sábado, 29 de março de 2014

mais coisas da (des)educação.... 'ministério não faz a menor ideia do que se passa nas salas de aula'... no diário económico...!

"A socióloga Maria Filomena Mónica fala do seu trabalho para retratar a escola actual – no final, não resultou um, mas dois livros.

Mais de mil emails trocados com professores, alunos e uma mãe resultaram no novo livro de Maria Filomena Mónica. A autora aponta culpas a todos os ministros da pasta desde o 25 de Abril, que apenas se preocuparam em fazer boa figura nas estatísticas internacionais e "cometeram o erro de adoptar políticas cobardes, idiotas e ineficazes", escreve. Perante o estado a que o ensino chegou, defende que a indisciplina tem de ser punida e as escolas têm de ter mais autonomia em matérias como currículos e exames. Sobre o tema, a socióloga escreveu dois livros - num deles, publica os emails que lhe foram enviados pelas suas fontes.

O que se passa na sala de aula? O retrato é assim tão negro?
Eu já tinha ouvido dizer que a indisciplina era um problema grave, mas nunca pensei que pudesse ter chegado a este nível. Contudo, o factor mais importante para a degradação do ensino é a centralização do sistema, que leva os professores a passarem noite após noite a preencher formulários que os burocratas do ministério, sem que se perceba o objectivo, lhes enviam.

Por que é que decidiu escrever um livro sobre o ensino e as escolas?
Sentia que toda a gente perorava sobre os males da escola sem que soubesse o que se passava lá dentro. Há muito que me interesso sobre temas ligados à escola, em parte porque tive filhos e netos que frequentaram e frequentam o ensino público, em parte porque me doutorei em Sociologia da Educação. Pedi a oito professores e quatro alunas, para, sob pseudónimo, me enviarem um diário ao longo de um trimestre.

Na sua perspectiva, o que lhe parece urgente mudar nas salas de aula e nas escolas?
É difícil dizer o que é mais urgente. Muitos temas, os ‘curricula', os programas, os exames, ultrapassam a sala de aula, uma vez que são elaboradas no ministério, que promulga lei atrás de lei, sem fazer a menor ideia do que se passa no interior das salas de aula.

Acha que existe uma grande diferença entre as escolas públicas e as privadas?
Existem diferenças, especialmente no que diz respeito à gestão, que é mais autónoma nas privadas. Mas dentro dos dois sistemas, há escolas boas e más. A divisão não passa pelo público versus privado.

Pergunta-se, no início do livro, o que terá mudado desde que os seus filhos andaram na escola pública nos anos 70. Descobriu, afinal, o que mudou assim tanto?
Em 1970, muitas das crianças entre os 12 e os 18 anos já estavam a trabalhar. Os colegas dos meus filhos vinham quase todos da classe média e comportavam-se de acordo com as regras da tribo. Socialmente, as escolas eram homogéneas. Hoje, e felizmente, a escola recebe alunos de todos os estratos sociais. Ensinar era então fácil - hoje não o é. Para se ter uma ideia de como é actualmente composta uma turma da periferia, veja-se o 6º ano descrito pela docente Maria da Silva Rainha (pag. 35).

Aprende-se hoje menos do que nessa altura? Aprende-se melhor ou pior?
Se pensarmos em volume bruto, os quilos de aprendizagem cresceram, porque o número de alunos aumentou. Há mais gente a saber mais coisas. Mas a massificação levou, em muitos casos, à degradação. Não era inevitável, mas foi isso que aconteceu.

Os bons professores perdem-se no meio da burocracia ou faz toda a diferença na formação de um aluno o professor que lhe calha em sorte?
Esta pergunta não tem uma resposta, mas duas. Sim, os bons professores perdem-se no meio da burocracia. Sim, um bom professor é crucial na formação dos alunos. Sem bons professores, não há boas escolas. É tão simples quanto isto.

E como foi escrever este livro? 

Gostei tanto de fazer este trabalho que houve dias em que cheguei a casa, a correr, para ir ler no computador o que as diaristas, como lhes chamava, me tinham mandado. Ao lê-las, constatei que, não se não fosse a sua coragem, generosidade e sentido de humor, e não teriam sobrevivido à burocracia que todos os dias lhes caía em cima."



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