deixo, à partida, uma questão que penso ser de uma pertinência actual:
porque é que a filosofia não é uma disciplina obrigatória, nomeadamente a partir do 3º ciclo?
nota-se que no meu tempo de estudante, no secundário, ela era mandatória...
no observador...
"Uma semana depois de serem conhecidos os resultados da
segunda edição da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades
(PACC), Helder de Sousa, presidente do Instituto de Avaliação Educativa
(IAVE), responsável pela elaboração da prova, diz que a grande virtude
da prova é dar informação e obrigar todos a pensar em como melhorar.
Em
entrevista ao Observador, Helder de Sousa lembra que a PACC, embora não
certifique os docentes, permite perceber se os candidatos preenchem os
requisitos mínimos essenciais a qualquer profissão qualificada. Quem não
atinge os 50% demonstra “fragilidades significativas”, diz, explicando
que “não é preciso saber matemática” para o fazer.
Há 25 anos ligado à avaliação, e formado em geografia, o
presidente do IAVE lamenta que o sistema educativo esteja feito para
“premiar a mediania” e apela a uma mudança da forma como a sociedade
encara a avaliação. E admite que faria sentido ter uma componente de
avaliação dos docentes na sala de aula, assim como fazer a prova logo
que os candidatos saíssem do ensino superior.
Um terço dos docentes que fizeram a segunda edição da PACC
chumbaram. Pode-se daí concluir que são maus professores? Ou não se pode
estabelecer esta ligação?
Não, não pode e eu acho que há
muita especulação sobre a relação entre esta prova em particular e a
ação docente. Esta prova faz parte de um conjunto de avaliações a que os
professores são submetidos. Não é uma prova decisiva do ponto de vista
daquilo que é a caracterização das funções docentes. Trata-se de uma
prova de seleção para aceder à profissão e, como tal, não pode ser vista
como um exame para certificar, esse é outro equívoco.
Então também não é garantido que quem passa nesta prova seja bom professor.
Não.
Quem passa nesta prova não é garantido que seja bom. Quem passa nesta
prova não é garantido que não dê erros, porque pode dar erros e passar
na mesma. E quem não passa não significa que não seja muito bom
professor. Significa isto sim que quem passa reúne requisitos mínimos
para aceder à profissão.
Mesmo assim esta prova impede os professores que chumbam de dar aulas.
Impede-os
de continuar a dar aulas transitoriamente, não erradica as pessoas da
carreira. É bom perceber-se que é prática comum em termos internacionais
as profissões qualificadas requererem dos seus candidatos um perfil que
tem aspetos vertidos nesta prova. A leitura, a interpretação da
leitura, a escrita, o raciocínio lógico, as inferências a partir da
leitura ou de outros elementos que se consultem são reconhecidos como
aspetos essenciais para a docência. Portanto ultrapassar esta barreira é
um dado importante.
"Há uma margem de erro muito grande entre o poder ter
100% e poder ter 50%. O que significa que para reprovar é preciso haver
fragilidades significativas ao nível daqueles aspetos: capacidade de
ler, de escrever, de pensar"
Mas não será injusto que um professor que já deu mostras que é
um bom professor dentro da sala de aula e que sabe ensinar fique
inibido de dar aulas no ano seguinte por reprovar nesta prova?
Em
primeiro lugar não temos um sistema de avaliação que seja de tal
maneira perfeito que nos garanta aquilo que é afirmado, e esse é também
“um calcanhar de Aquiles” do nosso sistema. As pessoas podem já ter dado
aulas e ter sido avaliadas, mas muito dificilmente foram avaliadas em
contexto, dentro da sala de aula, e dificilmente houve uma validação
efetiva de que eles são bons professores quer do ponto de vista
pedagógico, quer do ponto de vista científico. A validade do sistema de
avaliação que existe também pode ser muito criticada porque não é feita in loco, na sala de aula. E faria todo o sentido que fosse obrigatório.
Por
outro lado quando estamos a falar desta prova é preciso perceber que
entre a classificação máxima e a classificação que impede um candidato
de ser professor naquele ano há um fosso muito grande. Há uma margem de
erro muito grande entre o poder ter 100% e poder ter 50%. O que
significa que para estar abaixo desta linha de corte, e reprovar, é
preciso haver fragilidades significativas ao nível daqueles aspetos:
capacidade de ler, de escrever, de pensar. Eu percebo que de facto será
sempre muito desagradável haver um impedimento transitório para se
aceder à carreira mas mais uma vez estamos a falar de um impedimento que
no fundo vale tanto tempo quanto a nova edição da prova.
