. Depois viram escola a escola se,
em média, as notas internas atribuídas pelos professores eram mais altas
do que as notas internas atribuídas pelas outras escolas a alunos com
resultados semelhantes nos exames. Os desvios foram calculados
“corrigindo a diferente proporção de alunos que diferentes escolas têm
ao longo do espectro de notas nos exames nacionais”.
Resultado:
encontraram discrepâncias consideráveis, “com a amplitude (diferença
entre a nota mínima — a escola que mais deflacionou — e a nota máxima — a
escola que mais inflacionou) a estar sistematicamente acima de 4
valores e a ultrapassar em vários anos os 5 valores”.
O maior desvio “para baixo” deste ano pertence ao Colégio Rainha D. Leonor, nas Caldas.
“Os desvios das escolas têm-se mantido similares ao longo do período
em análise, por vezes com uma tendência de subida ligeira”, explicam os
investigadores. “Isto significa que não se tem conseguido adoptar
medidas que reduzam as (grandes) discrepâncias entre as escolas.”
Impactos no ensino superior
Gil Nata e Tiago Neves, que já tinham avaliado num artigo para o International Journal on School Disaffection,
em 2012, “o impacto que tais desvios têm no acesso ao ensino superior”,
actualizaram agora os seus cálculos — porque consideram que “a inflação
de notas é uma tremenda fonte de injustiça”.
Nos cursos
superiores mais competitivos (aqueles que apresentam médias de entrada
mais elevadas), nos últimos três anos, estimam que “o impacto de mais um
valor na nota de candidatura significa um salto de entre 80% a 90% na
lista ordenada de candidatos a esses cursos (a partir do último
candidato a entrar no curso)”. Ou seja, um valor a mais significa
“passar à frente de mais de 80% dos candidatos”.
Mesmo um aumento de 0,5 valores na nota de candidatura significa um salto de mais de 50% nesses cursos.
Nos cursos menos competitivos, “o impacto de mais um valor na nota de candidatura é bastante relevante, sendo em média de cerca de 35%”.
“Enquanto
investigadores, o nosso papel é estudar temas socialmente relevantes,
disponibilizando dados em quantidade e qualidade suficientes para que
possam ser apreciados quer pela comunidade científica, quer pelo público
em geral”, justificam em resposta ao PÚBLICO. “Visamos facilitar a
identificação precisa de problemas reais para que possam ser tomadas
medidas concretas pelas entidades competentes.”
Na semana passada,
também questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação lembrava,
numa nota por escrito, que a avaliação interna é, por lei, da
responsabilidade dos órgãos e estruturas pedagógicas das escolas. Mas
que, ainda assim, a Inspecção-Geral da Educação e Ciência está a
analisar os dados relacionados com os desalinhamentos de notas
detectados e tornados públicos no InfoEscolas. “Nos casos de maior
afastamento”, irá “utilizá-los em próximas intervenções inspectivas, com
recomendações focadas no processo de avaliação interna dos alunos.”
“Temos consciência do assunto”
No
Externato Senhora do Carmo, que este ano se destacou por ter o maior
desvio, a direcção fez saber, por escrito, em resposta ao PÚBLICO, que
este foi o primeiro ano em que tiveram alunos a prestar provas no
secundário — e apenas no 11.º ano. “De facto, houve um desvio
significativo nas classificações obtidas pelos nossos alunos numa ou
noutra disciplina de 11.º ano (fundamentalmente numa que certamente
pesou no objecto do referido estudo). A direcção pedagógica está
naturalmente preocupada com a situação, mas também é necessário que se
refira o seguinte: em primeiro lugar, o desfasamento não ocorreu em
todas as disciplinas de 11.º ano a que os alunos prestaram provas,
aliás, até houve resultados externos que suplantaram os resultados
internos em determinadas situações; em segundo lugar, é preciso vincar
que foi a primeira vez que esta escolas teve exames de nível secundário,
e portanto, não sendo desculpa, o facto de ainda não existirem
referenciais consolidados pode ter contribuído para que tenha havido
mais discrepância.”
