segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

coisas da (des)educação (?)... a entrevista ao presidente do iave...!

deixo, à partida, uma questão que penso ser de uma pertinência actual:

porque é que a filosofia não é uma disciplina obrigatória, nomeadamente a partir do 3º ciclo?

nota-se que no meu tempo de estudante, no secundário, ela era mandatória...



no observador...


"Uma semana depois de serem conhecidos os resultados da segunda edição da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), Helder de Sousa, presidente do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), responsável pela elaboração da prova, diz que a grande virtude da prova é dar informação e obrigar todos a pensar em como melhorar.

Em entrevista ao Observador, Helder de Sousa lembra que a PACC, embora não certifique os docentes, permite perceber se os candidatos preenchem os requisitos mínimos essenciais a qualquer profissão qualificada. Quem não atinge os 50% demonstra “fragilidades significativas”, diz, explicando que “não é preciso saber matemática” para o fazer.

Há 25 anos ligado à avaliação, e formado em geografia, o presidente do IAVE lamenta que o sistema educativo esteja feito para “premiar a mediania” e apela a uma mudança da forma como a sociedade encara a avaliação. E admite que faria sentido ter uma componente de avaliação dos docentes na sala de aula, assim como fazer a prova logo que os candidatos saíssem do ensino superior.


O professor Helder de Sousa preside ao IAVE desde 2013. Antes disso já era diretor do antigo GAVE.

Um terço dos docentes que fizeram a segunda edição da PACC chumbaram. Pode-se daí concluir que são maus professores? Ou não se pode estabelecer esta ligação?
Não, não pode e eu acho que há muita especulação sobre a relação entre esta prova em particular e a ação docente. Esta prova faz parte de um conjunto de avaliações a que os professores são submetidos. Não é uma prova decisiva do ponto de vista daquilo que é a caracterização das funções docentes. Trata-se de uma prova de seleção para aceder à profissão e, como tal, não pode ser vista como um exame para certificar, esse é outro equívoco.

Então também não é garantido que quem passa nesta prova seja bom professor.
Não. Quem passa nesta prova não é garantido que seja bom. Quem passa nesta prova não é garantido que não dê erros, porque pode dar erros e passar na mesma. E quem não passa não significa que não seja muito bom professor. Significa isto sim que quem passa reúne requisitos mínimos para aceder à profissão.

Mesmo assim esta prova impede os professores que chumbam de dar aulas.
Impede-os de continuar a dar aulas transitoriamente, não erradica as pessoas da carreira. É bom perceber-se que é prática comum em termos internacionais as profissões qualificadas requererem dos seus candidatos um perfil que tem aspetos vertidos nesta prova. A leitura, a interpretação da leitura, a escrita, o raciocínio lógico, as inferências a partir da leitura ou de outros elementos que se consultem são reconhecidos como aspetos essenciais para a docência. Portanto ultrapassar esta barreira é um dado importante.

"Há uma margem de erro muito grande entre o poder ter 100% e poder ter 50%. O que significa que para reprovar é preciso haver fragilidades significativas ao nível daqueles aspetos: capacidade de ler, de escrever, de pensar" 
 
Mas não será injusto que um professor que já deu mostras que é um bom professor dentro da sala de aula e que sabe ensinar fique inibido de dar aulas no ano seguinte por reprovar nesta prova?
Em primeiro lugar não temos um sistema de avaliação que seja de tal maneira perfeito que nos garanta aquilo que é afirmado, e esse é também “um calcanhar de Aquiles” do nosso sistema. As pessoas podem já ter dado aulas e ter sido avaliadas, mas muito dificilmente foram avaliadas em contexto, dentro da sala de aula, e dificilmente houve uma validação efetiva de que eles são bons professores quer do ponto de vista pedagógico, quer do ponto de vista científico. A validade do sistema de avaliação que existe também pode ser muito criticada porque não é feita in loco, na sala de aula. E faria todo o sentido que fosse obrigatório.

Por outro lado quando estamos a falar desta prova é preciso perceber que entre a classificação máxima e a classificação que impede um candidato de ser professor naquele ano há um fosso muito grande. Há uma margem de erro muito grande entre o poder ter 100% e poder ter 50%. O que significa que para estar abaixo desta linha de corte, e reprovar, é preciso haver fragilidades significativas ao nível daqueles aspetos: capacidade de ler, de escrever, de pensar. Eu percebo que de facto será sempre muito desagradável haver um impedimento transitório para se aceder à carreira mas mais uma vez estamos a falar de um impedimento que no fundo vale tanto tempo quanto a nova edição da prova.