Como
é que os professores chegam a esta fase da sua vida profissional a dar
erros ortográficos básicos, como não saberem quando devem usar o a com h
ou o c cedilhado?
É um problema sistémico. Tem a ver com
o facto de ao logo de toda a vida escolar das pessoas haver no sistema
educativo, no básico e no secundário, algum controlo sobre os erros mas
ninguém ser impedido de terminar a escolaridade por dar erros. Em todo o
caso é importante focar que esta prova, mais do que a controvérsia que
tem gerado, tem uma virtude que é a de pela primeira vez em Portugal
desta forma mais aberta estarmos a falar sobre estes problemas. Mais do
que a questão da retenção destes professores é importante perceber que a
prova em si serve para dar informação. E todo o sistema, tanto o ensino
não universitário como o universitário, tem de prestar atenção a estes
aspetos.
Têm que existir critérios que permitam monitorizar estes
aspetos ao longo da formação dos professores e não só. Porque esta prova
pode ser aplicada a qualquer grupo de profissionais, desde que sejam
qualificados. Aliás, um aluno a partir da adolescência já com alguma
consciência daquilo que é o pensamento lógico, eventualmente do ensino
secundário, conseguirá responder a uma grande parte dos itens.
"A classe docente quer considerar-se à parte destas
exigências, que são comuns às profissões mais qualificadas? É que se
quer, de certa forma pode ser até uma forma de desqualificação"
E esse é precisamente um dos aspetos que os professores têm
criticado: que esta prova podia ser feita por qualquer um e que não
permite por isso avaliar as competências específicas desta profissão.
Mas
aí eu coloco o problema ao contrário: a classe docente quer
considerar-se à parte destas exigências, que são comuns às profissões
mais qualificadas? É que se quer, de certa forma pode ser até uma forma
de desqualificação. Ora, não me parece que nenhum professor entenda a
sua classe como uma classe que se queira desqualificar. Há é uma
discordância de fundo relativamente ao momento em que a prova deve ser
feita, se nesta fase, se à saída da universidade.
E até antes da universidade. Há instituições do Ensino Superior que defendem isso…
Eu
diria que globalmente faz todo o sentido, mas é preciso ver que se
agora se começasse a intervir a esse nível significava que todos estes
professores até que essas medidas estivessem no terreno – e que poderia
demorar cinco, seis ou sete anos -, continuariam no sistema. O que
estamos aqui a fazer é a elevar a qualidade. Naturalmente não estamos a
controlar a formação científica inicial.
Mas, por exemplo,
um professor do secundário da área das humanidades, de filosofia por
exemplo, pode não ter matemática desde o 9º ano…
E então?
Esta prova tem raciocínio lógico e resolução de problemas não
matemáticos. O problema aqui é as pessoas acharem que para a resolução
de algumas questões é preciso saber matemática. Não é verdade. Nalguns
casos podem ser resolvidas seguindo um processo matemático, mas são
todas elas resolúveis sem recorrer à matemática. Basta ter pensamento
lógico. E repare a lógica é um elemento essencial da filosofia e a
filosofia é talvez se quisermos o elemento de charneira entre a área das
ciências e a das humanidades e se é de charneira é porque ela é talvez
tão importante para um lado como para o outro.
Há uma discordância
de fundo relativamente a que a prova dos professores deva conter estes
elementos, mas a verdade é que estes elementos estão previstos na Lei
desde 2007. E é verdade outra coisa: a nível internacional as provas de
avaliação de seleção de docentes, como de outras profissões, têm este
perfil.
Há alguma semelhante a esta?
As
provas são semelhantes, não há aqui nenhuma invenção. Agora os modelos
são todos diferentes. As provas normalmente têm uma componente comum e
outra específica, mas desconheço em pormenor se são classificadas
separadamente. Sei, por exemplo, que as linhas de corte entre o ser
aprovado e não aprovado são variadas. Nuns casos são mais exigentes,
noutros menos.