E remata: “Temos consciência do assunto. Mais
do que ninguém queremos resolvê-lo para que se honre a tradição de bom
desempenho dos nossos alunos. E sobre as causas aleatórias, sem querer
especificar, já foram tomadas medidas que estamos certos farão com que o
problema seja resolvido.”
Rodrigo Queiroz e Melo, director
executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e
Cooperativo (Aeep), diz que não conhece o estudo em causa, mas considera
que o facto de existirem “análises cada vez mais robustas” sobre o
sistema educativo “é uma coisa óptima”. Agora, só contesta que se fale
de “inflação” de notas, algo que “tem uma conotação negativa”.
“Desvios”, diz, é mais rigoroso. E “os desvios podem ser virtuosos”.
Mais: “Nalguns casos justificam-se plenamente.”
Dá um exemplo: há
escolas que na dúvida, entre um 14 e um 15 decidem dar 15, como
estratégia de motivação, e outras que decidem dar 14, para picar os
alunos — “são estratégias pedagógicas” distinas, diz, e é um erro achar
que os procedimentos devem estar todos alinhados. “A avaliação interna
deve ser um instrumento de gestão pedagógica.”
Sobre o impacto de
tudo isto no acesso ao superior, Queiroz e Melo entende que as
conclusões dos investigadores do Porto dão razão à Aeep, que tem
defendido uma mudança nas regras que faça com que o secundário deixe de
“estar canalizado para a seriação de alunos para o ensino superior”
correndo-se o risco de que se torne mesmo “numa fábrica de preparação de
exames”. Uma possibilidade, diz, seria as universidades terem os seus
próprios critérios de escolha de candidatos.
“Exercício teórico”
Recorde-se
que o exame nacional vale apenas 30% da classificação final de cada
disciplina do secundário sujeita a exame (nos cursos
científico-humanistícos, que concentram a maioria dos alunos), a nota
interna vale 70%. A classificação final dos cursos, por sua vez, é a
média aritmética simples, arredondada às unidades, da classificação
final obtida em todas as disciplinas do plano de estudos.
Já o
cálculo da nota de candidatura ao ensino superior varia: há
universidades/politécnicos que dão mais importância aos exames, que
também funcionam como provas de ingresso, outras menos, umas que dão
maior peso à classificação do secundário, outras menos; o que as regras
mandam é que a classificação final do ensino secundário vale pelo menos
50% da nota de candidatura ao ensino superior (sendo que a classificação
final do secundário reflecte notas internas e de exame, como já se viu)
e as provas de ingresso pelo menos 35%. Mas dentro destes limites há
várias combinações possíveis. Por exemplo, para Medicina na Universidade
de Lisboa, a média do secundário vale 50% e as notas das provas de
ingresso outros 50%. Em Direito, para a Universidade do Minho, as
percentagens são 60/40.
Tiago Neves e Gil Nata não tiveram em
conta estas nuances. “Quando analisamos o impacto nas listas de acesso o
que fazemos é simplesmente ir ver para determinado curso a nota de
entrada do último candidato e perceber qual o lugar em que ele estaria
caso tivesse uma nota de acesso com mais 0,5 ou 1 valores”, explicam ao
PÚBLICO. “Note-se que este é um exercício teórico. Não nos preocupámos
com o facto de esse curso dar mais ou menos ponderação à Classificação
Interna Final ou à Classificação de Exame. É simplesmente dizer: no
curso x, o último candidato tinha nota y; com mais meio valor em que
lugar da lista é que ele se encontraria e a que percentagem de subida na
lista é que esse salto corresponde.”
Os investigadores partem do
pressuposto de que se há escolas com desvios na nota interna de 2, 3 ou 4
valores acima do desvio médio nacional, como constataram que há, todos
anos, é seguro que também há alunos que de facto têm mais um valor na
nota de ingresso do que teriam se tivessem concluído o secundário
noutras escolas que inflacionam menos ou que deflacionam as notas
internas."
aqui.
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