"O período pós-troika
De acordo com a leitura a que procedo dos poderes presidenciais inscritos na Constituição – e que sempre fiz questão de transmitir com clareza aos Portugueses –, considero que uma das principais funções do Presidente da República consiste em convocar a atenção dos agentes políticos, económicos e sociais, bem como de todos os cidadãos, para os grandes desígnios nacionais.
Neste contexto, a intervenção presidencial é realizada numa ótica muito distinta daquela em que se situa o debate público de todos os dias e, em particular, das controvérsias que marcam o quotidiano da luta político-partidária.
O exercício desta função presidencial obriga, naturalmente, a um uso muito prudente, criterioso e informado da palavra pública, requer distanciamento face às disputas e querelas do dia-a-dia, e exige imparcialidade e isenção no tratamento das diversas forças políticas, estejam no Governo ou na Oposição. Reclama, acima de tudo, uma visão temporal alargada, assente no estudo rigoroso e aprofundado das questões que efetivamente influenciam o presente e o futuro de todos os Portugueses.
Foi nessa perspetiva que, ao discursar na Assembleia da República, em 25 de abril de 2013, decidi introduzir o tema do “pós-troika” no debate público nacional.
Entendi que era tempo de alertar as várias forças políticas e todos os agentes económicos e sociais para a necessidade imperiosa de terem em conta a situação do País depois de maio de 2014, altura em que chegará ao fim o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro negociado, em maio de 2011, com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Haveria que debater e preparar atempadamente essa fase crucial da vida do País – o “pós-troika” –, em que Portugal deixará de contar com os empréstimos oficiais das instituições internacionais.
Com o mesmo propósito, reuni o Conselho de Estado em 20 de maio de 2013, tendo como ordem de trabalhos as “Perspetivas de Economia Portuguesa na fase do Pós-Troika, no quadro de uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada”. E, pouco depois, logo em 5 de junho, promovi um Encontro de Economistas sobre “Portugal no Período Pós-Troika”, onde estiveram presentes académicos das mais diversas escolas e orientações doutrinárias.
O “pós-troika” foi também tema central da minha visita às instituições europeias, ocorrida nesse mesmo mês de junho de 2013.
Na altura, como os Portugueses se recordam, algumas vozes, felizmente minoritárias e pouco credíveis, pretenderam sustentar que era meu propósito desviar as atenções dos cidadãos das dificuldades que o País atravessava, tendo chegado a afirmar-se que o “pós-troika” era uma realidade distante e longínqua, com a qual não nos deveríamos preocupar com tanta antecedência.
Na verdade, e como agora parece ser uma evidência, o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro chegará ao fim a breve trecho e, nessa altura, Portugal terá de dispor de credibilidade internacional e de instrumentos adequados para conseguir os meios indispensáveis ao financiamento do Estado e da economia. Caso contrário, a situação tenderá a ser idêntica, ou mesmo pior, àquela em que nos encontrávamos quando fomos obrigados a recorrer ao auxílio externo, realizado sob a forma de empréstimo das instituições internacionais.
O principal objetivo daquelas minhas iniciativas era apontar uma linha de rumo de futuro, no quadro das exigentes regras europeias de disciplina orçamental a que Portugal estará sujeito no período “pós-troika”, sublinhando a importância de um compromisso político de médio prazo. Havia que discutir, de uma forma serena e informada, colocando os interesses nacionais em primeiro lugar, as condições que o País deveria assegurar para poder enfrentar com sucesso os seus problemas de financiamento e retomar uma trajetória de crescimento económico, de criação de emprego e de melhoria efetiva das condições de vida dos Portugueses. Parecendo ser uma questão de futuro, o “pós-troika” constitui uma questão central do nosso presente. O futuro é agora.
Esta insistência produziu resultados e o período “pós-troika” tem vindo a ser tema de debate dos agentes políticos, económicos e sociais – embora nem sempre da forma objetiva que seria desejável – e são muitos os académicos e analistas que sobre ele se têm debruçado. De igual modo, o povo português tem vindo a ganhar consciência crescente de uma realidade suficientemente próxima para, devido à sua enorme relevância, merecer a maior atenção.
As novas regras europeias de disciplina orçamental
Os Portugueses devem ser esclarecidos e estar bem conscientes das novas regras europeias de disciplina orçamental, já que elas irão condicionar, de forma profunda, a vida nacional nos próximos anos.
Na verdade, para responder à crise financeira da Zona Euro, as regras de disciplina orçamental e de supervisão das políticas económicas a que estão sujeitos os Estados-membros da União Europeia foram significativamente reforçadas nos dois últimos anos, nas suas vertentes preventiva e corretiva.
Nesse sentido, foi aprovado o pacote normativo denominado “six-pack” (cinco regulamentos comunitários e uma diretiva), que entrou em vigor em dezembro de 2011, o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da UEM (Tratado Orçamental), que entrou em vigor em janeiro de 2013, e o denominado “two-pack” (dois regulamentos comunitários), que entrou em vigor em maio de 2013.
Significa isto que, no período “pós-troika”, Portugal, à semelhança dos outros Estados da Zona Euro, continuará sujeito a um acompanhamento rigoroso por parte das autoridades europeias, de modo a garantir o cumprimento das regras de equilíbrio orçamental e de sustentabilidade da dívida pública e a evitar desequilíbrios macroeconómicos.
No que se refere à política orçamental, os Estados da Zona Euro devem assegurar um défice das administrações públicas não superior a 3 por cento do PIB e um défice estrutural (défice orçamental corrigido das variações cíclicas e das medidas extraordinárias e temporárias) não superior a 0,5 por cento do PIB (1 por cento do PIB para os Estados-membros com um rácio da dívida pública significativamente inferior a 60 por cento do PIB).
Em caso de défice excessivo, o défice estrutural deve ser reduzido pelo menos 0,5 por cento do PIB em cada ano.
De acordo com as previsões oficiais, só em 2015 Portugal atingirá um défice orçamental inferior a 3 por cento do PIB, sendo que, em 2014, o défice estrutural deverá situar-se num valor ligeiramente superior a 2,5 por cento.
No caso de excesso de dívida pública, em relação ao valor de referência de 60 por cento do PIB, os Estados-membros deverão reduzi-la, na parte que excede aquela percentagem, ao ritmo médio de um vigésimo por ano.
O cumprimento desta regra por parte de Portugal apresenta-se bastante exigente, tendo em conta que se prevê que, em 2014, a dívida pública seja superior a 126 por cento do PIB.
Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB. Em 2014, prevê-se que o excedente primário atinja 0,3 por cento do PIB.
Acrescente-se ainda que, de acordo com os normativos comunitários, a partir do Orçamento para 2014 os Estados-membros submeterão as suas propostas de Orçamento, assim como o quadro macroeconómico em que se baseiam, à Comissão Europeia e ao Eurogrupo antes de serem submetidas aos respetivos parlamentos nacionais. A Comissão pode requerer a revisão das propostas de Orçamento se concluir que elas não respeitam os requisitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento e as recomendações adotadas pelo Conselho, no quadro do processo de planeamento da política económica e orçamental na União Europeia denominado “Semestre Europeu”.
Além da condicionalidade genérica que resulta dos tratados e regulamentos comunitários e que vincula todos os Estados-membros, existe uma condicionalidade específica que decorre da negociação dos países que enfrentam graves dificuldades de financiamento com os parceiros ou instituições que lhes providenciem assistência financeira.
É o caso de Portugal, nos termos do acordo negociado com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, em maio de 2011, para a obtenção de empréstimos no montante de 78 mil milhões de euros.
Assim, os países da Zona Euro que beneficiem de programas de assistência financeira, como é o nosso caso, estão sujeitos, nos termos do Regulamento 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, a uma supervisão económica e orçamental reforçada, como a que tem vindo a ser regularmente efetuada pela “troika”.
Depois de concluir os respetivos programas de ajustamento, estes países continuarão sujeitos a uma supervisão pós-programa até terem reembolsado pelo menos 75 por cento dos empréstimos que lhes foram concedidos pela União Europeia, período que pode ser prorrogado por decisão do Conselho, sob proposta da Comissão.
