no expresso diário...
"O NOME Charles Edouard Jeanneret-Gris, que resolveu chamar-se Le Corbusier, quando tinha 51 anos de idade FOTO HUDSON/TOPICAL PRESS AGENCY/GETTY IMAGES
TEXTO ANABELA NATÁRIO
OS DOIS MÚSICOS
Le Corbusier já tinha revolucionado a arquitetura com
os seus projetos, mas continuava com as suas pinturas, quando acabou por
ceder às solicitações e fazer um desenho para ser reproduzido numa
tapeçaria de Portalegre. A insistência fora de Guy Fino, responsável,
com o seu amigo e sócio Manuel Celestino Peixeiro, em 1946, por
recuperar a tradição dos tapetes de ponto de nó desta antiga cidade do
Alentejo, navegando na onda do movimento da tapeçaria moderna em França.
A mesma insistência já resultara com o pintor francês Jean Lurçat, que,
impressionado com a qualidade da manufatura, “assegurou encomendas que
deram à marca projeção internacional”, como conta Alexandre Pomar. Foi
nos anos 1960 que Corbusier pintou “Les Deux Musiciens” no cartão de
1,17 por 1,27 metros que seria ampliado e adaptado a esta técnica única
de tecelagem, considerada património cultural nacional. A encomenda
fê-la o arquiteto suíço, um ano antes de morrer afogado no mar
Mediterrâneo, a 27 de agosto de 1965, aos 78 anos. A sua ideia era
iniciar com “Os dois Músicos” uma série nesta arte mural. “O encontro
com Le Corbusier (1887-1965), grande praticante da tapeçaria como ‘mural
do nómada’ adaptado às condições da vida moderna, deu-se só em 1964 e a
morte veio gorar a colaboração anunciada por uma histórica peça única”,
refere Pomar no catálogo da exposição "Nós na Arte - Tapeçarias de
Portalegre e Arte Contemporânea", realizada em 2009, no Museu da
Presidência da República.
O MODULOR
Só 123 anos depois do nascimento de Charles Edouard
Jeanneret-Gris, a 6 de outubro de 1887, em La Chaux-de-Fonds, no cantão
suíço de Neuchâtel, é que um dos seus mais importantes textos aparece
traduzido em português. O “Modulor/Modulor 2” foi dado à estampa em
2010, traduzido por Marta Sequeira, na altura com 33 anos e o
doutoramento em Projectos Arquitetónicos. São dois volumes. No primeiro
“O Modulor”, originalmente publicado em 1950, o autor explica o seu
sistema de medidas, concebido entre 1943 e 1950. De uma forma
superficial digamos que, para conceber os seus trabalhos, tanto de
arquitetura como de pintura, Le Corbusier fixou a altura padrão do homem
em 1,83 metros, combinou-a com os números do matemático medieval
Fibonacci e as teorias da Grécia antiga, e daí apurou uma série de
proporções, em harmonia com o corpo humano e entre si, estabelecendo uma
ponte entre dois sistemas métricos: o sistema anglo-saxónico e o
métrico decimal. “Trata-se de uma fórmula de coerência a partir da qual é
possível gerar duas séries de medidas”, explicava na altura a editora
Orfeu Negro. O segundo volume, “Modulor 2”, publicado pela primeira vez
em 1955, analisa o impacto e as diferentes reações provocadas nos
leitores pelo livro anterior. “Tudo o que fica de acordo com o Modulor
sai certo… sai sempre proporcionado, sempre agradável”, confessava o
arquiteto Simões de Carvalho, que estagiou no ateliê do mestre, em
Paris. Outros seus escritos – “Os três estabelecimentos humanos” (1976),
“Por uma arquitetura” (1998), “Planejamento urbano” (1976) – foram
publicados no Brasil, país que visitou e com o qual teve uma relação
especial. A sua marca da “cidade radiosa”, reta, branca, preparara para
os “tempos modernos”, está bem patente em Brasília, obra de Oscar
Niemeyer que trabalhou com Corbusier, o homem que dizia fazer “máquinas
de habitar”.
ERICEIRA
Nesta antiga vila, cuja arquitetura nada tem que ver
com a defendida por Le Corbusier, a não ser a brancura das casas, terá
passado alguns dias de férias na casa do advogado José Esteves Barros.
Corbusier era amigo do irmão deste que era médico e vivia na Suíça, daí
que, pelos anos 1960, tenha vindo a Portugal passar alguns dias onde “o
mar é mais azul”. “São relações que se traçam fora da cultura
arquitetónica e sem repercussões nela”, afirmam os arquitetos e
professores Ana Vaz Milheiro e Jorge Nunes em “Le Corbusier e os
Portugueses”. O suíço que viveu a maior parte da sua vida em França
sempre viajou imenso. É célebre um dos seus passeios pelo mundo, quando
decidiu, definitivamente, enveredar pelo caminho da arquitetura. Em
“Voyage d’ Orient”, juntou as impressões que, ao longo de seis meses,
lhe causaram países como a Checoslóvaquia, Áustria, Hungria, Jugoslávia,
Roménia, Grécia, Turquia e Itália, por onde andou, depois de uma estada
na Alemanha, seis meses entre 1910 e 1911. “É comum a ideia de que
existe uma ‘rutura em relação à história’ na génese dos lugares públicos
das cidades de Le Corbusier e de que os seus espaços preconizam uma
separação entre o seu tempo e a experiência precedente”, diz Marta
Sequeira, cuja tese de doutoramento versou “A Cobertura da Unité
d’Habitation de Marselha e a Pergunta de Le Corbusier pelo Lugar
Público”. Para Marta, também arquiteta, Corbusier “não faz mais que
recriar a espacialidade grandiosa e pitoresca dos lugares públicos da
Antiguidade, os lugares de representação e glorificação do coletivo que
estiveram na origem da nossa cultura e que constituem o âmago da nossa
tradição: a praça pública grega e o fórum romano”.
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