"Escola vem do
grego scholê, que significa ócio. Mas este ócio nada tem a ver com
preguiça. Do que se trata é do tempo livre para o exercício da liberdade
do pensar, do aprender e do tornar-se cidadão enquanto ser humano pleno
e íntegro, numa sociedade livre. Sempre pensei - uma das heranças do
meu pai - que a escola deve ser o lugar da saída da ignorância e da
opressão, em ordem ao progresso e à realização plena do ser humano.
Lugar de educação e formação.
A palavra educação vem do latim:
educare (alimentar) e educere (fazer sair, dar à luz, elevar). Cá está:
alimentar e fazer com que cada um/a venha à luz, realizando as suas
potencialidades, segundo o preceito paradoxal de Píndaro: "Homem,
torna-te no que és": o Homem já nasce Homem, mas tem de tornar-se
plenamente humano.
Aí está a razão da educação como o trabalho
mais humano e humanizador, de tal modo que o filósofo F. Savater pôde
justamente considerar os professores "a corporação mais necessária, mais
esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para
satisfazer as exigências de um Estado democrático". Porque o que é
próprio do Homem não é tanto aprender como "aprender de outros homens,
ser ensinado por eles".
Claro que, assim, sou a favor de uma
formação holística. O ser humano não pode crescer apenas no plano
científico e técnico: precisa também da estética, da ética, da
literatura, da filosofia, da música, da história, da geografia, da
religião... Mas julgo que o Português e a Matemática são fundamentais.
E
é aqui que se coloca a questão do Acordo Ortográfico. Para que serve?
Unificar a ortografia? São tantas as excepções que não se vê unificação!
E a Inglaterra preocupa-se com a unificação do inglês? E ainda não foi
ratificado por Angola e Moçambique. O jornal oficioso Jornal de Angola
escreveu mesmo, justificando a sua não aceitação: "não queremos destruir
essa preciosidade (a língua portuguesa) que herdámos inteira e sem
mácula" e: "se queremos que o português seja uma língua de trabalho na
ONU, devemos, antes de mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a
reboque do difícil comércio das palavras. Há coisas na vida que não
podem ser submetidas aos negócios".
A maior parte dos colunistas
bem como a generalidade dos jornais ignoram-no. Não há consenso para a
sua aplicação. Graça Moura suspendeu-a no Centro Cultural de Belém
(CCB). Nos documentos oficiais da própria CPLP continua a não ser
aplicado, passando-se o mesmo com a Academia das Ciências, a Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, a Fundação de Serralves, a Casa da
Música. Um juiz do Tribunal de Viana proibiu a sua utilização. O
secretário de Estado da Cultura admitiu que poderá ainda haver
ajustamentos. O filósofo José Gil classificou-o como "néscio e
grosseiro". O eurodeputado Paulo Rangel escreveu: "O gesto no CCB é o
início de um movimento, cada dia mais forte, de boicote cívico a uma
mudança ortográfica arrogante e inútil."
Sem querer pormenorizar
(o espectáculo é cada vez mais triste, pois já não tem espectadores, mas
"espetadores" e os egípcios são cidadãos do "Egito"; quando um aluno
escrever "a recessão do texto", para dizer "a recepção do texto", como
explicar-lhe que não é recessão, se é de recessão que constantemente
ouve falar?), considero-o isso mesmo: inútil. Que vantagens trouxe?
Assim, em tempos de crise, para quê gastar tanto dinheiro na sua
implementação? Afinal, quem lucrou, e muito, com ele?
Mas não é só
inútil. Veja-se esta antologia de escrita, colhida em trabalhos
académicos: "se vi-se-mos", "há-dem ver" (mas isto até ministros dizem),
"se nos entretermos", "o homem dasse a conhecer", "deve-se dizer não
há violência", "há-ja compreensão", "isso nada tem haver com o real", "à
muito que é assim", "tratam-se de questões complexas", "é assim; senão
vejamos"; "haviam imensos erros". Se é assim, sem o Acordo, o que vai
ser com a confusão em curso do Acordo? Ele não é, portanto, apenas
inútil: é prejudicial.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico."
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