Face à extensão em sete anos do vencimento dos empréstimos concedidos a Portugal pela União Europeia (52 mil milhões, no final do programa de ajustamento), não se prevê que ocorram reembolsos antes de 2025 e que a percentagem de 75 por cento dos reembolsos seja atingida antes de 2035.
Resulta assim claro da legislação europeia que as condicionalidades, a supervisão e a monitorização constituem hoje uma constante na Zona Euro, sendo aliás especificamente reforçadas para os Estados que estejam sob assistência financeira ou em risco de a requererem.
Por isso, é uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental colocadas a Portugal irão desaparecer em meados de 2014, com o fim do atual programa de ajustamento económico e financeiro. Qualquer que seja o governo em funções, o escrutínio europeu reforçado das finanças públicas portuguesas, bem como a monitorização da política económica, vai prolongar-se muito para além da conclusão do atual programa de ajustamento.
Trata-se, desde logo, da consequência da aplicação das regras comunitárias de disciplina orçamental e de supervisão macroeconómica que obrigam todos os Estados da Zona Euro. Mas também resulta do excesso de dívida que acumulámos e da condicionalidade associada à eventual necessidade de recorrer a uma programa cautelar para assegurar, a taxas de juro comportáveis, o financiamento do Estado e da economia no período “pós-troika”.
Assim, e num horizonte temporal muito alargado, se Portugal se afastar de uma linha de rumo de sustentabilidade das finanças públicas, de controlo das contas externas e de estabilidade do sistema financeiro suportará, de forma inescapável, novos e pesados custos económicos e sociais.
O regresso ao mercado da dívida pública
O facto de um país sujeito a um programa de assistência financeira completar a sua execução com sucesso não dá, por si só, garantias de que consiga depois satisfazer plenamente as suas necessidades de financiamento, designadamente através da colocação de títulos da dívida pública no mercado.
Tendo em conta essa realidade, os Chefes de Estado e de Governo da Zona Euro, na sua Declaração de julho de 2011, reiterada em outubro do mesmo ano, firmaram o compromisso de “continuar a prestar apoio aos países sujeitos a programas até que recuperem o acesso ao mercado, desde que executem com êxito esses programas”.
Uma resposta a esse compromisso encontra-se no tratado que estabeleceu o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e que entrou em vigor em outubro de 2012.
Nos termos deste tratado, um país, no caso de antever dificuldades em garantir o normal acesso ao mercado de capitais para financiamento do Estado, a taxas de juro razoáveis, tem a possibilidade de recorrer ao MEE e, no quadro dos instrumentos de apoio nele previstos, contratar um programa cautelar de assistência financeira, sob a forma de uma linha de crédito por um ano, renovável por dois semestres. Trata-se de um apoio transitório, destinado a assegurar o acesso aos mercados em condições comportáveis, constituindo uma “rede de segurança” que pode ser utilizada caso surjam dificuldades na contratação de empréstimos e que, simultaneamente, dá aos mercados alguma garantia de que o país em causa seguirá políticas sustentáveis.
Em termos gerais, para um país que conclua com sucesso um programa de assistência financeira, é possível que um programa cautelar seja preferível a uma saída dita “à irlandesa”. Ficando inteiramente à mercê da volatilidade e das contingências típicas dos mercados, um país pode incorrer em custos de regressão elevados, sobretudo se as principais forças políticas não revelarem uma firme convicção no sentido de garantir, de forma concertada e a médio prazo, uma trajetória de sustentabilidade das finanças públicas e a prossecução de uma política de reformas para a melhoria da competitividade das empresas.
Um Estado que conclua com sucesso um programa de assistência tem toda a vantagem em apresentar-se perante os seus parceiros europeus e as instituições internacionais com uma estratégia orçamental credível para os anos seguintes, de modo a que, no exterior, exista a perceção clara de que os seus responsáveis políticos estão determinados a seguir um caminho de sustentabilidade das finanças públicas.
Nos termos das normas europeias, um programa cautelar está sujeito a uma condicionalidade específica, objeto de um Memorando de Entendimento negociado com a Comissão Europeia, em ligação com o Banco Central Europeu e com o Fundo Monetário Internacional. O conteúdo desse acordo e as obrigações daí decorrentes dependerão da avaliação que for feita do grau de dificuldade de acesso pleno aos mercados que o país em causa possa enfrentar.
A condicionalidade será certamente menos exigente se o país cumprir critérios como uma trajetória da dívida pública claramente sustentável, um défice público que respeite o Pacto de Estabilidade e Crescimento, contas externas equilibradas, um setor bancário sem problemas de solvência, um registo de acesso aos mercados financeiros internacionais a taxas razoáveis e perspetivas de estabilidade política. Isto é, se os fundamentos da situação económica e financeira do país se revelarem relativamente sólidos. Se assim não for, o Memorando de Entendimento incluirá, por certo, medidas destinadas a corrigir as debilidades detetadas.
Deve ainda ter-se presente que o país continuará sujeito a uma supervisão reforçada por parte da Comissão Europeia e a avaliações regulares do cumprimento das medidas acordadas que garantam uma trajetória de sustentabilidade das finanças públicas e a realização de reformas estruturais para aumento da competitividade.
Os títulos da dívida pública de um país da Zona Euro sujeito a um programa cautelar de assistência financeira do Mecanismo Europeu de Estabilidade podem ser elegíveis para aquisições no mercado secundário pelo Banco Central Europeu, nos termos da decisão do Conselho de Governadores de 6 de setembro de 2012, sobre a criação do programa “Transações Monetárias Diretas” (“Outright Monetary Transactions – OMT”). Trata-se de um contributo de maior importância para que um Estado regresse aos mercados a taxas de juro comportáveis. Além do mais, a intervenção do Banco Central Europeu no mercado secundário da dívida pública contribuirá para a melhoria do mecanismo de transmissão da política monetária no espaço da Zona Euro e para a redução dos custos de crédito para as empresas.
É à luz destes parâmetros, tantas vezes ignorados, que deve ser situada e analisada a situação portuguesa.
Ao longo de 2013, diversos agentes políticos, comentadores e analistas vaticinaram que Portugal não conseguiria evitar um segundo programa de assistência financeira. Esta hipótese foi, no entanto, afastada pelos resultados positivos da execução do Orçamento de 2013 e pelo regresso aos mercados em janeiro de 2014.
Agora, há que, evitando alaridos precipitados, acompanhar cuidadosamente a evolução dos mercados e da situação económica e financeira internacional e perscrutar o sentimento dos nossos parceiros europeus para, no momento adequado, tomar a melhor decisão quanto ao caminho a seguir: uma saída “à irlandesa” ou um programa cautelar.
O acesso da República Portuguesa aos mercados de financiamento externo dependerá do grau de confiança dos investidores na nossa capacidade para, no médio e longo prazo, reembolsarmos os empréstimos contraídos. O risco atribuído à dívida pública portuguesa será influenciado por uma multiplicidade de fatores, como o crescimento potencial da economia, o saldo da balança externa, o cumprimento das regras europeias de disciplina orçamental, a solidez do sistema financeiro, as perspetivas de estabilidade política e o grau de consenso entre as forças partidárias do arco da governabilidade quanto às orientações fundamentais da política económica.
No curto prazo, é provável que os mercados prestem especial atenção às avaliações da situação económica e financeira realizadas pela “troika”, pelas instituições internacionais, pelo Eurogrupo e por alguns dos nossos parceiros na Zona Euro, bem como à evolução da notação atribuída à dívida soberana portuguesa pelas agências de «rating».
O debate sobre o caminho a seguir deveria ser realizado com serenidade e com rigor, mantendo os Portugueses informados sobre as consequências de cada uma das opções em causa e que irão, de todo o modo, condicionar o nosso futuro muito para além do tempo de uma só legislatura. O que está em aberto é demasiado importante e duradouro para que possa ser usado como arma de arremesso nas querelas político-partidárias. Pelo contrário, o futuro de Portugal e dos Portugueses exige um elevado sentido de responsabilidade por parte dos diversos agentes políticos, económicos e sociais, bem como a informação e o esclarecimento da opinião pública, domínio em que os meios de comunicação social deveriam exercer um papel do maior relevo.
Os custos de um segundo resgate
Se, ao fim dos três anos do prazo do programa de assistência, a “troika” não fizesse uma avaliação positiva do cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal e se a República não conseguisse financiar-se no mercado externo de capitais a taxas de juro comportáveis, abria-se a possibilidade, ou mesmo a necessidade, de um segundo programa de assistência financeira (ou “segundo resgate”, como é geralmente designado), tal como aconteceu com a Grécia.