Como é que os professores chegam a esta fase da sua vida profissional a dar erros ortográficos básicos, como não saberem quando devem usar o a com h ou o c cedilhado?
É um problema sistémico. Tem a ver com o facto de ao logo de toda a vida escolar das pessoas haver no sistema educativo, no básico e no secundário, algum controlo sobre os erros mas ninguém ser impedido de terminar a escolaridade por dar erros. Em todo o caso é importante focar que esta prova, mais do que a controvérsia que tem gerado, tem uma virtude que é a de pela primeira vez em Portugal desta forma mais aberta estarmos a falar sobre estes problemas. Mais do que a questão da retenção destes professores é importante perceber que a prova em si serve para dar informação. E todo o sistema, tanto o ensino não universitário como o universitário, tem de prestar atenção a estes aspetos.

Têm que existir critérios que permitam monitorizar estes aspetos ao longo da formação dos professores e não só. Porque esta prova pode ser aplicada a qualquer grupo de profissionais, desde que sejam qualificados. Aliás, um aluno a partir da adolescência já com alguma consciência daquilo que é o pensamento lógico, eventualmente do ensino secundário, conseguirá responder a uma grande parte dos itens.

"A classe docente quer considerar-se à parte destas exigências, que são comuns às profissões mais qualificadas? É que se quer, de certa forma pode ser até uma forma de desqualificação" 
 
E esse é precisamente um dos aspetos que os professores têm criticado: que esta prova podia ser feita por qualquer um e que não permite por isso avaliar as competências específicas desta profissão.
Mas aí eu coloco o problema ao contrário: a classe docente quer considerar-se à parte destas exigências, que são comuns às profissões mais qualificadas? É que se quer, de certa forma pode ser até uma forma de desqualificação. Ora, não me parece que nenhum professor entenda a sua classe como uma classe que se queira desqualificar. Há é uma discordância de fundo relativamente ao momento em que a prova deve ser feita, se nesta fase, se à saída da universidade.

E até antes da universidade. Há instituições do Ensino Superior que defendem isso…
Eu diria que globalmente faz todo o sentido, mas é preciso ver que se agora se começasse a intervir a esse nível significava que todos estes professores até que essas medidas estivessem no terreno – e que poderia demorar cinco, seis ou sete anos -, continuariam no sistema. O que estamos aqui a fazer é a elevar a qualidade. Naturalmente não estamos a controlar a formação científica inicial.

Mas, por exemplo, um professor do secundário da área das humanidades, de filosofia por exemplo, pode não ter matemática desde o 9º ano…
E então? Esta prova tem raciocínio lógico e resolução de problemas não matemáticos. O problema aqui é as pessoas acharem que para a resolução de algumas questões é preciso saber matemática. Não é verdade. Nalguns casos podem ser resolvidas seguindo um processo matemático, mas são todas elas resolúveis sem recorrer à matemática. Basta ter pensamento lógico. E repare a lógica é um elemento essencial da filosofia e a filosofia é talvez se quisermos o elemento de charneira entre a área das ciências e a das humanidades e se é de charneira é porque ela é talvez tão importante para um lado como para o outro.

Há uma discordância de fundo relativamente a que a prova dos professores deva conter estes elementos, mas a verdade é que estes elementos estão previstos na Lei desde 2007. E é verdade outra coisa: a nível internacional as provas de avaliação de seleção de docentes, como de outras profissões, têm este perfil.

Há alguma semelhante a esta?
As provas são semelhantes, não há aqui nenhuma invenção. Agora os modelos são todos diferentes. As provas normalmente têm uma componente comum e outra específica, mas desconheço em pormenor se são classificadas separadamente. Sei, por exemplo, que as linhas de corte entre o ser aprovado e não aprovado são variadas. Nuns casos são mais exigentes, noutros menos.

Voltando ligeiramente atrás, há pouco disse que ninguém fica retido por dar erros. Isso talvez seja um problema, ou pelo menos deveria haver uma maior atenção aos erros, não concorda?
Devia, mas se nós focalizarmos todo o ensino nesse aspeto, se considerarmos que quem não dá erros não pode transitar de ano, bom então tínhamos o sistema completamente entupido.

