Os manuais
de instruções da marca de mobiliário sueco são conhecidos pela simplicidade e
eficácia das indicações. O arquitecto português Tiago do Vale pensou em aplicar
essa técnica à projecção e construção de um edifício no Brasil.
24 de Abril
de 2019, 8:17
Montar uma
estante do IKEA é simples. Retiram-se as peças das caixas, preparam-se as
ferramentas e basta seguir as instruções. E se construir casas fosse
igual? No Nordeste do Brasil, Tiago do Vale desenhou um manual e prepara-se
para montar a Ånguera, passo a passo, com as várias peças que a região
oferece.
Em conversa
telefónica com o P3, o arquitecto português de 40 anos, autor do premiado
projecto Espigueiro-Pombal
do Cruzeiro,
fala de uma necessidade do local. Antes de iniciar o projecto, a equipa começou
inicialmente por “compreender as circunstâncias e condicionantes” em Anguera,
cidade da região brasileira de Sertão: “Havia uma limitação muito grande em
termos de materiais disponíveis, quer na quantidade, quer na variedade, e
também uma mão-de-obra que não estava habituada a ler projectos de
arquitectura”, descreve Tiago. Nos planos, as plantas e os cortes apresentam um
“grau de detalhe” que acaba por ser “difícil de interpretar”.
Desse modo,
o arquitecto procurou uma maneira “mais fácil de comunicar a leigos”,
nomeadamente através da perspectiva. A criação deste “manual de instruções tipo
IKEA” foi “um grande desafio” porque, neste caso, “rapidamente” percebeu que a
comunicação iria dar forma a toda a concepção do projecto: “Tudo o que
fizéssemos tinha que ser muito simples de explicar, tinha que ser executado em
poucos passos, tinha que ser descrito em poucas páginas.” As ferramentas
utilizadas, os métodos e as técnicas de construção estavam dependentes “da
capacidade de representar de forma simples”. “Processo, projecto, comunicação
tornaram-se tudo na mesma coisa.”
A interacção
entre os recursos locais e os planos veiculados no manual ditou o carácter
simples e pragmático do projecto Ånguera. “Havia uma motivação de construir
de forma simples, mas os materiais disponíveis também sugerem uma construção
simples.” Os blocos de cimento ou o cobogó – tijolo ventilado muito comum no
Brasil – serão os mais utilizados, também por questões de adaptação ao clima
local: “A casa deverá ter uma baixa inércia térmica [pouca massa] para não acumular
o calor que faz durante o dia e poder arrefecer rapidamente.” O “levantamento
simples” de paredes de bloco sobre bloco, “meramente” pintadas e sem outro
acabamento, e o traço geométrico da casa também marcam a simplicidade do
projecto.
As
instruções similares às utilizadas pela marca sueca acabaram por ser, assim, o
“fio condutor” de toda a projecção. “Retirou-nos muitas dúvidas e hesitações,
limitou muitas opções e acabou por simplificar o processo também”, diz o
arquitecto. Sintetizar a informação, resumir um “processo complexo a um ou dois
desenhos”, foi laborioso, mas Tiago
acredita que poderá vir a ser útil noutros projectos, em circunstâncias
semelhantes. “Com uma mão-de-obra menos habituada a ler projectos de
arquitectura, onde haja limitações na quantidade ou variedade de materiais, uma
abordagem de comunicação deste tipo simplifica todo o desenvolvimento da obra.”
A
casa, a construir em Anguera, deverá estar pronta em 2020. O edifício irá aproveitar
grande parte da estrutura de uma construção preexistente. O piso térreo será
aproveitado para comércio, enquanto o primeiro andar, que terá três quartos, se
destina a habitação.
in público em linha...
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