Um segundo resgate, cenário que desde o início deste ano se apresenta completamente excluído, seria bastante negativo, quer para Portugal quer para a União Europeia.
Como já afirmei aos Portugueses, nomeadamente na Mensagem de Ano Novo de 2014, um segundo resgate é muito diferente de um programa cautelar. Na situação frágil de ter falhado o cumprimento do Programa de Assistência Financeira, de estar excluído do acesso aos mercados e de necessitar de um novo empréstimo oficial para assegurar o financiamento do Estado, Portugal teria de enfrentar uma negociação particularmente difícil.
Tendo presente o que se verificou na Grécia, era provável que, para aceder a recurso financeiros adicionais, fosse imposta a Portugal uma condicionalidade económica e orçamental muito dura, que não envolveria, certamente, um nível de exigência e de austeridade inferior àquele que os Portugueses têm suportado nos últimos anos.
Deve recordar-se que um segundo resgate traria um complexo desafio político, económico e social à sociedade portuguesa. Em comparação com o cenário – que se afigura altamente provável – em que Portugal encerra com sucesso o programa de ajustamento, teríamos, certamente, uma deterioração da credibilidade e da imagem externa do País, do clima de confiança dos agentes económicos, da notação da dívida pública, do valor das empresas e dos ativos nacionais e das perspetivas futuras de estabilidade política. Os efeitos negativos far-se-iam sentir de forma intensa no bem-estar das famílias, nas exportações e no investimento e, consequentemente, no crescimento económico, no emprego e na situação social. O sistema financeiro seria colocado sob grande pressão e as condições de financiamento das empresas deteriorar-se-iam de forma muito significativa.
No plano externo, Portugal ficaria enfraquecido na sua capacidade de diálogo e de negociação, não só face aos seus parceiros europeus mas também perante os países da CPLP e outros Estados com os quais mantemos um intenso relacionamento económico e político, como os Estados Unidos da América ou a China.
Compreende-se, assim, que obter uma avaliação positiva no encerramento do Programa em vigor e evitar a negociação de um segundo programa de assistência financeira não podia deixar de constituir uma prioridade nacional. Nas atuais circunstâncias, só esse objetivo conseguiria abrir uma janela de esperança aos Portugueses, que tão duramente têm sido atingidos nas suas condições de vida.
Um segundo resgate a Portugal seria igualmente negativo para a Zona Euro como um todo. Representaria um fracasso das soluções impostas para corrigir os desequilíbrios dos países afetados por crises da dívida soberana, o que fragilizaria a União Europeia e as suas instituições, constituindo um revés para o próprio processo de integração europeia e favorecendo o emergir de forças populistas e extremistas dos mais variados quadrantes.
O crescimento económico
A disciplina orçamental e a supervisão da política económica por parte das instituições europeias irão ser uma constante da vida política portuguesa no período “pós-troika”.
No entanto, tal não significa – antes pelo contrário – que a economia não possa crescer e que não melhorem as condições de vida dos Portugueses.
O crescimento da economia terá uma influência significativa nas condições de regresso aos mercados financeiros internacionais e nas negociações de um eventual programa cautelar. De igual modo, será decisivo para que, no período “pós-troika”, se possa conciliar o respeito pelas regras europeias de equilíbrio orçamental e a redução do desemprego, o crescimento dos salários e das pensões, a melhoria da qualidade dos serviços públicos, como a educação e a saúde, e a resposta que ao Estado cabe dar no combate à pobreza e à exclusão social.
Através do efeito positivo nas receitas fiscais e na redução dos subsídios de desemprego e dos apoios sociais de emergência, o crescimento económico facilita o cumprimento das metas orçamentais e a convergência da dívida pública para o valor da referência de 60 por cento do PIB.
A execução do Programa de Assistência Económica e Financeira deixará, muito provavelmente, resultados favoráveis à recuperação económica, como a redução significativa do défice estrutural das contas públicas, o crescimento expressivo das exportações de bens e serviços, o equilíbrio das contas externas, o reforço da solidez do sistema bancário, o aumento da taxa de poupança privada e as reformas estruturais com impacto na competitividade das empresas, em particular as relacionadas com a legislação laboral, o sistema de justiça, as normas sobre concorrência, o arrendamento urbano e o trabalho portuário.
Contudo, a austeridade associada ao Programa de Assistência deixará também marcas que não favorecem o crescimento da economia. É o caso do elevado nível de desemprego, a debilidade da procura interna, o elevado e pouco competitivo nível de fiscalidade, uma distribuição da carga fiscal pouco equitativa, o enfraquecimento da classe média, a desmotivação dos funcionários e agentes da Administração Pública e os baixos níveis de confiança económica, social e política.
O período “pós-troika” deve assim ser marcado por um empenhamento ativo dos agentes políticos, económicos e sociais no relançamento da nossa economia.
Nesse sentido, o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção externa, a melhoria da competitividade das empresas e a conquista de novos mercados representam linhas de orientação estratégica que é fundamental prosseguir e consolidar.
Há que valorizar e estimular a iniciativa privada, o empreendedorismo, o papel das empresas e a sua ligação às universidades, a aposta no conhecimento, na inovação e na criatividade. Temos de favorecer o rejuvenescimento do tecido empresarial e a inserção dos jovens no mercado de trabalho, reconhecer e premiar o valor daqueles que têm mérito e incentivar a ação dos autarcas como promotores ativos do desenvolvimento local.
Há, igualmente, que garantir às empresas condições de financiamento competitivas com as suas congéneres europeias, assim como promover um clima de confiança e um ambiente de negócios favorável às decisões de investimento, algo que não depende apenas do contexto externo, mas também do comportamento dos atores políticos e financeiros nacionais.
Não menos importantes para o crescimento económico no período “pós-troika” são o aumento da eficiência da despesa pública e a competitividade, equidade e estabilidade do sistema fiscal. Quanto à distribuição dos sacrifícios, é essencial proceder à correção de injustiças acumuladas no período de execução do programa de ajustamento.
A boa utilização dos fundos europeus disponibilizados pelo Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 será decisiva para que o período “pós-troika” fique marcado pelo reencontrar de uma trajetória de convergência para o nível médio de desenvolvimento da União Europeia. A primeira prioridade de investimento deve centrar-se no setor dos bens e serviços transacionáveis.
Por outro lado, o diálogo e a concertação social entre os poderes públicos e os parceiros sociais devem ser reconhecidos como um fator de crescimento económico da maior relevância.
A situação económica e social de Portugal no período “pós-troika” dependerá também, em boa medida, do crescimento económico no espaço da União Europeia, destino de mais de 70 por cento das nossas exportações de bens e serviços, e das decisões adotadas pelas instituições europeias.
Como tive ocasião de sublinhar na intervenção que proferi no Parlamento Europeu, em junho do ano passado, a operacionalização de uma verdadeira União Bancária, incluindo não só o Mecanismo Único de Supervisão, mas também o Mecanismo Único de Resolução de crises bancárias e o Sistema Comum de Garantia de Depósitos, é essencial para separar o risco da dívida soberana do risco da dívida bancária, contribuindo para a aproximação dos custos do crédito das empresas portuguesas aos suportados pelas suas congéneres europeias. O mesmo acontece com um papel mais ativo do Banco Central Europeu, de modo a assegurar a integridade da política monetária europeia e repor o normal funcionamento dos mecanismos de transmissão monetária em toda a Zona Euro.
A situação portuguesa melhorará se a União Europeia for mais ativa e eficiente na promoção do crescimento económico e na criação de emprego, incluindo uma efetiva coordenação das políticas económicas dos Estados-membros. Aqueles que acumulam elevados excedentes externos devem ser incentivados a conduzir políticas mais expansionistas da procura interna.
Por outro lado, Portugal asseguraria uma posição mais forte em matéria de competitividade externa e de expansão do investimento caso se concretizassem os apoios financeiros europeus à realização das reformas estruturais e se pudesse contar com um regime de exceção às regras do mercado único que lhe permitisse conceder incentivos fiscais temporários ao investimento no setor dos bens transacionáveis, conducentes a um aumento efetivo e persistente do peso deste setor na nossa economia.
