"Caros colegas,
Acabei de receber a convocatória para a reunião destinada a organizar
o serviço de vigilância da prova que, supostamente, visa avaliar
professores (profissionais, como somos todos) e que se vai realizar
também neste agrupamento.
Esta convocatória não me suscita reparo a quem a fez, na medida em
que, noutras funções, tive que convocar reuniões para processos
atabalhoados, centralmente gerados e do género.
Mas o juízo sobre a reunião depende do que nela acontecer e não do que se possa agora antecipar.
Contudo, o posicionamento a tomar nela leva-me a escrever este texto, embora sem o intuito de convencer, seja quem for, da minha posição, que acho, mesmo assim, que devo anunciar para abreviar tempo no seu decorrer e para sabermos ao que vamos.
E a minha posição e´ muito clara: não vigiarei, corrigirei ou colaborarei, seja de que forma for, com a realização da prova.
Se isso resultar em
ter de fazer reuniões de avaliação de alunos na semana do Natal, seja. E
se houver outros incómodos, venham eles.
Não prejudicarei
colegas mais frágeis na sua situação, por abstenção, comodismo ou pela
futilidade de ter vontade de comer rabanadas mais cedo.
No passado, e em circunstancias pessoalmente mais duras,
encontrando-me sob ameaça direta por parte de organismos do ministério,
fiz o mesmo com a implementação, `a data, de uma dada fase do processo
de avaliação de desempenho, que o Governo do tempo queria aplicar, com
base num decreto-regulamentar que, na ocasião, ainda nem legitimidade
tinha (pois nem fora publicado).
Nesse dia, um ilustre funcionário de um organismo desconcentrado do ministério informou-me da inutilidade da resistência porque “os professores são como a massa esparguete, mergulhada em água, amolece”.
Muita água correu sobre o assunto que não se encerrou nesse dia.
O esparguete causou razoaveis dores de barriga a gente poderosa.
O processo presente continua envolto em névoas jurídicas do mesmo
calibre, com os problemas da dispensa, baseada numa atamancada
interpretação excessiva (que não ouso chamar-lhe extensiva), de um
suposto preceito legal para alguns e que não se aplica a todos.
Como existe um pré-aviso de greve lançado por quem tem legitimidade (os sindicatos) aderirei a essa greve.
O que aprendi e´ que este tipo de atitudes individuais de resistência
e desobediência (neste caso, por meios absolutamente legais e que
resultam do exercício de um direito constitucional) nesta nossa amada
pátria, não passa desse nível e muitas vezes e´ mal considerado e não se
reflete muitas vezes num sentimento colectivo de acção e de defesa do
que e´ justo.
Oriundo de uma família de 4 gerações de professores, cresci a ouvir
histórias de como a classe docente teve de lutar, no longo prazo e num
caminho penoso, pelo seu estatuto.
Este ataque acaba por ser mais um e não creio que os seus autores vão ficar na Historia pela qualidade dos seus resultados.
Se colaborasse com ele trairia a memória de pessoas muito próximas e
referências pessoais e familiares que, no seu tempo, resistiram e
lutaram.
E aqui recordo o meu tio Adelino, professor durante décadas, natural
desta terra, que nos inícios da década de 30 do século passado, inícios
do Estado Novo, resistiu a uma tentativa politica de tornar uma farsa o
conceito de exames e que, com esse gesto solidário e de coragem,
voluntariamente se sujeitou a ficar um ano sem trabalhar em nome de uma
certa ideia de dignidade pessoal e justiça.
E perante esse exemplo, o que pode ser para mim um mero transtorno na data de inicio da quadra natalícia?
Se cá estivesse, o meu tio não me pouparia, se colaborasse nesta
farsa e se ajudasse ao seu resultado: prejudicar outras pessoas,
colegas, contra o que se verifica ser justo.
E, neste caso, o que e´ justo e´ defender-se a nossa dignidade
profissional coletiva contra falsas ideias de rigor e disparatadas
ideias de suposta avaliação que visam, na verdade, diminuir e atacar os
docentes, a pretexto de uma ficcionada melhoria do sistema de ensino.
E esta opção pessoal que tomo, nada tem de partidário, sendo contudo
profundamente política, e tendo ate´ uma face de perspectivar o futuro.
Quem nos garante que, o
que hoje se aceite para profissionais fora do quadro, não vai chegar a
ser aplicado para despedir quem nele já se encontra?
E a este propósito recordo uma das frases, muito citada mas exemplar e
instrutiva que, como professor da disciplina, ensino a alunos sobre um
momento da Historia, que se constata continua a ser central na definição
do que deve ser a consciência moral individual face `a arbitrariedade.
Disse-a Martin Niemöller, tratando sobre o significado do Nazismo na Alemanha:
“Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque,
afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os
sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era
social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não
protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os
judeus, eu também não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”.
De 1937 e ate´ ao fim da II guerra mundial, durante mais de sete
anos, Martin Niemöller esteve preso – inicialmente, no campo de
concentração de Sachsenhausen e depois em Dachau.
Perante exemplos individuais desses o que e´ um mero incomodo de um dia de greve ou outros transtornos?
E se hoje, quando miram
os contratados, nos calarmos, quando vierem ter connosco, que faremos
então que não devamos ter feito já?
Com saudações cordiais a todos,
Luís Sottomaior Braga"
aqui.
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