Voltando ligeiramente atrás, há pouco disse
que ninguém fica retido por dar erros. Isso talvez seja um problema, ou
pelo menos deveria haver uma maior atenção aos erros, não concorda?
Devia,
mas se nós focalizarmos todo o ensino nesse aspeto, se considerarmos
que quem não dá erros não pode transitar de ano, bom então tínhamos o
sistema completamente entupido.
"Nós temos um sistema que também não ajuda muito os
alunos a irem melhorando ao longo do seu percurso académico. O sistema
está muito feito de maneira a premiar a mediania. Há pouca cultura
da perfeição"
Mas também não faz sentido ir passando um aluno que dá erros
ortográficos básicos e que evidencia graves falhas no raciocínio lógico,
certo? O que se pode então fazer?
Aquilo que tem sido
defendido é que o trabalho sobretudo ao nível da leitura e da escrita
começa no 1.º ciclo. No 1.º ciclo tem de haver uma preocupação muito
grande em criar os mecanismos que conduzam não direi à perfeição, mas a
uma escrita correta. E isso deve ser passado ao longo do sistema. Nós
temos um sistema que também não ajuda muito os alunos a irem melhorando
ao longo do seu percurso académico. O sistema está muito feito de
maneira a premiar a mediania. Há pouca cultura da perfeição. Há muito
enfoque no resultado e mal se chega àquele resultado mínimo para passar
parece que os grandes problemas da aprendizagem ficaram resolvidos. E
não ficaram. Quando se começa já no final do 1.º ou do 2.º ciclos a
evidenciar algumas dificuldades muito dificilmente há uma inversão desta
tendência. E aí tem de facto de haver um foco muito grande.
A escola tem de ser mais exigente?
O
primeiro passo é perceber que existem problemas a este nível e que
precisam de ser corrigidos. E não podemos dizer que as várias
instituições mesmo as do superior podem olhar para o lado. Não podem.
Cada professor que lê um trabalho de um aluno, seja em que nível de
escolaridade for, inclusive no superior, não pode desresponsabilizar-se
de corrigir os erros ou de pelo menos assinalá-los. Isto ao nível da
ortografia. Ao nível do raciocínio é importante quando os alunos são
avaliados que tenham a perceção de que há perguntas mais simples e
outras mais difíceis que implicam raciocínio. Mas como temos uma
sociedade em que ficamos confortáveis, quer as famílias, quer os alunos,
com um resultado mediano, estamos automaticamente a assumir que as
operações mentais mais sofisticadas e mais complexas não são precisas,
quando na verdade a parte do raciocínio é fundamental e não só para
ensinar.
E não concordo que se associe esta questão do raciocínio
lógico à matemática porque se eu não tiver um bom raciocínio lógico
provavelmente tenho muitas limitações na interpretação de um texto e em
expor as ideias, na capacidade de argumentar e transmitir informação.
Uma
das medidas deste Governo foi introduzir mais exames nacionais…Não
deveria haver um maior e melhor acompanhamento ao invés de se
introduzirem exames no final de cada ciclo?
Substituíram-se
provas de aferição por exames. A questão é que fazer provas, devolver
os resultados e sobre isso não haver mais nenhuma reflexão, não é
construtivo. Pelo contrário, fazer uma prova, ter informação sobre a
prova, partilhar os resultados, discuti-los e perceber porque é que
aquele resultado apareceu, perceber o que ficou por fazer, é muito
positivo.
E isso não está a ser feito.
Isto não é feito de uma forma generalizada e é de facto uma falha.
E porquê? Falta de tempo?
É
mais uma questão de cultura. O que nós temos tentado fazer e vamos
continuar a fazer é divulgar às escolas, aos professores e em alguns
casos concretos até aos pais informação que depois permitirá aos
professores fazerem o trabalho que é necessário fazer que é ler esses
resultados e se foram insatisfatórios tentarem percebê-los e tentarem
melhorar. Se nós tivermos uma postura aberta e recetiva à avaliação, em
geral, a vantagem que temos é que a avaliação nos vai dar informação e
nos permitirá ajudar o outro a melhorar e a melhorarmos no conjunto.