Um compromisso nacional de médio prazo
Perante os desafios que Portugal tem de enfrentar no período “pós-troika”, torna-se fundamental a existência de um compromisso de médio prazo entre as forças políticas comprometidas com o atual programa de assistência financeira. Esse entendimento deveria estender-se até ao final da próxima legislatura e incluir, pelo menos, um compromisso de estabilidade política e de governabilidade, de adoção de políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu, de controlo do endividamento externo, de reforço da competitividade da nossa economia e de estabilidade do sistema financeiro.
No fundo, o compromisso incidiria sobre aquelas medidas que, no quadro das dificuldades de financiamento que Portugal enfrenta e das regras europeias a que está sujeito, devem ser independentes do ciclo político-eleitoral. Um entendimento nacional de médio prazo não impede, de modo algum, a alternância política, nem visa pôr termo à diversidade programática e à pluralidade de ideias dos diversos partidos. Centrando-se em aspetos estruturais e consensuais às forças do arco da governação, visando cumprir regras que Portugal assumiu no quadro da sua participação no projeto europeu, um compromisso desta natureza não serve os interesses de um partido em detrimento de outro. Serve os interesses de todos os Portugueses.
Como afirmei no discurso que proferi na Assembleia da República, em 25 de abril de 2013, o País muito beneficiaria se os agentes políticos ganhassem consciência de que “deverão atuar num horizonte temporal mais amplo do que aquele que resulta dos calendários eleitorais”, porque “o futuro de Portugal implica uma estratégia de médio prazo que tenha em atenção os grandes desafios que iremos enfrentar mesmo depois de concluído o Programa de Assistência Financeira em vigor”.
O acordo deveria estender-se até ao fim da próxima legislatura, para que o Governo que resultar das eleições legislativas, seja qual for a sua composição, tenha assegurado à partida, e sem sobressaltos, o apoio parlamentar às medidas indispensáveis para a defesa dos superiores interesses nacionais no período “pós-troika”. As partes envolvidas na negociação de um tal acordo devem ter bem presente as normas europeias sobre disciplina, supervisão e monitorização das contas públicas que obrigam todos os Estados-membros e que os termos do acordo da recente coligação governativa alemã vieram reforçar.
Um consenso político alargado melhoraria significativamente as condições de negociação de um eventual programa cautelar, reforçaria as condições estruturais de governabilidade e credibilidade do País, seria uma mais-valia na defesa dos interesses nacionais no plano externo, reforçaria a confiança dos investidores e dos credores, dos mercados financeiros e das diversas instituições internacionais.
As medidas necessárias ao cumprimento das regras europeias de estabilidade económica e financeira seriam levadas à prática tendo em conta as sensibilidades específicas da sociedade portuguesa e seriam maiores os níveis de coesão e justiça social.
Consequentemente, poder-se-ia conseguir uma melhor conciliação entre a disciplina orçamental e o crescimento da economia e a criação de emprego, melhorar as condições de acesso aos mercados e de financiamento do Estado e da economia, alcançar maiores níveis de produtividade, de investimento e de exportação de bens e serviços, assegurar melhores salários e uma distribuição mais equitativa do rendimento.
Há muito que defendo que a execução do acordo de assistência financeira celebrado com as instituições internacionais e, mais ainda, a situação do País no “pós-troika” beneficiariam significativamente de um compromisso político alargado, envolvendo as forças partidárias que subscreveram o programa de ajustamento. Se essas forças foram capazes de chegar a acordo para se comprometerem em conjunto com um exigente Programa de Assistência Financeira, não deveria ser difícil alcançarem um compromisso para o período “pós-troika”, onde as necessidades de financiamento não serão tão prementes, mas os desafios de rigor orçamental e de crescimento da economia se revestem de grande complexidade.
Será que os nossos partidos só são capazes de se entender em situações de emergência? Se a resposta fosse afirmativa, teríamos de concluir que, quarenta anos após o 25 de abril, a cultura política portuguesa ainda não alcançou um grau de maturidade semelhante à dos países que connosco participam no projeto europeu. A nossa pertença à União Europeia implica o cumprimento de requisitos – desde logo, no plano orçamental e económico – que pressupõem uma cultura política consolidada e estruturada; no fundo, uma cultura política europeia. Caso contrário, existirá sempre uma distância insuperável entre as exigências da União e as condições políticas internas para as fazer cumprir.
Na ausência de uma cultura política de compromisso, Portugal terá mais dificuldades em acompanhar o ritmo de desenvolvimento da União Europeia, o crescimento e a criação de emprego serão adiados e podemos de novo ser confrontados com graves dificuldades de financiamento do Estado e da economia.
Em julho do ano passado, na sequência da crise política que então se desencadeou, surgiram circunstâncias particularmente propícias para que, publicamente, apelasse aos partidos políticos comprometidos com o Programa de Assistência Financeira para que encetassem negociações visando um acordo de médio prazo a que chamei “Compromisso de Salvação Nacional”. Fi-lo numa Comunicação ao País, em 10 de julho, em que especifiquei os pilares fundamentais em que deveria assentar esse compromisso. Tais pilares haviam sido cuidadosamente desenhados de modo a formar um conjunto equilibrado, em que cada uma das partes, na conjuntura política de então, encontrasse elementos que suscitassem o seu interesse em firmar um entendimento.
Face à informação de que dispunha e à reflexão ponderada a que procedi, não tinha a mínima dúvida de que a proposta que apresentei era a que melhor servia o superior interesse nacional. Daí o meu forte apelo para que fossem postos de lado interesses partidários conjunturais, indo ao encontro das necessidades reais dos Portugueses.
No dia 12 de julho, na sequência das reuniões que mantive com os líderes dos Partido Social Democrata, do Partido Socialista e do CDS-Partido Popular, foi possível emitir um comunicado informando os Portugueses da disponibilidade por eles revelada “para iniciarem, o mais brevemente possível, conversações com vista a um compromisso de salvação nacional que permita a conclusão, com sucesso, do Programa de Assistência Financeira e o regresso aos mercados, e que garanta a existência de condições de governabilidade, de sustentabilidade da dívida pública, de crescimento da economia e de criação de emprego”.
Durante seis dias, ocorreram reuniões entre as delegações dos três partidos tendo predominado um espírito de abertura à celebração de um acordo interpartidário que, inesperadamente, acabou por não se concretizar.
Não foi possível alcançar o acordo desejável, mas foi amplo o reconhecimento público da importância de um compromisso interpartidário em matérias determinantes para o nosso futuro coletivo e para a melhoria das condições de vida dos Portugueses.
Devemos acreditar que as sementes que então foram lançadas hão-de frutificar. Face aos benefícios que daí resultariam para todos os Portugueses, não podemos desistir.
Como afirmei na Comunicação ao País, em 10 de julho de 2013, é evidente que “os acordos não podem ser impostos aos partidos. Só terão consistência e solidez se contarem com a adesão voluntária, firme e responsável das forças políticas envolvidas”. Caso contrário, rapidamente emergem as divergências e as acusações recíprocas.
Portugal é um dos países europeus onde o diálogo e os entendimentos entre os partidos políticos têm sido mais difíceis, quando deveria ser precisamente o contrário. Impõe-se, por isso, uma ação de insistência continuada que leve os responsáveis partidários a mudar de atitude. Só através da pedagogia cívica do consenso será possível alcançar esse objetivo.
Daí a relevância de uma ação persistente de consciencialização dos cidadãos para a importância da cultura política do compromisso, evidenciando o quanto perdem na sua ausência. Daí a insistência com que tenho incluído o tema nas minhas intervenções.
O aumento do número de vozes que publicamente têm vindo a defender um entendimento de médio prazo entre as forças políticas é um sinal muito positivo. Para que o compromisso se torne possível, é essencial que a larga maioria dos Portugueses reconheça que ele é necessário e atue em conformidade.
Estou firmemente convicto de que os Portugueses preferem o compromisso ao conflito. Ao longo dos últimos anos, vivendo pesados sacrifícios, os nossos cidadãos revelaram um extraordinário sentido de responsabilidade. Agora, é chegado o tempo de as forças político-partidárias mostrarem que estão à altura desta exemplar atitude do povo português.
