"Em Portugal, a componente do currículo escolar designada por "Educação
para a cidadania" é composta por quinze áreas: além da Educação para os
Direitos Humanos, que se compreende perfeitamente que a integre,
contam-se a Educação Financeira, Rodoviária, Intercultural, do
Consumidor, para o Empreendedorismo, para a Defesa e Segurança Nacional,
para a Saúde e Sexualidade, para o Voluntariado, para a Igualdade de
Género, para o Desenvolvimento, para o Risco, para a Dimensão Europeia,
da Educação Ambiental e para a Sustentabilidade (ver aqui).
Em geral, têm sido entidades externas ao sistema de ensino formal a propô-las ao Ministério da Educação, que, certamente, depois de as ponderar, as acolhe e, por fim, as legitima. Algumas dessas entidades, pelos princípios que defendem e pela natureza das actividades que desenvolvem, denotam uma qualquer proximidade à educação, outras auto proclamam-na. De qualquer maneira, em ambos os casos, ainda que por razões diversas, todas elas manifestam a pretensão de ser reconhecidas como parceiros curriculares.
Não é regra, mas várias entidades têm concretizado as suas propostas nos diversos aspectos que elas admitem: produção de planos nacionais de intervenção, de referenciais de ensino (documentos que se podem considerar como programas e respectivas metas), de recursos (guiões, power-points…), de ferramentas de avaliação (grelhas e questionários…); apresentação de planos de formação de professores, sobretudo de formação contínua, e tudo o que é preciso para os levar a cabo; estabelecimento de parcerias e protocolos de colaboração; divulgação de “sítios” para consulta e apoio educativo e formativo; concepção de projectos e concursos, que conduzem a recompensas...
Enfim, tudo aquilo que se afigura necessário ao ensino, chegando, mesmo a disponibilizar "técnicos" ou "especialistas" para que, em contexto escolar ou fora dele, "ajudem" os professores nessa tarefa tão elogiada que é educar para a cidadania ou, até, os substituírem.
Desta maneira, as escolas e os professores a quem cabe escolher essas áreas - efectivamente, trata-se de áreas facultativas - poderão sentir-se tentados a optar por aquelas em que se disponibilize um "currículo total, nas palavras de João Formosinho, de tipo "uniforme pronto-a-vestir de tamanho único".
A "Educação financeira", a que tenho dado alguma atenção neste blogue (por exemplo, aqui, aqui e aqui) ilustra o que acabo de explicar. Da responsabilidade do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (constituído pelo Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Instituto de Seguros de Portugal), destina-se à Educação Pré-Escolar, ao Ensino Básico e ao Ensino Secundário, bem como à Educação e Formação de Adultos.
O grande ojectivo deste Conselho é empreender um "combate à iliteracia financeira", sob a alegação de que "o exercício pleno da cidadania passa irremediavelmente pela literacia financeira, pela capacidade de ler, analisar, gerir e comunicar sobre a condição financeira pessoal e a forma como esta afeta o bem-estar material". Isto é dito por um senhor que se apresenta como "bancário (Diretor de Banca de Empresas), licenciado em Economia e pós-graduado em Mercados de Capitais e Gestão de Carteira... e autor de um livro sobre a banca e as PME" (aqui).
(Como eu gostaria de falar assim, sem qualquer embaraço, sobre economia, a área dele, como ele fala de educação, a minha área!)
Passando por cima do pressuposto de que, à partida, todos, mais novos e mais velhos, são iletrados em matéria de economia e finanças, o que, por ser uma situação assemelhada a "pecado capital", exige a salvação por parte de quem é culto nessas matérias (apesar de as evidências nos fazerem desconfiar da erudição dos salvadores), situo-me na expressão "condição financeira pessoal".
Tudo concorre para que aqueles que forem objecto desta "cruzada" sejam levados a "estabelecer a diferença entre necessitar e querer" porque esta diferença é "matéria recorrente em qualquer ciclo de escolaridade" (ver aqui). Ao longo do tempo em que estiverem na escola (quinze, se contarmos com a Educação Pré-escolar), os alunos devem, portanto, a todo o momento, ser conduzidos a querer necessidade e a não querer querer.
Ora, já aqui um problema: a confusão (propositada?) entre "educação" (acção de ensino que, de modo explícito, prepara os alunos para exercerem, com liberdade e responsabilidade, o direito de escolher) e "doutrinamento" (acção interesseira de alguém que, de modo dissimulado, conduz os alunos a seguirem opções que, previamente, se determinou que seguissem).
A "condição financeira pessoal", é, exactamente, isso: pessoal. "Querer e necessitar" dizem respeito a cada um, solicitam o exercício do livre arbítrio. Evidentemente, com base em conhecimento substancial, fundamental, que a escola tem obrigação de assegurar.
