"ORÇAMENTO
Governo não usa almofada orçamental para repor cortes
MAIS UMA POLÉMICA São mesmo dias de levantar os cabelos FOTO MARCOS BORGA
Manuela Ferreira Leite questionou por que razão o Governo não utiliza a folga orçamental de €900 milhões do Orçamento de Estado para pagar já em junho os salários com reposição de cortes. Em resposta ao Expresso, o Ministério das Finanças diz que as provisões não servem para pagar ordenados
TEXTO JOANA MADEIRA PEREIRA
Depois do Conselho de Ministros desta quinta-feira, Maria Luís Albuquerque admitiu que alguns trabalhadores do Estado só em julho devem receber os salários com a reposição dos cortes - apesar de o Tribunal Constitucional (TC) ter determinado que essa reposição deveria ocorrer já em junho.“Haverá muitos serviços que não dispõem de fundos suficientes no imediato”, garantiu a ministra das Finanças no briefing que se seguiu à reunião do conselho de ministros, que aprovou matérias como a nova contribuição de sustentabilidade, o aumento do IVA e a subida da taxa social única.
Horas depois, no seu espaço semanal de comentário na TVI24, Manuela Ferreira Leite questionou o paradeiro da provisão orçamental de várias centenas de milhões de euros existente no Orçamento do Estado para este ano. “O Orçamento para 2014 tinha uma reserva chamada ‘dotação provisional’: 570 e tal milhões de euros. Onde está esse dinheiro? Para onde foi? Onde está a ser aplicado? Não é para ter uma reserva? A dotação provisional é isso mesmo. A ministra das Finanças dizia que os serviços não têm dinheiro, mas ela pode fazer um despacho e tem delegação de competências para fazer um reforço dos ministérios, o que pode acontecer em 10 minutos.”
“Não sendo os salários (com ou sem cortes) considerados despesas imprevisíveis”, não haverá lugar à utilização das provisões para pagamento de ordenados, afirmam as Finanças
Segundo a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que analisou a execução orçamental dos primeiros quatro meses do ano, o Estado tinha, no final do último mês de abril, uma folga orçamental de €911 milhões: €533,5 milhões que constituem a chamada ‘dotação provisional’ e €377,1 milhões que compõem a reserva orçamental dos serviços.
Contactado pelo Expresso sobre o destino a dar à folga orçamental, o gabinete da ministra das Finanças remeteu simplesmente para a síntese da execução orçamental, publicada mensalmente. “Não temos mais nada a dizer. Uma dotação provisional constitui uma reserva orçamental para poder ser usada para compensar eventuais despesas imprevisíveis e inadiáveis, e a sua existência é um compromisso orçamental.” Perante pedidos de mais esclarecimentos, a mesma fonte afirma que “não sendo os salários (com ou sem cortes) considerados despesas imprevisíveis”, não haverá lugar à utilização das provisões para pagamento de ordenados.
ONDE ESTÃO AS RESERVAS? É a pergunta que Manuela Ferreira Leite faz, depois de a ministra das Finanças ter dito que há serviços do Estado que não vão conseguir repor cortes salariais já este mês FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO
Ferreira Leite vai pedir esclarecimentos à AR
A ex-líder do PSD não se conforma com a decisão de Maria Luís Albuquerque. Nem com a dramatização que o Governo está a fazer à volta dos “custos” deste chumbo do TC - e que levaram mesmo Pedro Passos Coelho a cancelar a viagem ao Mundial de Futebol do Brasil, que arranca na próxima semana. “Em vez de o primeiro-ministro não ir ao futebol, eu acho que ele devia dizer à ministra das Finanças que utilizasse as reservas que tem lá para tapar estas situações. Para onde é que ele foi? Não é para ter uma reserva? A dotação provisional é para isso mesmo”, afirmou a ex-ministra das Finanças.
Ferreira Leite admite pedir esclarecimentos à Assembleia da República a propósito desta matéria. “Há um ponto em relação ao qual não consigo conformar-me, que é não saber qual o destino daquele dinheiro. Se não houver nenhum esclarecimento público sobre essa matéria, eu própria farei um requerimento à Assembleia da República a pedir aos deputados que me esclareçam sobre essa matéria, porque eles são obrigados a responder”, garantiu.
No briefing após o conselho de ministros, Maria Luís Albuquerque reconheceu que parte dos serviços da função pública não vai poder pagar salários por inteiro já este mês. Devido aos “fundos inexistentes” em alguns serviços, mas também devido à necessidade de adaptar os atuais sistemas informáticos (o que só deve estar concluído em julho).
“Assim, haverá situações de serviços públicos que nos mês de junho irão já processar as remunerações sem cortes. E haverá outros que irão processar as remunerações com cortes”. A ministra das Finanças deixou a garantia que “em julho proceder-se-á aos acertos que tiverem de ser processados”.
Governo deve manter cortes da “era” de Sócrates
Por esclarecer está ainda a magnitude da reposição salarial que o Governo terá de fazer, depois de o TC ter chumbado os cortes salariais na função pública, que variavam entre 2,5% e 12%. Eram aplicados desde o início do ano a ordenados acima de €675 brutos.
Mas a hipótese mais viável - tendo em conta que o TC afirmou no acórdão que os cortes salariais desenhados pelo Governo de Sócrates eram “constitucionalmente admissíveis” - é a de que o Executivo de Passos Coelho recue até ao início de 2011, altura em que o Governo de Sócrates infligiu as primeiras reduções salariais aos trabalhadores do Estado. Ou seja, os salários acima dos €1.500 brutos terão cortes entre 3,5% e 10%."
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