Aníbal Cavaco Silva"
Março de 2014
De acordo com a leitura a que procedo dos poderes presidenciais inscritos na Constituição – e que sempre fiz questão de transmitir com clareza aos Portugueses –, considero que uma das principais funções do Presidente da República consiste em convocar a atenção dos agentes políticos, económicos e sociais, bem como de todos os cidadãos, para os grandes desígnios nacionais.
Neste contexto, a intervenção presidencial é realizada numa ótica muito distinta daquela em que se situa o debate público de todos os dias e, em particular, das controvérsias que marcam o quotidiano da luta político-partidária.
O exercício desta função presidencial obriga, naturalmente, a um uso muito prudente, criterioso e informado da palavra pública, requer distanciamento face às disputas e querelas do dia-a-dia, e exige imparcialidade e isenção no tratamento das diversas forças políticas, estejam no Governo ou na Oposição. Reclama, acima de tudo, uma visão temporal alargada, assente no estudo rigoroso e aprofundado das questões que efetivamente influenciam o presente e o futuro de todos os Portugueses.
Foi nessa perspetiva que, ao discursar na Assembleia da República, em 25 de abril de 2013, decidi introduzir o tema do “pós-troika” no debate público nacional.
Entendi que era tempo de alertar as várias forças políticas e todos os agentes económicos e sociais para a necessidade imperiosa de terem em conta a situação do País depois de maio de 2014, altura em que chegará ao fim o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro negociado, em maio de 2011, com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Haveria que debater e preparar atempadamente essa fase crucial da vida do País – o “pós-troika” –, em que Portugal deixará de contar com os empréstimos oficiais das instituições internacionais.
Com o mesmo propósito, reuni o Conselho de Estado em 20 de maio de 2013, tendo como ordem de trabalhos as “Perspetivas de Economia Portuguesa na fase do Pós-Troika, no quadro de uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada”. E, pouco depois, logo em 5 de junho, promovi um Encontro de Economistas sobre “Portugal no Período Pós-Troika”, onde estiveram presentes académicos das mais diversas escolas e orientações doutrinárias.
O “pós-troika” foi também tema central da minha visita às instituições europeias, ocorrida nesse mesmo mês de junho de 2013.
Na altura, como os Portugueses se recordam, algumas vozes, felizmente minoritárias e pouco credíveis, pretenderam sustentar que era meu propósito desviar as atenções dos cidadãos das dificuldades que o País atravessava, tendo chegado a afirmar-se que o “pós-troika” era uma realidade distante e longínqua, com a qual não nos deveríamos preocupar com tanta antecedência.
Na verdade, e como agora parece ser uma evidência, o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro chegará ao fim a breve trecho e, nessa altura, Portugal terá de dispor de credibilidade internacional e de instrumentos adequados para conseguir os meios indispensáveis ao financiamento do Estado e da economia. Caso contrário, a situação tenderá a ser idêntica, ou mesmo pior, àquela em que nos encontrávamos quando fomos obrigados a recorrer ao auxílio externo, realizado sob a forma de empréstimo das instituições internacionais.
O principal objetivo daquelas minhas iniciativas era apontar uma linha de rumo de futuro, no quadro das exigentes regras europeias de disciplina orçamental a que Portugal estará sujeito no período “pós-troika”, sublinhando a importância de um compromisso político de médio prazo. Havia que discutir, de uma forma serena e informada, colocando os interesses nacionais em primeiro lugar, as condições que o País deveria assegurar para poder enfrentar com sucesso os seus problemas de financiamento e retomar uma trajetória de crescimento económico, de criação de emprego e de melhoria efetiva das condições de vida dos Portugueses. Parecendo ser uma questão de futuro, o “pós-troika” constitui uma questão central do nosso presente. O futuro é agora.
Esta insistência produziu resultados e o período “pós-troika” tem vindo a ser tema de debate dos agentes políticos, económicos e sociais – embora nem sempre da forma objetiva que seria desejável – e são muitos os académicos e analistas que sobre ele se têm debruçado. De igual modo, o povo português tem vindo a ganhar consciência crescente de uma realidade suficientemente próxima para, devido à sua enorme relevância, merecer a maior atenção.
As novas regras europeias de disciplina orçamental
Os Portugueses devem ser esclarecidos e estar bem conscientes das novas regras europeias de disciplina orçamental, já que elas irão condicionar, de forma profunda, a vida nacional nos próximos anos.
Na verdade, para responder à crise financeira da Zona Euro, as regras de disciplina orçamental e de supervisão das políticas económicas a que estão sujeitos os Estados-membros da União Europeia foram significativamente reforçadas nos dois últimos anos, nas suas vertentes preventiva e corretiva.
Nesse sentido, foi aprovado o pacote normativo denominado “six-pack” (cinco regulamentos comunitários e uma diretiva), que entrou em vigor em dezembro de 2011, o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da UEM (Tratado Orçamental), que entrou em vigor em janeiro de 2013, e o denominado “two-pack” (dois regulamentos comunitários), que entrou em vigor em maio de 2013.
Significa isto que, no período “pós-troika”, Portugal, à semelhança dos outros Estados da Zona Euro, continuará sujeito a um acompanhamento rigoroso por parte das autoridades europeias, de modo a garantir o cumprimento das regras de equilíbrio orçamental e de sustentabilidade da dívida pública e a evitar desequilíbrios macroeconómicos.
No que se refere à política orçamental, os Estados da Zona Euro devem assegurar um défice das administrações públicas não superior a 3 por cento do PIB e um défice estrutural (défice orçamental corrigido das variações cíclicas e das medidas extraordinárias e temporárias) não superior a 0,5 por cento do PIB (1 por cento do PIB para os Estados-membros com um rácio da dívida pública significativamente inferior a 60 por cento do PIB).
Em caso de défice excessivo, o défice estrutural deve ser reduzido pelo menos 0,5 por cento do PIB em cada ano.
De acordo com as previsões oficiais, só em 2015 Portugal atingirá um défice orçamental inferior a 3 por cento do PIB, sendo que, em 2014, o défice estrutural deverá situar-se num valor ligeiramente superior a 2,5 por cento.
No caso de excesso de dívida pública, em relação ao valor de referência de 60 por cento do PIB, os Estados-membros deverão reduzi-la, na parte que excede aquela percentagem, ao ritmo médio de um vigésimo por ano.
O cumprimento desta regra por parte de Portugal apresenta-se bastante exigente, tendo em conta que se prevê que, em 2014, a dívida pública seja superior a 126 por cento do PIB.
Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB. Em 2014, prevê-se que o excedente primário atinja 0,3 por cento do PIB.
Acrescente-se ainda que, de acordo com os normativos comunitários, a partir do Orçamento para 2014 os Estados-membros submeterão as suas propostas de Orçamento, assim como o quadro macroeconómico em que se baseiam, à Comissão Europeia e ao Eurogrupo antes de serem submetidas aos respetivos parlamentos nacionais. A Comissão pode requerer a revisão das propostas de Orçamento se concluir que elas não respeitam os requisitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento e as recomendações adotadas pelo Conselho, no quadro do processo de planeamento da política económica e orçamental na União Europeia denominado “Semestre Europeu”.
Além da condicionalidade genérica que resulta dos tratados e regulamentos comunitários e que vincula todos os Estados-membros, existe uma condicionalidade específica que decorre da negociação dos países que enfrentam graves dificuldades de financiamento com os parceiros ou instituições que lhes providenciem assistência financeira.
É o caso de Portugal, nos termos do acordo negociado com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, em maio de 2011, para a obtenção de empréstimos no montante de 78 mil milhões de euros.
Assim, os países da Zona Euro que beneficiem de programas de assistência financeira, como é o nosso caso, estão sujeitos, nos termos do Regulamento 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, a uma supervisão económica e orçamental reforçada, como a que tem vindo a ser regularmente efetuada pela “troika”.
Depois de concluir os respetivos programas de ajustamento, estes países continuarão sujeitos a uma supervisão pós-programa até terem reembolsado pelo menos 75 por cento dos empréstimos que lhes foram concedidos pela União Europeia, período que pode ser prorrogado por decisão do Conselho, sob proposta da Comissão.
Face à extensão em sete anos do vencimento dos empréstimos concedidos a Portugal pela União Europeia (52 mil milhões, no final do programa de ajustamento), não se prevê que ocorram reembolsos antes de 2025 e que a percentagem de 75 por cento dos reembolsos seja atingida antes de 2035.