Nessa conformidade, no quadro escolar não é legítimo conduzir-se, seja de que maneira for, os alunos (e os professores) a fazerem escolhas em função desta dualidade, tal como o leitor poderá ver operacionalizada aqui. E muito menos isso pode ser feito por uma entidade designada por Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, cuja preocupação com a educação, no sentido acima explicitado, não pode deixar de ser vista como muitíssimo duvidosa."
Em geral, têm sido entidades externas ao sistema de ensino formal a propô-las ao Ministério da Educação, que, certamente, depois de as ponderar, as acolhe e, por fim, as legitima. Algumas dessas entidades, pelos princípios que defendem e pela natureza das actividades que desenvolvem, denotam uma qualquer proximidade à educação, outras auto proclamam-na. De qualquer maneira, em ambos os casos, ainda que por razões diversas, todas elas manifestam a pretensão de ser reconhecidas como parceiros curriculares.
Não é regra, mas várias entidades têm concretizado as suas propostas nos diversos aspectos que elas admitem: produção de planos nacionais de intervenção, de referenciais de ensino (documentos que se podem considerar como programas e respectivas metas), de recursos (guiões, power-points…), de ferramentas de avaliação (grelhas e questionários…); apresentação de planos de formação de professores, sobretudo de formação contínua, e tudo o que é preciso para os levar a cabo; estabelecimento de parcerias e protocolos de colaboração; divulgação de “sítios” para consulta e apoio educativo e formativo; concepção de projectos e concursos, que conduzem a recompensas...
Enfim, tudo aquilo que se afigura necessário ao ensino, chegando, mesmo a disponibilizar "técnicos" ou "especialistas" para que, em contexto escolar ou fora dele, "ajudem" os professores nessa tarefa tão elogiada que é educar para a cidadania ou, até, os substituírem.
Desta maneira, as escolas e os professores a quem cabe escolher essas áreas - efectivamente, trata-se de áreas facultativas - poderão sentir-se tentados a optar por aquelas em que se disponibilize um "currículo total, nas palavras de João Formosinho, de tipo "uniforme pronto-a-vestir de tamanho único".
A "Educação financeira", a que tenho dado alguma atenção neste blogue (por exemplo, aqui, aqui e aqui) ilustra o que acabo de explicar. Da responsabilidade do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (constituído pelo Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Instituto de Seguros de Portugal), destina-se à Educação Pré-Escolar, ao Ensino Básico e ao Ensino Secundário, bem como à Educação e Formação de Adultos.
O grande ojectivo deste Conselho é empreender um "combate à iliteracia financeira", sob a alegação de que "o exercício pleno da cidadania passa irremediavelmente pela literacia financeira, pela capacidade de ler, analisar, gerir e comunicar sobre a condição financeira pessoal e a forma como esta afeta o bem-estar material". Isto é dito por um senhor que se apresenta como "bancário (Diretor de Banca de Empresas), licenciado em Economia e pós-graduado em Mercados de Capitais e Gestão de Carteira... e autor de um livro sobre a banca e as PME" (aqui).
(Como eu gostaria de falar assim, sem qualquer embaraço, sobre economia, a área dele, como ele fala de educação, a minha área!)
Passando por cima do pressuposto de que, à partida, todos, mais novos e mais velhos, são iletrados em matéria de economia e finanças, o que, por ser uma situação assemelhada a "pecado capital", exige a salvação por parte de quem é culto nessas matérias (apesar de as evidências nos fazerem desconfiar da erudição dos salvadores), situo-me na expressão "condição financeira pessoal".
Tudo concorre para que aqueles que forem objecto desta "cruzada" sejam levados a "estabelecer a diferença entre necessitar e querer" porque esta diferença é "matéria recorrente em qualquer ciclo de escolaridade" (ver aqui). Ao longo do tempo em que estiverem na escola (quinze, se contarmos com a Educação Pré-escolar), os alunos devem, portanto, a todo o momento, ser conduzidos a querer necessidade e a não querer querer.
Ora, já aqui um problema: a confusão (propositada?) entre "educação" (acção de ensino que, de modo explícito, prepara os alunos para exercerem, com liberdade e responsabilidade, o direito de escolher) e "doutrinamento" (acção interesseira de alguém que, de modo dissimulado, conduz os alunos a seguirem opções que, previamente, se determinou que seguissem).
A "condição financeira pessoal", é, exactamente, isso: pessoal. "Querer e necessitar" dizem respeito a cada um, solicitam o exercício do livre arbítrio. Evidentemente, com base em conhecimento substancial, fundamental, que a escola tem obrigação de assegurar.
Nessa conformidade, no quadro escolar não é legítimo conduzir-se, seja de que maneira for, os alunos (e os professores) a fazerem escolhas em função desta dualidade, tal como o leitor poderá ver operacionalizada aqui. E muito menos isso pode ser feito por uma entidade designada por Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, cuja preocupação com a educação, no sentido acima explicitado, não pode deixar de ser vista como muitíssimo duvidosa."
no de rerum natura...
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