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Por Cristina Peres
Jornalista de Internacional
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8 de Setembro de 2015 |
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Declarações, hesitações e urgências
Bom dia!
A grande novidade de hoje é José Sócrates ter prestado as primeiras declarações desde que se encontra em prisão domiciliária. Sócrates declarou ao JN estar do lado do Partido Socialista e do seu secretário-geral, António Costa. Veja aqui a notícia.
Porém, como a grande novidade de ontem terá certamente repercussões internacionais ao longo do dia de hoje, escolho desenvolver o tema: refugiados. O Presidente François Hollande declarou que França começaria já hoje voos de reconhecimento sobre os territórios ocupados pelo autodenominado Estado Islâmico na Síria, ao lado do Reino Unido, preparando-se para futuramente participar em ataques aéreos (o que já fazia no Iraque). O diário francês “Le Monde” é duro com Hollande, acusando-o de procurar protagonismo na cena internacional para compensar a sua baixa popularidade em casa. Pedro Santos Guerreiro analisa aqui o que significa “ataques aéreos” e a eficácia que podem não ter.
Para mais incendiar a região, esta madrugada, aviões turcos bombardearam territórios no sudoeste da Turquia ocupados pelo PKK. Ao que tudo indica, foi resposta olho-por-olho ao ataque dos rebeldes curdos, que clamam ter morto ontem 15 soldados turcos perto da fronteira do país com o Iraque.
Hoje é mais um dia para decisões, hesitações e urgências relativamente à crise dos refugiados. Centena de pessoas largaram logo de madrugada a pé em direção à Europa ocidental abandonando os centros onde estavam concentrados na Hungria. O nosso enviado voltou ao país e escreveu a sua primeira reportagem, que pode ler aqui. O João Santos Duarte está a cobrir os acontecimentos no país cujo primeiro-ministro declara que, dentro em pouco, recorrerá ao seu exército para defender as fronteiras e impedir os “migrantes” de entrar. Viktor Órban diz que todos os que tentam chegar à Europa ocidental usando a Hungria como passagem são “migrantes” e não “refugiados”. A Áustria, que tem estado a funcionar como corredor entre a Hungria e a Alemanha (além de ser país igualmente recetor de refugiados) anunciou que já partiu o último comboio especial e que os refugiados, a partir de hoje, usarão os comboios regulares para seguirem para ocidente. “Lentamente”, as medidas de emergência acordadas com a Alemanha começarão a ser suspensas, depois de o país ver entrar nas suas fronteiras 12 mil refugiados em apenas 48 horas, declarou Werner Faymann, o chanceler austríaco. Veja aqui quantos refugiados cabe acolher a cada um até aos números definitivos que sairão da cimeira da UE sobre o tema, agendada para 14 de setembro. Entretanto, dezenas de refugiados rumam pela primeira vez em direção à Suécia, ao mesmo tempo que, a rebentar pelas costuras, a ilha grega de Lesbos vê aumentar os confrontos.
A Alemanha já registou 413 mil entradas de refugiados desde janeiro, número que crescerá até dezembro para, pelo menos, 800 mil. A cifra, que deixa as contribuições dos outros países europeus a milhas, está a extremar as reações internas. Uma maioria de alemães está a aproveitar a ocasião para mostrar a sua solidariedade em simultâneo com uma minoria da extrema-direita, que mostra a sua garra. O susto dos xenófobos já se materializou em 340 ataques a centros de acolhimento de refugiados em território alemão desde o início do ano. Críticas e interrogações à parte, Berlim prepara-se para gastar dez mil milhões de euros com a integração destas centenas de milhares de refugiados. O ministro do Interior, Thomas de Mazière, declarou numa entrevista ao jornal “Die Zeit” “Temos de nos habituar à ideia de que o nosso país está a mudar”.
Esperava-se que, depois do destaque dado à morte de dois combatentes de nacionalidade britânica na Síria por um drone do Reino Unido, David Cameron adiantasse por fim o número de refugiados sírios que o país está disposto a acolher. Depois de garantir, na sexta-feira passada, que o país cumpriria as suas “obrigações morais”, Cameron anunciou que serão acolhidos 20 mil refugiados sírios ao longo dos próximos cinco anos. A crítica da oposição não se fará esperar e Londres será o palco de uma gigantesca manifestação pró-refugiados convocada para o próximo sábado.
OUTRAS NOTÍCIAS
“Duas propostas, um país”: um dia antes do debate dos debates, que vai pôr frente e frente os dois candidatos a primeiro-ministro da próxima legislatura, Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, vai hoje defrontar-se na SIC Notícias com o presidente do CDS-PP e vice-primeiro-ministro, Paulo Portas. É o segundo da série de debates iniciada há uma semana com a militante do BE e o secretário-geral da CDU, Jerónimo de Sousa. O duelo, amanhã, de Pedro Passos Coelho e António Costa, será transmitido pela pela primeira vez em simultâneo pelos três canais generalistas. Judite de Sousa (TVI), João Adelino Faria (RTP) e Clara de Sousa (SIC) entrevistam. O mais importante é o que se diz ou a convicção com que se diz o que se diz? Tem ainda umas largas horas pela frente para fundamentar as suas intuições. António Costa recusa-se já desde ontem a responder a perguntas sobre José Sócrates: “Por mim, o debate pode ser já”, declarou à SIC.