Resulta assim claro da legislação europeia que as condicionalidades, a supervisão e a monitorização constituem hoje uma constante na Zona Euro, sendo aliás especificamente reforçadas para os Estados que estejam sob assistência financeira ou em risco de a requererem.
Por isso, é uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental colocadas a Portugal irão desaparecer em meados de 2014, com o fim do atual programa de ajustamento económico e financeiro. Qualquer que seja o governo em funções, o escrutínio europeu reforçado das finanças públicas portuguesas, bem como a monitorização da política económica, vai prolongar-se muito para além da conclusão do atual programa de ajustamento.
Trata-se, desde logo, da consequência da aplicação das regras comunitárias de disciplina orçamental e de supervisão macroeconómica que obrigam todos os Estados da Zona Euro. Mas também resulta do excesso de dívida que acumulámos e da condicionalidade associada à eventual necessidade de recorrer a uma programa cautelar para assegurar, a taxas de juro comportáveis, o financiamento do Estado e da economia no período “pós-troika”.
Assim, e num horizonte temporal muito alargado, se Portugal se afastar de uma linha de rumo de sustentabilidade das finanças públicas, de controlo das contas externas e de estabilidade do sistema financeiro suportará, de forma inescapável, novos e pesados custos económicos e sociais.
O regresso ao mercado da dívida pública
O facto de um país sujeito a um programa de assistência financeira completar a sua execução com sucesso não dá, por si só, garantias de que consiga depois satisfazer plenamente as suas necessidades de financiamento, designadamente através da colocação de títulos da dívida pública no mercado.
Tendo em conta essa realidade, os Chefes de Estado e de Governo da Zona Euro, na sua Declaração de julho de 2011, reiterada em outubro do mesmo ano, firmaram o compromisso de “continuar a prestar apoio aos países sujeitos a programas até que recuperem o acesso ao mercado, desde que executem com êxito esses programas”.
Uma resposta a esse compromisso encontra-se no tratado que estabeleceu o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e que entrou em vigor em outubro de 2012.
Nos termos deste tratado, um país, no caso de antever dificuldades em garantir o normal acesso ao mercado de capitais para financiamento do Estado, a taxas de juro razoáveis, tem a possibilidade de recorrer ao MEE e, no quadro dos instrumentos de apoio nele previstos, contratar um programa cautelar de assistência financeira, sob a forma de uma linha de crédito por um ano, renovável por dois semestres. Trata-se de um apoio transitório, destinado a assegurar o acesso aos mercados em condições comportáveis, constituindo uma “rede de segurança” que pode ser utilizada caso surjam dificuldades na contratação de empréstimos e que, simultaneamente, dá aos mercados alguma garantia de que o país em causa seguirá políticas sustentáveis.
Em termos gerais, para um país que conclua com sucesso um programa de assistência financeira, é possível que um programa cautelar seja preferível a uma saída dita “à irlandesa”. Ficando inteiramente à mercê da volatilidade e das contingências típicas dos mercados, um país pode incorrer em custos de regressão elevados, sobretudo se as principais forças políticas não revelarem uma firme convicção no sentido de garantir, de forma concertada e a médio prazo, uma trajetória de sustentabilidade das finanças públicas e a prossecução de uma política de reformas para a melhoria da competitividade das empresas.
Um Estado que conclua com sucesso um programa de assistência tem toda a vantagem em apresentar-se perante os seus parceiros europeus e as instituições internacionais com uma estratégia orçamental credível para os anos seguintes, de modo a que, no exterior, exista a perceção clara de que os seus responsáveis políticos estão determinados a seguir um caminho de sustentabilidade das finanças públicas.
Nos termos das normas europeias, um programa cautelar está sujeito a uma condicionalidade específica, objeto de um Memorando de Entendimento negociado com a Comissão Europeia, em ligação com o Banco Central Europeu e com o Fundo Monetário Internacional. O conteúdo desse acordo e as obrigações daí decorrentes dependerão da avaliação que for feita do grau de dificuldade de acesso pleno aos mercados que o país em causa possa enfrentar.
A condicionalidade será certamente menos exigente se o país cumprir critérios como uma trajetória da dívida pública claramente sustentável, um défice público que respeite o Pacto de Estabilidade e Crescimento, contas externas equilibradas, um setor bancário sem problemas de solvência, um registo de acesso aos mercados financeiros internacionais a taxas razoáveis e perspetivas de estabilidade política. Isto é, se os fundamentos da situação económica e financeira do país se revelarem relativamente sólidos. Se assim não for, o Memorando de Entendimento incluirá, por certo, medidas destinadas a corrigir as debilidades detetadas.
Deve ainda ter-se presente que o país continuará sujeito a uma supervisão reforçada por parte da Comissão Europeia e a avaliações regulares do cumprimento das medidas acordadas que garantam uma trajetória de sustentabilidade das finanças públicas e a realização de reformas estruturais para aumento da competitividade.
Os títulos da dívida pública de um país da Zona Euro sujeito a um programa cautelar de assistência financeira do Mecanismo Europeu de Estabilidade podem ser elegíveis para aquisições no mercado secundário pelo Banco Central Europeu, nos termos da decisão do Conselho de Governadores de 6 de setembro de 2012, sobre a criação do programa “Transações Monetárias Diretas” (“Outright Monetary Transactions – OMT”). Trata-se de um contributo de maior importância para que um Estado regresse aos mercados a taxas de juro comportáveis. Além do mais, a intervenção do Banco Central Europeu no mercado secundário da dívida pública contribuirá para a melhoria do mecanismo de transmissão da política monetária no espaço da Zona Euro e para a redução dos custos de crédito para as empresas.
É à luz destes parâmetros, tantas vezes ignorados, que deve ser situada e analisada a situação portuguesa.
Ao longo de 2013, diversos agentes políticos, comentadores e analistas vaticinaram que Portugal não conseguiria evitar um segundo programa de assistência financeira. Esta hipótese foi, no entanto, afastada pelos resultados positivos da execução do Orçamento de 2013 e pelo regresso aos mercados em janeiro de 2014.
Agora, há que, evitando alaridos precipitados, acompanhar cuidadosamente a evolução dos mercados e da situação económica e financeira internacional e perscrutar o sentimento dos nossos parceiros europeus para, no momento adequado, tomar a melhor decisão quanto ao caminho a seguir: uma saída “à irlandesa” ou um programa cautelar.
O acesso da República Portuguesa aos mercados de financiamento externo dependerá do grau de confiança dos investidores na nossa capacidade para, no médio e longo prazo, reembolsarmos os empréstimos contraídos. O risco atribuído à dívida pública portuguesa será influenciado por uma multiplicidade de fatores, como o crescimento potencial da economia, o saldo da balança externa, o cumprimento das regras europeias de disciplina orçamental, a solidez do sistema financeiro, as perspetivas de estabilidade política e o grau de consenso entre as forças partidárias do arco da governabilidade quanto às orientações fundamentais da política económica.
No curto prazo, é provável que os mercados prestem especial atenção às avaliações da situação económica e financeira realizadas pela “troika”, pelas instituições internacionais, pelo Eurogrupo e por alguns dos nossos parceiros na Zona Euro, bem como à evolução da notação atribuída à dívida soberana portuguesa pelas agências de «rating».
O debate sobre o caminho a seguir deveria ser realizado com serenidade e com rigor, mantendo os Portugueses informados sobre as consequências de cada uma das opções em causa e que irão, de todo o modo, condicionar o nosso futuro muito para além do tempo de uma só legislatura. O que está em aberto é demasiado importante e duradouro para que possa ser usado como arma de arremesso nas querelas político-partidárias. Pelo contrário, o futuro de Portugal e dos Portugueses exige um elevado sentido de responsabilidade por parte dos diversos agentes políticos, económicos e sociais, bem como a informação e o esclarecimento da opinião pública, domínio em que os meios de comunicação social deveriam exercer um papel do maior relevo.
Os custos de um segundo resgate
Se, ao fim dos três anos do prazo do programa de assistência, a “troika” não fizesse uma avaliação positiva do cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal e se a República não conseguisse financiar-se no mercado externo de capitais a taxas de juro comportáveis, abria-se a possibilidade, ou mesmo a necessidade, de um segundo programa de assistência financeira (ou “segundo resgate”, como é geralmente designado), tal como aconteceu com a Grécia.
