Crise grega? Prisão de José Sócrates? Queda de um avião nos Alpes? Luta pela liderança do PS? Ataque ao Charlie Hebdo? O mais recente iPhone? Jorge Jesus no Sporting? Desenganem-se. O texto do Observador mais partilhado e mais discutido nas redes sociais nestes 14 meses de existência foi publicado no domingo passado e é uma entrevista com um professor universitário. O que fez o seu sucesso e suscitou tanta controvérsia? O tema abordado: o grau de liberdade que os pais devem dar aos seus filhos. Os riscos que devem permitir que corram. E até onde deve ir o seu instinto protetor.
“Estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável”, uma entrevista de Rita Ferreira a Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, alguém que trabalha com crianças há mais de 40 anos, foi uma daquelas conversas que obrigam a pensar e repensar hábitos e comportamentos. Não a vou aqui fazer a sua síntese, pois merece ser lida de fio a pavio, apenas vos deixo dois pequenos aperitivos, duas frases retiradas da entrevista: “Os joelhos já não estão esfolados, mas a cabeça destas crianças já começa a estar esfolada, por não terem tempo nem condições para brincar livremente”; e “Brincar à luta é saudável. É um indicador de vida saudável das crianças. Como correr atrás de alguém, ou ser perseguido. Brincar é civilizar o corpo.” Há muito mais assim, desafiador. E, também, suficiente para me lembrar das vezes que “parti a cabeça”, como então se dizia, ou caí da bicicleta, ou da idade que tinha quando comecei a ir, em Lisboa, sozinho para a escola.
Talvez a época do ano permita a muitos pais estarem mais perto dos filhos, e ao mesmo tempo mais longe devido à extensão das férias escolares, mas calculo que esta altura seja boa para recordar alguns dos muitos trabalhos que, no Observador, fomos publicando nestes meses, sempre com enorme feedback por parte dos leitores. Assim poderá ler algum que lhe tenha escapado ou recordar argumentos e contra-argumentos. Eis um apanhado (pequeno) do que fomos fazendo com mais profundidade, em entrevistas ou em especiais:
“Os bons filhos são aqueles que nos trazem problemas”, uma entrevista de Ana Cristina Marques ao psicólogo Eduardo Sá onde ele avisa que "errar é aprender" e que as crianças não devem ser educadas para se tornarem "modelos normalizados";
“Não devemos ser escravos dos nossos filhos”, também uma entrevista, esta com o pediatra Mário Cordeiro, onde se discutiram temas relativos a como educar uma criança, da importância do amor ao papel dos castigos, passando pelo tempo que tanto pais como filhos devem reclamar para si.
Quantas vezes por semana devemos dar banho aos filhos?, uma pergunta porventura surpreendente a que João Miguel Tavares procurou responder para chegar à conclusão que, na verdade, se há algumas divergências, o consenso vai no sentido de ser melhor dar banho todos os dias. Ou seja, quando um pai quer fugir a esse dever, “a argumentação não pode ser: “Querida, dar tantos banhos está a fazer mal ao bebé!” Terá antes de ser: “Querida, dar tantos banhos ao bebé está a fazer-me mal!”…
Vacinar ou não vacinar as crianças? Vale a pena perguntar?, o que na verdade nem devia valer a pena, como apuraram a Vera Novais e a Ana Cristina Marques, que foram ouvir os argumentos dos dois lados – sim, há um lado anti-vacinação – para concluírem, citando Mário Jorge Santos: “Um mundo sem vacinas, é um mundo aterrorizador para crianças e jovens”. (sobre este tema fizemos também um Explica-me, Vacinar para quê?)
Publica fotos dos seus filhos nas redes sociais? Talvez não devesse, um trabalho muito prático e oportuno, que expõe os riscos, discute a ética (onde acaba a privacidade dos nossos filhos?) e se dão alguns conselhos.
Aos dois anos, a carne já não pode ser “chicha”, uma reportagem onde a Marlene Carriço nos diz que cada criança tem o seu ritmo, mas que o normal é as primeiras palavras surgirem por volta dos 12 meses. Sendo que os pais devem estimular o desenvolvimento e falar corretamente com os filhos desde muito cedo.
“A palmada e o castigo são a lei do menor esforço”, em que a Ana Cristina Marques entrevistou Magda Gomes Dias, uma defensora daquilo a que chama “Parentalidade Positiva”. Ou seja, de novo um texto controverso, onde se defende que o bom caminho é argumentar com os filhos.