"Nós temos um sistema que também não ajuda muito os alunos a irem melhorando ao longo do seu percurso académico. O sistema está muito feito de maneira a premiar a mediania. Há pouca cultura da perfeição" 
 
Mas também não faz sentido ir passando um aluno que dá erros ortográficos básicos e que evidencia graves falhas no raciocínio lógico, certo? O que se pode então fazer?
Aquilo que tem sido defendido é que o trabalho sobretudo ao nível da leitura e da escrita começa no 1.º ciclo. No 1.º ciclo tem de haver uma preocupação muito grande em criar os mecanismos que conduzam não direi à perfeição, mas a uma escrita correta. E isso deve ser passado ao longo do sistema. Nós temos um sistema que também não ajuda muito os alunos a irem melhorando ao longo do seu percurso académico. O sistema está muito feito de maneira a premiar a mediania. Há pouca cultura da perfeição. Há muito enfoque no resultado e mal se chega àquele resultado mínimo para passar parece que os grandes problemas da aprendizagem ficaram resolvidos. E não ficaram. Quando se começa já no final do 1.º ou do 2.º ciclos a evidenciar algumas dificuldades muito dificilmente há uma inversão desta tendência. E aí tem de facto de haver um foco muito grande.

A escola tem de ser mais exigente?
O primeiro passo é perceber que existem problemas a este nível e que precisam de ser corrigidos. E não podemos dizer que as várias instituições mesmo as do superior podem olhar para o lado. Não podem. Cada professor que lê um trabalho de um aluno, seja em que nível de escolaridade for, inclusive no superior, não pode desresponsabilizar-se de corrigir os erros ou de pelo menos assinalá-los. Isto ao nível da ortografia. Ao nível do raciocínio é importante quando os alunos são avaliados que tenham a perceção de que há perguntas mais simples e outras mais difíceis que implicam raciocínio. Mas como temos uma sociedade em que ficamos confortáveis, quer as famílias, quer os alunos, com um resultado mediano, estamos automaticamente a assumir que as operações mentais mais sofisticadas e mais complexas não são precisas, quando na verdade a parte do raciocínio é fundamental e não só para ensinar.

E não concordo que se associe esta questão do raciocínio lógico à matemática porque se eu não tiver um bom raciocínio lógico provavelmente tenho muitas limitações na interpretação de um texto e em expor as ideias, na capacidade de argumentar e transmitir informação.

Uma das medidas deste Governo foi introduzir mais exames nacionais…Não deveria haver um maior e melhor acompanhamento ao invés de se introduzirem exames no final de cada ciclo?
Substituíram-se provas de aferição por exames. A questão é que fazer provas, devolver os resultados e sobre isso não haver mais nenhuma reflexão, não é construtivo. Pelo contrário, fazer uma prova, ter informação sobre a prova, partilhar os resultados, discuti-los e perceber porque é que aquele resultado apareceu, perceber o que ficou por fazer, é muito positivo.

E isso não está a ser feito.
Isto não é feito de uma forma generalizada e é de facto uma falha.

E porquê? Falta de tempo?
É mais uma questão de cultura. O que nós temos tentado fazer e vamos continuar a fazer é divulgar às escolas, aos professores e em alguns casos concretos até aos pais informação que depois permitirá aos professores fazerem o trabalho que é necessário fazer que é ler esses resultados e se foram insatisfatórios tentarem percebê-los e tentarem melhorar. Se nós tivermos uma postura aberta e recetiva à avaliação, em geral, a vantagem que temos é que a avaliação nos vai dar informação e nos permitirá ajudar o outro a melhorar e a melhorarmos no conjunto.

"Se nós tivermos uma postura aberta e recetiva à avaliação, em geral, a vantagem que temos é que a avaliação nos vai dar informação e nos permitirá ajudar o outro a melhorar e a melhorarmos no conjunto" 
 
O mesmo de aplica à PACC, certo? Se não se olhar para a prova, não se refletir, tirar uma conclusão e não se alterar alguma coisa…
Não serve para nada.