Um segundo resgate, cenário que desde o início deste ano se apresenta completamente excluído, seria bastante negativo, quer para Portugal quer para a União Europeia.
Como já afirmei aos Portugueses, nomeadamente na Mensagem de Ano Novo de 2014, um segundo resgate é muito diferente de um programa cautelar. Na situação frágil de ter falhado o cumprimento do Programa de Assistência Financeira, de estar excluído do acesso aos mercados e de necessitar de um novo empréstimo oficial para assegurar o financiamento do Estado, Portugal teria de enfrentar uma negociação particularmente difícil.
Tendo presente o que se verificou na Grécia, era provável que, para aceder a recurso financeiros adicionais, fosse imposta a Portugal uma condicionalidade económica e orçamental muito dura, que não envolveria, certamente, um nível de exigência e de austeridade inferior àquele que os Portugueses têm suportado nos últimos anos.
Deve recordar-se que um segundo resgate traria um complexo desafio político, económico e social à sociedade portuguesa. Em comparação com o cenário – que se afigura altamente provável – em que Portugal encerra com sucesso o programa de ajustamento, teríamos, certamente, uma deterioração da credibilidade e da imagem externa do País, do clima de confiança dos agentes económicos, da notação da dívida pública, do valor das empresas e dos ativos nacionais e das perspetivas futuras de estabilidade política. Os efeitos negativos far-se-iam sentir de forma intensa no bem-estar das famílias, nas exportações e no investimento e, consequentemente, no crescimento económico, no emprego e na situação social. O sistema financeiro seria colocado sob grande pressão e as condições de financiamento das empresas deteriorar-se-iam de forma muito significativa.
No plano externo, Portugal ficaria enfraquecido na sua capacidade de diálogo e de negociação, não só face aos seus parceiros europeus mas também perante os países da CPLP e outros Estados com os quais mantemos um intenso relacionamento económico e político, como os Estados Unidos da América ou a China.
Compreende-se, assim, que obter uma avaliação positiva no encerramento do Programa em vigor e evitar a negociação de um segundo programa de assistência financeira não podia deixar de constituir uma prioridade nacional. Nas atuais circunstâncias, só esse objetivo conseguiria abrir uma janela de esperança aos Portugueses, que tão duramente têm sido atingidos nas suas condições de vida.
Um segundo resgate a Portugal seria igualmente negativo para a Zona Euro como um todo. Representaria um fracasso das soluções impostas para corrigir os desequilíbrios dos países afetados por crises da dívida soberana, o que fragilizaria a União Europeia e as suas instituições, constituindo um revés para o próprio processo de integração europeia e favorecendo o emergir de forças populistas e extremistas dos mais variados quadrantes.
O crescimento económico
A disciplina orçamental e a supervisão da política económica por parte das instituições europeias irão ser uma constante da vida política portuguesa no período “pós-troika”.
No entanto, tal não significa – antes pelo contrário – que a economia não possa crescer e que não melhorem as condições de vida dos Portugueses.
O crescimento da economia terá uma influência significativa nas condições de regresso aos mercados financeiros internacionais e nas negociações de um eventual programa cautelar. De igual modo, será decisivo para que, no período “pós-troika”, se possa conciliar o respeito pelas regras europeias de equilíbrio orçamental e a redução do desemprego, o crescimento dos salários e das pensões, a melhoria da qualidade dos serviços públicos, como a educação e a saúde, e a resposta que ao Estado cabe dar no combate à pobreza e à exclusão social.
Através do efeito positivo nas receitas fiscais e na redução dos subsídios de desemprego e dos apoios sociais de emergência, o crescimento económico facilita o cumprimento das metas orçamentais e a convergência da dívida pública para o valor da referência de 60 por cento do PIB.
A execução do Programa de Assistência Económica e Financeira deixará, muito provavelmente, resultados favoráveis à recuperação económica, como a redução significativa do défice estrutural das contas públicas, o crescimento expressivo das exportações de bens e serviços, o equilíbrio das contas externas, o reforço da solidez do sistema bancário, o aumento da taxa de poupança privada e as reformas estruturais com impacto na competitividade das empresas, em particular as relacionadas com a legislação laboral, o sistema de justiça, as normas sobre concorrência, o arrendamento urbano e o trabalho portuário.
Contudo, a austeridade associada ao Programa de Assistência deixará também marcas que não favorecem o crescimento da economia. É o caso do elevado nível de desemprego, a debilidade da procura interna, o elevado e pouco competitivo nível de fiscalidade, uma distribuição da carga fiscal pouco equitativa, o enfraquecimento da classe média, a desmotivação dos funcionários e agentes da Administração Pública e os baixos níveis de confiança económica, social e política.
O período “pós-troika” deve assim ser marcado por um empenhamento ativo dos agentes políticos, económicos e sociais no relançamento da nossa economia.
Nesse sentido, o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção externa, a melhoria da competitividade das empresas e a conquista de novos mercados representam linhas de orientação estratégica que é fundamental prosseguir e consolidar.
Há que valorizar e estimular a iniciativa privada, o empreendedorismo, o papel das empresas e a sua ligação às universidades, a aposta no conhecimento, na inovação e na criatividade. Temos de favorecer o rejuvenescimento do tecido empresarial e a inserção dos jovens no mercado de trabalho, reconhecer e premiar o valor daqueles que têm mérito e incentivar a ação dos autarcas como promotores ativos do desenvolvimento local.
Há, igualmente, que garantir às empresas condições de financiamento competitivas com as suas congéneres europeias, assim como promover um clima de confiança e um ambiente de negócios favorável às decisões de investimento, algo que não depende apenas do contexto externo, mas também do comportamento dos atores políticos e financeiros nacionais.
Não menos importantes para o crescimento económico no período “pós-troika” são o aumento da eficiência da despesa pública e a competitividade, equidade e estabilidade do sistema fiscal. Quanto à distribuição dos sacrifícios, é essencial proceder à correção de injustiças acumuladas no período de execução do programa de ajustamento.
A boa utilização dos fundos europeus disponibilizados pelo Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 será decisiva para que o período “pós-troika” fique marcado pelo reencontrar de uma trajetória de convergência para o nível médio de desenvolvimento da União Europeia. A primeira prioridade de investimento deve centrar-se no setor dos bens e serviços transacionáveis.
Por outro lado, o diálogo e a concertação social entre os poderes públicos e os parceiros sociais devem ser reconhecidos como um fator de crescimento económico da maior relevância.
A situação económica e social de Portugal no período “pós-troika” dependerá também, em boa medida, do crescimento económico no espaço da União Europeia, destino de mais de 70 por cento das nossas exportações de bens e serviços, e das decisões adotadas pelas instituições europeias.
Como tive ocasião de sublinhar na intervenção que proferi no Parlamento Europeu, em junho do ano passado, a operacionalização de uma verdadeira União Bancária, incluindo não só o Mecanismo Único de Supervisão, mas também o Mecanismo Único de Resolução de crises bancárias e o Sistema Comum de Garantia de Depósitos, é essencial para separar o risco da dívida soberana do risco da dívida bancária, contribuindo para a aproximação dos custos do crédito das empresas portuguesas aos suportados pelas suas congéneres europeias. O mesmo acontece com um papel mais ativo do Banco Central Europeu, de modo a assegurar a integridade da política monetária europeia e repor o normal funcionamento dos mecanismos de transmissão monetária em toda a Zona Euro.
A situação portuguesa melhorará se a União Europeia for mais ativa e eficiente na promoção do crescimento económico e na criação de emprego, incluindo uma efetiva coordenação das políticas económicas dos Estados-membros. Aqueles que acumulam elevados excedentes externos devem ser incentivados a conduzir políticas mais expansionistas da procura interna.
Por outro lado, Portugal asseguraria uma posição mais forte em matéria de competitividade externa e de expansão do investimento caso se concretizassem os apoios financeiros europeus à realização das reformas estruturais e se pudesse contar com um regime de exceção às regras do mercado único que lhe permitisse conceder incentivos fiscais temporários ao investimento no setor dos bens transacionáveis, conducentes a um aumento efetivo e persistente do peso deste setor na nossa economia.
