no observador...
"Inicia-se hoje a época de candidaturas ao ensino superior e, lendo os
jornais, a questão que ocupa o país é a da empregabilidade dos cursos.
Faz sentido esta obsessão nacional, que elevou a entrada no mercado de
trabalho como factor de aferição da qualidade dos cursos? Acho que não: a
empregabilidade é importante mas a forma excessiva como tem sido
valorizada pode tornar-se contraproducente nas escolhas dos jovens, por
quatro razões.
Primeiro, porque esta obsessão assenta no percepção errada de que,
hoje em dia, quando todo o cão e gato tem uma licenciatura, os jovens se
formam no ensino superior para permanecer desempregados. A verdade é
que os dados dizem algo completamente diferente: estudar no ensino
superior compensa sempre em termos de empregabilidade.
Veja-se que o
número de empregados com licenciatura sobe constantemente e que, até
durante o pico da crise (entre 2011 e 2014), aumentou o número de
licenciados empregados, enquanto diminuiu acentuadamente o emprego para a
população pouco qualificada (gráfico 1). Existe, obviamente, desemprego
entre os licenciados, mas sempre de duração mais curta e sempre em
taxas inferiores quando comparadas com a média nacional e com a
população menos escolarizada – em 2014, por exemplo, o desemprego entre
licenciados foi de 10% e a média nacional de 13,9%. Por fim, é
igualmente factual que, ao longo da vida, as remunerações de um
licenciado superam largamente as de quem, por exemplo, apenas completou o
9.º ano.
Naturalmente, diferentes áreas de formação oferecem diferentes
oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, e é por isso que a
empregabilidade é tão comparada entre cursos e que os jovens são tão
pressionados a escolher em função dessas comparações. Isso leva-me à
segunda razão pela qual essa pressão pode ser contraproducente: ela
restringe a liberdade de escolha dos jovens. Existem diversos factores
que, para além da empregabilidade, podem ser tidos em conta no momento
de escolher um curso superior – vocação para determinada área de
estudos, qualidade do corpo docente, parcerias institucionais das
universidades, perfil dos estudantes no curso, entre outros. Hoje, essa
informação está disponível (por exemplo, no portal InfoCursos) e
espera-se que, através dela, seja cada jovem candidato a decidir o que
mais valoriza e a escolher livre e conscientemente. Ou seja, não se tem
de fugir dos cursos de Letras só porque têm menor empregabilidade: quem
os quiser frequentar que o faça assumindo a responsabilidade de escolher
um caminho mais difícil, no qual os rendimentos e a empregabilidade são
geralmente mais baixos do que nas áreas científicas.
A terceira razão que me leva a considerar prejudicial esta
sobrevalorização da empregabilidade é que esse indicador dá falsas
garantias, pois está preso ao presente e nada diz sobre o futuro. À
velocidade que o mundo muda, é impossível antever quais serão os
desafios que enfrentaremos no futuro e que tipo de formação será mais
útil para lidar com eles. Como tal, há um elevado risco de a
empregabilidade presente ser má conselheira, porque gera expectativas de
empregabilidade futura que poderão não se concretizar. De facto, no
momento de escolher um curso, um jovem ainda tem vários anos pela frente
antes de se lançar no mercado de trabalho (sobretudo se prosseguir no
mestrado), e nada garante que os níveis de empregabilidade de um curso
se mantenham a médio e a longo prazo. De resto, um exemplo bastante
mediático dessa circunstância é o caso dos cursos de formação de
professores: em poucos anos, a necessidade de contratação de professores
por parte do Estado diminuiu significativamente, e a boa expectativa de
empregabilidade de quem se formou nesses cursos piorou na mesma
proporção.
Por fim, a quarta razão, que é a mais simples: a missão do ensino
superior é ensinar a pensar, a resolver problemas e a proporcionar
autonomia intelectual numa área de conhecimento – ou seja, por definição
não é um instrumento ao serviço do mercado de trabalho. Isto não impede
que as instituições de ensino ajudem na transição para o primeiro
emprego, quer apenas dizer que existem dezenas de cursos superiores que
não têm uma relação directa com uma profissão e que, no entanto, são
imprescindíveis – a filosofia é o exemplo mais óbvio. E são
imprescindíveis precisamente porque representam a essência do ensino
superior: quem aprende a pensar adquire também as ferramentas
intelectuais para estudar sozinho e satisfazer as exigências da sua vida
futura. Uma coisa é preparar para a vida activa (através de ferramentas
intelectuais) e outra é garantir entrada no mercado de trabalho – a
primeira está ligada ao ensino, a segunda não.
Concluo e esclareço, para que não me interpretem mal. Não estou a
dizer que a empregabilidade não é importante e que os jovens não devem
olhar para ela no momento das decisões. De resto, não vou ser eu a dizer
aos jovens para onde devem olhar – cada um, no exercício da sua
liberdade e em função do que mais valoriza, deverá fazer as suas
escolhas. O meu ponto é muito mais simples e directo: sobrevalorizar a
importância da empregabilidade no ensino superior é tentador no curto
prazo, mas pode trazer mais prejuízos do que benefícios. E, ironia, pode
até ser forma de acabar desempregado."
onde também podem ler os vários comentários... aqui.
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