Já Até quando devem os filhos dormir no quarto dos pais?, Não à mesada, sim à semanada! ou Até quando se deve amamentar? são mais alguns exemplos de textos com uma grande componente prática, realizados sempre com a ajuda de especialistas.
Finalmente, porventura num esforço para contribuirmos para uma maior natalidade, entrevistámos a terapeuta Constança Cordeiro Ferreira, “Estamos a exigir muito dos nossos bebés”, com dicas para ajudar os pais a compreenderem o recém-nascido que têm em casa, e tratámos temas mais incómodos, nomeadamente em Quando a maternidade não é assim tão cor-de-rosa, até porque, como se escrevia logo na entrada, “mães há muitas, sentido de humor nem por isso.”
Admito que, por esta altura, os leitores do Macroscópio já estejam um pouco cansados de tantas sugestões do Observador, o que não é regra neste espaço, como sabem. Ou então que nem todos sejam pais ou avós. Deixo-vos por isso mais algumas indicações de leitura, todas bem interessantes, profundas e em registos muito diferentes.
Começo por um texto da New York Review of Books que gostei particularmente de ler: What Is Wrong with the West’s Economies?, escrito por um Prémio Nobel da Economia, Edmund S. Phelps. O que gostei mais neste escrito foi a sua abordagem relativamente heterodoxa a um problema que aflige o mundo ocidental e que já aqui abordámos várias vezes. Phelps situa a chave do desenvolvimento na capacidade de inovação das sociedades e interroga-se porque falta ela em tantos países. Na sua opinião, um dos problemas está na forma como educamos os nossos filhos: ensinamos-lhes economia e gestão, engenharia ou medicina, mas não os ensinamos a serem criativos. E como é que poderíamos fazê-lo? Recorrendo, por exemplo, às Humanidades:
“It will also be essential that high schools and colleges expose students to the human values expressed in the masterpieces of Western literature, so that young people will want to seek economies offering imaginative and creative careers. Education systems must put students in touch with the humanities in order to fuel the human desire to conceive the new and perchance to achieve innovations. This reorientation of general education will have to be supported by a similar reorientation of economic education. We will all have to turn from the classical fixation on wealth accumulation and efficiency to a modern economics that places imagination and creativity at the center of economic life.”
Um bom contraponto a esta leitura, porque é uma visão bem mais optimista do futuro, é um outro trabalho que encontrei no Wall Street Journal: The Future of Work, Travel, Retirement and More. O que fez o jornal foi simples: pediu a especialistas que escrevessem sobre diferentes áreas, e eis algumas das suas indicações: How Single Millennials Will Change the Workplace; Why Employee Benefits Will Become Irrelevant; The Reactors That Will Revolutionize Nuclear Energy; Why Women’s Share of Wealth Will Grow; How the Internet of Things Will Transform Retirement; Five Ways the CFO Role Will Change; What Travel Could Be Like in the Future; The Secret to Not Letting a Machine Steal Your Job; The Many Ways Tech Will Revolutionize Financial Services; Why Future Oil Demand Could Be Very Low; Why I’m Pessimistic About the Future of Small Business ou A Letter From a Less-Hungry Future America. Eu sei que não há arte mais traiçoeira do que prever o futuro, pois até os visionários e os grandes inovadores se enganam (há pouco mais de 20 anos Bill Gates escreveu The Road Ahead onde defendia que o futuro pertenceria aos… CD Roms), mas é sempre interessante ler alguns textos que são, no mínimo, imaginativos, no máximo, certeiros.
A minha última sugestão de leitura de hoje é para uma investigação da New Yorker, que é também uma grande reportagem sobre a forma como El Chapo escapou da sua prisão no México. Em Underworld: How the Sinaloa drug cartel digs its tunnels ficamos quase com um doutoramento na arte de escavar túneis que cruzam fronteiras ou penetram bem até ao coração de prisões de alta segurança. É uma boa leitura para relaxar um pouco, mesmo sendo terrível a realidade que suporta estas redes, a do tráfico de droga. E digo isso porque nela se revela como o homem, mesmo o mais cruel e corrupto, pode ser inventivo para além de toda a nossa imaginação.
Espero ter-vos deixado sugestões suficientes por hoje, tenham ou não crianças por perto. Como sempre, descansem, leiam, e estejam de volta amanhã, que eu também estarei aqui de novo.
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