Um compromisso nacional de médio prazo
Perante os desafios que Portugal tem de enfrentar no período “pós-troika”, torna-se fundamental a existência de um compromisso de médio prazo entre as forças políticas comprometidas com o atual programa de assistência financeira. Esse entendimento deveria estender-se até ao final da próxima legislatura e incluir, pelo menos, um compromisso de estabilidade política e de governabilidade, de adoção de políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu, de controlo do endividamento externo, de reforço da competitividade da nossa economia e de estabilidade do sistema financeiro.
No fundo, o compromisso incidiria sobre aquelas medidas que, no quadro das dificuldades de financiamento que Portugal enfrenta e das regras europeias a que está sujeito, devem ser independentes do ciclo político-eleitoral. Um entendimento nacional de médio prazo não impede, de modo algum, a alternância política, nem visa pôr termo à diversidade programática e à pluralidade de ideias dos diversos partidos. Centrando-se em aspetos estruturais e consensuais às forças do arco da governação, visando cumprir regras que Portugal assumiu no quadro da sua participação no projeto europeu, um compromisso desta natureza não serve os interesses de um partido em detrimento de outro. Serve os interesses de todos os Portugueses.
Como afirmei no discurso que proferi na Assembleia da República, em 25 de abril de 2013, o País muito beneficiaria se os agentes políticos ganhassem consciência de que “deverão atuar num horizonte temporal mais amplo do que aquele que resulta dos calendários eleitorais”, porque “o futuro de Portugal implica uma estratégia de médio prazo que tenha em atenção os grandes desafios que iremos enfrentar mesmo depois de concluído o Programa de Assistência Financeira em vigor”.
O acordo deveria estender-se até ao fim da próxima legislatura, para que o Governo que resultar das eleições legislativas, seja qual for a sua composição, tenha assegurado à partida, e sem sobressaltos, o apoio parlamentar às medidas indispensáveis para a defesa dos superiores interesses nacionais no período “pós-troika”. As partes envolvidas na negociação de um tal acordo devem ter bem presente as normas europeias sobre disciplina, supervisão e monitorização das contas públicas que obrigam todos os Estados-membros e que os termos do acordo da recente coligação governativa alemã vieram reforçar.
Um consenso político alargado melhoraria significativamente as condições de negociação de um eventual programa cautelar, reforçaria as condições estruturais de governabilidade e credibilidade do País, seria uma mais-valia na defesa dos interesses nacionais no plano externo, reforçaria a confiança dos investidores e dos credores, dos mercados financeiros e das diversas instituições internacionais.
As medidas necessárias ao cumprimento das regras europeias de estabilidade económica e financeira seriam levadas à prática tendo em conta as sensibilidades específicas da sociedade portuguesa e seriam maiores os níveis de coesão e justiça social.
Consequentemente, poder-se-ia conseguir uma melhor conciliação entre a disciplina orçamental e o crescimento da economia e a criação de emprego, melhorar as condições de acesso aos mercados e de financiamento do Estado e da economia, alcançar maiores níveis de produtividade, de investimento e de exportação de bens e serviços, assegurar melhores salários e uma distribuição mais equitativa do rendimento.
Há muito que defendo que a execução do acordo de assistência financeira celebrado com as instituições internacionais e, mais ainda, a situação do País no “pós-troika” beneficiariam significativamente de um compromisso político alargado, envolvendo as forças partidárias que subscreveram o programa de ajustamento. Se essas forças foram capazes de chegar a acordo para se comprometerem em conjunto com um exigente Programa de Assistência Financeira, não deveria ser difícil alcançarem um compromisso para o período “pós-troika”, onde as necessidades de financiamento não serão tão prementes, mas os desafios de rigor orçamental e de crescimento da economia se revestem de grande complexidade.
Será que os nossos partidos só são capazes de se entender em situações de emergência? Se a resposta fosse afirmativa, teríamos de concluir que, quarenta anos após o 25 de abril, a cultura política portuguesa ainda não alcançou um grau de maturidade semelhante à dos países que connosco participam no projeto europeu. A nossa pertença à União Europeia implica o cumprimento de requisitos – desde logo, no plano orçamental e económico – que pressupõem uma cultura política consolidada e estruturada; no fundo, uma cultura política europeia. Caso contrário, existirá sempre uma distância insuperável entre as exigências da União e as condições políticas internas para as fazer cumprir.
Na ausência de uma cultura política de compromisso, Portugal terá mais dificuldades em acompanhar o ritmo de desenvolvimento da União Europeia, o crescimento e a criação de emprego serão adiados e podemos de novo ser confrontados com graves dificuldades de financiamento do Estado e da economia.
Em julho do ano passado, na sequência da crise política que então se desencadeou, surgiram circunstâncias particularmente propícias para que, publicamente, apelasse aos partidos políticos comprometidos com o Programa de Assistência Financeira para que encetassem negociações visando um acordo de médio prazo a que chamei “Compromisso de Salvação Nacional”. Fi-lo numa Comunicação ao País, em 10 de julho, em que especifiquei os pilares fundamentais em que deveria assentar esse compromisso. Tais pilares haviam sido cuidadosamente desenhados de modo a formar um conjunto equilibrado, em que cada uma das partes, na conjuntura política de então, encontrasse elementos que suscitassem o seu interesse em firmar um entendimento.
Face à informação de que dispunha e à reflexão ponderada a que procedi, não tinha a mínima dúvida de que a proposta que apresentei era a que melhor servia o superior interesse nacional. Daí o meu forte apelo para que fossem postos de lado interesses partidários conjunturais, indo ao encontro das necessidades reais dos Portugueses.
No dia 12 de julho, na sequência das reuniões que mantive com os líderes dos Partido Social Democrata, do Partido Socialista e do CDS-Partido Popular, foi possível emitir um comunicado informando os Portugueses da disponibilidade por eles revelada “para iniciarem, o mais brevemente possível, conversações com vista a um compromisso de salvação nacional que permita a conclusão, com sucesso, do Programa de Assistência Financeira e o regresso aos mercados, e que garanta a existência de condições de governabilidade, de sustentabilidade da dívida pública, de crescimento da economia e de criação de emprego”.
Durante seis dias, ocorreram reuniões entre as delegações dos três partidos tendo predominado um espírito de abertura à celebração de um acordo interpartidário que, inesperadamente, acabou por não se concretizar.
Não foi possível alcançar o acordo desejável, mas foi amplo o reconhecimento público da importância de um compromisso interpartidário em matérias determinantes para o nosso futuro coletivo e para a melhoria das condições de vida dos Portugueses.
Devemos acreditar que as sementes que então foram lançadas hão-de frutificar. Face aos benefícios que daí resultariam para todos os Portugueses, não podemos desistir.
Como afirmei na Comunicação ao País, em 10 de julho de 2013, é evidente que “os acordos não podem ser impostos aos partidos. Só terão consistência e solidez se contarem com a adesão voluntária, firme e responsável das forças políticas envolvidas”. Caso contrário, rapidamente emergem as divergências e as acusações recíprocas.
Portugal é um dos países europeus onde o diálogo e os entendimentos entre os partidos políticos têm sido mais difíceis, quando deveria ser precisamente o contrário. Impõe-se, por isso, uma ação de insistência continuada que leve os responsáveis partidários a mudar de atitude. Só através da pedagogia cívica do consenso será possível alcançar esse objetivo.
Daí a relevância de uma ação persistente de consciencialização dos cidadãos para a importância da cultura política do compromisso, evidenciando o quanto perdem na sua ausência. Daí a insistência com que tenho incluído o tema nas minhas intervenções.
O aumento do número de vozes que publicamente têm vindo a defender um entendimento de médio prazo entre as forças políticas é um sinal muito positivo. Para que o compromisso se torne possível, é essencial que a larga maioria dos Portugueses reconheça que ele é necessário e atue em conformidade.
Estou firmemente convicto de que os Portugueses preferem o compromisso ao conflito. Ao longo dos últimos anos, vivendo pesados sacrifícios, os nossos cidadãos revelaram um extraordinário sentido de responsabilidade. Agora, é chegado o tempo de as forças político-partidárias mostrarem que estão à altura desta exemplar atitude do povo português.
Aníbal Cavaco Silva"
Março de 2014
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