E José Sócrates? Hoje o JN traz as primeiras declarações públicas do ex-primeiro-ministro desde que se encontra em prisão domiciliária. Afirma-se ao lado do PS e do seu secretário-geral, António Costa. Sócrates vai votar? Onde? Sócrates já marcou a sua posição relativamente à campanha para as legislativas.
ADSE tem excedente de 200 milhões de euros devido ao aumento dos descontos dos trabalhadores e aposentados, diz a manchete de hoje do Público.
Por cá também continua a guerra contra a Uber. A ANTRAL promete não desarmar. Uma marcha lenta marcada para hoje promete rimar ao… empatar.
FRASES
“Há um tempo para tudo. Neste momento, o que mais importa é que todos aqueles que se batem por uma alternativa política de mudança saibam que estou do seu lado. Ao lado do PS, ao lado de António Costa, pela vitória eleitoral.”, José Sócrates ao JN
“Agradeço aos militantes e simpatizantes do PS o apoio e o companheirismo sem falhas que sempre me dispensaram e que tanto me sensibilizaram”, José Sócrates ao JN
“Os europeus estão a forçar uma mudança nas políticas dos seus governos amedrontados”, António Guterres, em entrevista ao Público.
O QUE ANDO A LER
Tenho passada as últimas semanas absorvida por reportagens, artigos, comentários e opinião sobre e atualidade e não poderia estar mais satisfeita com a aplicação Pocket. É o melhor e o mais organizado “bolso” que já tive para juntar (e organizar) artigos dispersos coligidos a partir de várias fontes e média. As sugestões hoje não são propriamente divertidas porque o tema é sério: refugiados. Entre os milhares de páginas escritas e horas de vídeo produzidas nestas semanas, algumas ajudam mesmo a construir um ponto de vista pessoal que não embarque no primeiro comboio rápido para as teorias apocalípticas. É o caso deste artigo do “Independent” que questiona os limites da xenofobia e da ignorância. É também o caso do texto que Kenneth Roth, o diretor executivo da organização não governamental de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, publicou no dia 3 de setembro intitulado The Refugee Crisis that Isn’t. Roth fala de números e, citando um estudo recente encomendado pela Comissão Europeia, põe a realidade em perspetiva provando que a presente avalanche, onda ou “invasão” de refugiados à Europa não passa de 0,68% da população de perto de 500 milhões de europeus. A partir de estatísticas, o professor Hans Rosling explica no Gapminder quantos dos sírios saíram do país desde o início do conflito e onde é que eles se encontram no mundo. Chega à conclusão de os que estão na Europa são menos de um quarto de milhão.
A pluralidade de pontos de vista é ampla e quem quiser compreender o fenómeno tem por onde. Pode ver aqui como é que os alemães se estão a envolver na receção dos 800 mil refugiados que o país vai acolher até ao final de 2015. Quem o explica ao “Spiegelonline” (em inglês) é o dirigente da agência de migrações da Alemanha, Manfred Schmidt.
Ainda a propósito de refugiados, e coincidindo com a passagem de 70 anos sobre o final da II Guerra Mundial, recomendo um livro extraordinário, ao qual regressei a propósito e de propósito. A prova que a guerra não acabou para toda a gente com a capitulação dos nacional-socialistas em 1945 está em Bloodlands, Europe between Hitler and Stalin, do historiador norte-americano Timothy Snyder. (Existe a tradução portuguesa: Terra Sangrenta - a Europa entre Hitler e Estaline. Edy Bertrand, 624 pág). Em doze anos, as políticas de massacre deliberadas e não relacionadas com o combate, dos regimes nazi e soviético mataram catorze milhões de pessoas, numa zona de morte, entre Berlim e Moscovo. Com o fim da guerra, as terras sangrentas ficaram atrás da Cortina de Ferro, mergulhadas em escuridão. Utilizando a literatura já existente e fontes primárias em todas as línguas relevantes, Snyder dedica especial atenção às fontes deixadas pelas vítimas: cartas para casa, bilhetes lançados de comboios, diários descobertos com os cadáveres. “Profusamente investigado, profundamente humano e absolutamente definitivo, Terra Sangrenta é de leitura obrigatória para todos os que procuram compreender a tragédia central da história moderna”, diz a sinopse do livro. Eu concordo.
Deixo-lhe aqui a crítica de Anne Applebaum, que sabe sobre o assunto como poucos, em “The New York Review of Books”.
Termino com os artigos 13º e 14º da Declaração Universal dos Direitos Humanos respeitantes à liberdade de locomoção e movimento dos indivíduos no mundo. A ideia de mobilidade vem do princípio da História e o Homem nunca esteve quieto. Em 1948 (depois daqueles milhões de mortos sobre os quais Snyder escreve e que acabei de lhe sugerir), houve quem se desse ao trabalho de consagrar esse movimento como um direito universal inalienável. É porque deve ser importante, não?
Por hoje é tudo.
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