segunda-feira, 29 de setembro de 2014

da [má] gestão das coisas sócio-educacionais...?


no observador...

"“Os pais do aluno em questão entraram na sala de aulas, no início da primeira aula da manhã, culparam a professora pelo alegado mau desempenho comportamental do filho e agrediram-na nas mãos e num braço”, acrescentou. A maioria dos alunos, de uma turma do 4.º ano da escola básica do Rossio, que assistiram às agressões, “foram para casa por questões emocionais”, disse. Os restantes alunos “foram divididos” pelas outras turmas do estabelecimento de ensino.

Fonte do Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Santarém confirmou a ocorrência à Lusa.  O alerta foi dado às 9h21. Ao local ocorreram os bombeiros de Abrantes, com um veículo de socorro e a PSP. Jorge Soares, porta-voz da PSP de Santarém, disse à Lusa que “a agressora foi identificada e o caso, por configurar um caso de crime público, vai ser remetido para o Ministério Público”.

Jornal de Notícias, 24 de Setembro de 2014.

Alguém encontrou uma declaração do Ministério da Educação sobre este caso? E dos sindicatos? Não sei se existiu alguma tomada de posição por parte dessas entidades, mas a ter existido foi totalmente ofuscada pela agenda do camarada Mário Nogueira: colocações, listas e outros assuntos administrativos a que há anos se convencionou em Portugal chamar ensino. Na prática quando em Portugal se fala de ensino fala-se daquilo que Mário Nogueira quer. E a Mário Nogueira o Ministério da Educação só interessa enquanto maior empregador de Portugal, logo o melhor caldo de cultura para a sua actividade de funcionário público profissionalizado na contestação em serviço próprio e do partido a que é afecto.

Há anos que isto é assim e só o estado de profunda anomia em que nos encontramos leva a que não percebamos que nesta notícia cada parágrafo é um problema, esse sim do ensino e da escola, e sobre os quais ninguém se pronuncia porque andamos todos a discutir o problema de umas listas de colocação cujas fórmulas são o que de mais aproximado com o centralismo soviético se fez em Portugal.

Comecemos pelo princípio: a professora foi agredida dentro da sala. O que nos leva a perguntar – os pais entram assim pelas salas dentro do 4º ano já com as aulas a decorrer? A professora chamou-os para irem lá àquela hora, já durante a aula, o que a obrigaria a falar do assunto diante da turma toda? Nenhum funcionário achou estranha aquela ida dos pais a uma sala onde estava a ser dada uma aula? Quem na qualidade de aluno, professor ou pai tem entrado em escolas, sejam elas públicas ou privadas, percebe que há coisas que não batem certo nesta situação.

Mas as dúvidas e as estranhezas não se esgotam aqui. Passemos para o que aconteceu dentro da sala de aula. Aí a linguagem da notícia é ela mesma um símbolo destes bizarros tempos: “a professora ficou ferida nas mãos e num braço, a par de uma crise de ansiedade emocional.” “Os pais do aluno em questão entraram na sala de aulas, no início da primeira aula da manhã, culparam a professora pelo alegado mau desempenho comportamental do filho e agrediram-na nas mãos e num braço”.

Ora vejamos: a criancinha porta-se mal. Alegadamente, claro, que nós somos uma sociedade que anda sempre de alegado na boca, não vamos cair em pecado de chamar alguma coisa pelo seu devido nome: as crianças não se portam mal. Têm alegados comportamentos. Curiosamente estes pais não duvidavam do mau comportamento do seu rebento. Acusaram sim foi a professora de ser responsável pelo mesmo. E agrediram-na. Esta ficou ferida e, pressurosamente, a notícia acrescenta que ficou também com uma “crise de ansiedade emocional.” Vai-se a ver e isto ainda se resolve mandando a senhora para o psicólogo. Psicólogo esse onde também devem acabar os alunos que assistiram às agressões à professora e que “foram para casa por questões emocionais”.

Uma professora é agredida diante dos alunos e quer ela quer as crianças têm “questões emocionais”! Vendo bem é tudo uma questão de emoções mal geridas: os pais agressores, coitadinhos, têm emoções a mais. A professora agredida teve uma crise emocional e as crianças que assistiram àquilo tudo também se emocionaram muito. Os respectivos pais ainda se devem ter emocionado mais quando perceberam que os seus filhos não tinham aulas e eles tinham de resolver o assunto, independentemente de estarem a trabalhar ou de terem compromissos… Enfim é tudo uma questão de gerir as emoções. Infelizmente só não sabemos se a criança que está na origem disto tudo foi para casa com “questões emocionais” ou ficou na escola á espera que os paizinhos voltassem de novo. Qual indisciplina, qual falta de respeito, qual abuso… são emoções, senhores.

Depois vem o habitual nestas coisas: bombeiros e a PSP acorreram ao local, “a agressora foi identificada e o caso, por configurar um caso de crime público, vai ser remetido para o Ministério Público”. E o habitual nestas coisas é um dos maiores paradoxos do nosso tempo: a Justiça, que não investiga o que é da sua exclusiva competência, ora porque prescreveu, ora porque as provas são dadas como nulas e mandadas retirar dos autos cada vez mais, tem vindo a ocupar os outros espaços de poder.

Incidentes que durante anos foram resolvidos pelos directores das escolas acabam agora nos tribunais. Que é o mesmo que dizer que, se o CITIUS deixar, daqui a largos meses ou anos o caso terá algum desfecho. Isto se entretanto não for arquivado. Não estou a dizer que se tal acontecer a justiça procedeu mal. Estou sim a frisar que não podemos ser uma sociedade em que o bem e o mal são definidos pelos tribunais. Em que não nos restam outras figuras de autoridade senão os juízes, os guardas prisionais e o fisco. Logo uma sociedade em que aquilo que não é judicialmente investigado não tem relevância moral ou social e em que se exige que os tribunais condenem a torto e a direito para assim se compensar o vazio deixado pelo relativismo dos valores e ausência de poderes intermédios.

E por fim mas não por último não podemos continuar a chamar sindicatos de professores ao conglomerado do senhor Nogueira, e Ministério da Educação a uma estrutura que vive de e para a burocracia dos seus funcionários."


aqui.

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