Que é o que tem acontecido com os exames ao longo dos ciclos de ensino.
Tem sido assim ao longo dos ciclos, infelizmente. Com os anos de reflexão que tenho tido nestas funções e nesta vida de quase 25 anos ligado à avaliação leva-me a dizer que é preciso mudarmos o paradigma da forma como olhamos para a avaliação. A vantagem da avaliação não é a de apontar o dedo nem criticar as pessoas. Se há elemento que nos une enquanto seres humanos é a capacidade de errar. Não conheço nenhum ser humano que não erre. Portanto se nós aprendermos com o erro, dissermos porque é que errei e o que é que vou fazer a seguir para não errar a sociedade tem condições para melhorar, e isso do ponto de vista da educação é talvez a mudança que precisamos de fazer.

Portanto, os exames só por si não introduzem maior rigor no sistema, é isso?
Os exames dão-nos uma coisa importante que é informação. Os exames ajudam fundamentalmente a que as pessoas tenham um referencial. Imagine um sistema sem exames nas escolas. Tudo bem, cada uma faria a sua avaliação mas ninguém saberia o que cada uma faria e quando um dia chegássemos todos a um mesmo sítio – onde temos de passar para o outro lado da escola – seríamos confrontados com coisas completamente distantes. Aqueles que tivessem tido um percurso pouco ou nada estimulante apanhariam a maior das suas deceções e aí já seria tarde de mais. Portanto é fundamental haver este controlo. O problema não está nos exames, o problema está na maneira como nós usamos os exames.

Os resultados desta segunda edição da PACC mostram que muitos dos candidatos que chumbaram na edição anterior voltaram a reprovar nesta. Talvez porque nem sabem onde erraram.
É verdade, mas também temos de assumir aqui uma frontalidade que é perceber que provavelmente nós estamos num sistema em que há uma parte dos professores, que não é significativa, que provavelmente não reúne condições para a docência, pelo menos tendo em conta estes critérios. E volto a repetir, estes critérios não são uma invenção portuguesa.
"Provavelmente estamos num sistema em que há uma parte dos professores, que não é significativa, que provavelmente não reúne condições para a docência, pelo menos tendo em conta estes critérios"
Na sua opinião, podemos atribuir responsabilidades por estes resultados da PACC ao sistema de ensino?
Temos de começar por perceber que estão envolvidos neste processo imensos atores. Instituições de formação do ensino superior, os vários subsistemas de ensino, os professores no terreno, a organização das escolas, a sociedade em geral, os pais quando acompanham os filhos. E todos nós devemos perceber em que é que podemos ajudar a melhorar.

O diagnóstico mais ou menos está feito, anos e anos de exames e de relatórios mostram isso, mas não se nota depois melhorias. Portanto há uma falta de reflexão. E há uma postura que é a de lavar as mãos e que passa do ensino superior para o ensino secundário, do secundário para o básico, e no básico se for preciso acusam as famílias e em última instância quem tem responsabilidade é o Governo e o Ministério. Quando andamos nesta pescada de rabo na boca do atirar a responsabilidade para o vizinho significa na prática que estamos a negar que também podemos ter um papel ativo na melhoria do sistema.

"Há uma postura que é a de lavar as mãos e que passa do ensino superior para o ensino secundário, do secundário para o básico, e no básico se for preciso acusam as famílias e em última instância quem tem responsabilidade é o Governo e o Ministério" 
 
Com turmas cada vez maiores, não se torna mais difícil para o professor ter tempo para fazer um acompanhamento individual dos alunos com maiores dificuldades.
Se estivéssemos a falar de um país subdesenvolvido com 50 alunos por sala eu percebia o problema, mas muitas vezes a fronteira entre termos 21 ou 22 alunos, 25, 26, 27 ou 28 alunos não é tão significativa quanto isso. É importante haver aqui um trabalho conjunto também dos alunos. Os alunos treinados para o efeito conseguem dar informações aos professores e dizer porque não aprenderam. Uma outra estratégia que hoje é muito discutida e investigada é o trabalho colaborativo entre os alunos. O trabalho coletivo seria, por exemplo, juntar os alunos em pequenos grupos e cada um deles avaliar o trabalho do outro e no fim falarem sobre isso. Já há escolas a fazê-lo.

A lógica de ter um professor sozinho à frente de 30 alunos e esperar que ele controle tudo é uma lógica injusta. Uma outra questão muito importante é que nenhuma destas mudanças ocorre se for feita dentro de uma sala de aula por um só professor, ou isto é feito globalmente dentro da mesma escola ou então o insucesso é garantido. Portanto há muito, muito, muito a fazer. E nem sequer implica mais dinheiro na educação – que não há -, nem implica mais horas de trabalho, pelo contrário."


aqui.

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