"Se nós tivermos uma postura aberta e recetiva à
avaliação, em geral, a vantagem que temos é que a avaliação nos vai dar
informação e nos permitirá ajudar o outro a melhorar e a melhorarmos
no conjunto"
O mesmo de aplica à PACC, certo? Se não se olhar para a
prova, não se refletir, tirar uma conclusão e não se alterar alguma
coisa…
Não serve para nada.
Que é o que tem acontecido com os exames ao longo dos ciclos de ensino.
Tem
sido assim ao longo dos ciclos, infelizmente. Com os anos de reflexão
que tenho tido nestas funções e nesta vida de quase 25 anos ligado à
avaliação leva-me a dizer que é preciso mudarmos o paradigma da forma
como olhamos para a avaliação. A vantagem da avaliação não é a de
apontar o dedo nem criticar as pessoas. Se há elemento que nos une
enquanto seres humanos é a capacidade de errar. Não conheço nenhum ser
humano que não erre. Portanto se nós aprendermos com o erro, dissermos
porque é que errei e o que é que vou fazer a seguir para não errar a
sociedade tem condições para melhorar, e isso do ponto de vista da
educação é talvez a mudança que precisamos de fazer.
Portanto, os exames só por si não introduzem maior rigor no sistema, é isso?
Os
exames dão-nos uma coisa importante que é informação. Os exames ajudam
fundamentalmente a que as pessoas tenham um referencial. Imagine um
sistema sem exames nas escolas. Tudo bem, cada uma faria a sua avaliação
mas ninguém saberia o que cada uma faria e quando um dia chegássemos
todos a um mesmo sítio – onde temos de passar para o outro lado da
escola – seríamos confrontados com coisas completamente distantes.
Aqueles que tivessem tido um percurso pouco ou nada estimulante
apanhariam a maior das suas deceções e aí já seria tarde de mais.
Portanto é fundamental haver este controlo. O problema não está nos
exames, o problema está na maneira como nós usamos os exames.
Os
resultados desta segunda edição da PACC mostram que muitos dos
candidatos que chumbaram na edição anterior voltaram a reprovar nesta.
Talvez porque nem sabem onde erraram.
É verdade, mas
também temos de assumir aqui uma frontalidade que é perceber que
provavelmente nós estamos num sistema em que há uma parte dos
professores, que não é significativa, que provavelmente não reúne
condições para a docência, pelo menos tendo em conta estes critérios. E
volto a repetir, estes critérios não são uma invenção portuguesa.
"Provavelmente estamos num sistema em que há uma parte
dos professores, que não é significativa, que provavelmente não reúne
condições para a docência, pelo menos tendo em conta estes critérios"
Na sua opinião, podemos atribuir responsabilidades por estes resultados da PACC ao sistema de ensino?
Temos
de começar por perceber que estão envolvidos neste processo imensos
atores. Instituições de formação do ensino superior, os vários
subsistemas de ensino, os professores no terreno, a organização das
escolas, a sociedade em geral, os pais quando acompanham os filhos. E
todos nós devemos perceber em que é que podemos ajudar a melhorar.
O
diagnóstico mais ou menos está feito, anos e anos de exames e de
relatórios mostram isso, mas não se nota depois melhorias. Portanto há
uma falta de reflexão. E há uma postura que é a de lavar as mãos e que
passa do ensino superior para o ensino secundário, do secundário para o
básico, e no básico se for preciso acusam as famílias e em última
instância quem tem responsabilidade é o Governo e o Ministério. Quando
andamos nesta pescada de rabo na boca do atirar a responsabilidade para o
vizinho significa na prática que estamos a negar que também podemos ter
um papel ativo na melhoria do sistema.
"Há uma postura que é a de lavar as mãos e que passa do
ensino superior para o ensino secundário, do secundário para o básico, e
no básico se for preciso acusam as famílias e em última instância quem
tem responsabilidade é o Governo e o Ministério"
Com turmas cada vez maiores, não se torna mais difícil para o
professor ter tempo para fazer um acompanhamento individual dos alunos
com maiores dificuldades.
Se estivéssemos a falar de um
país subdesenvolvido com 50 alunos por sala eu percebia o problema, mas
muitas vezes a fronteira entre termos 21 ou 22 alunos, 25, 26, 27 ou 28
alunos não é tão significativa quanto isso. É importante haver aqui um
trabalho conjunto também dos alunos. Os alunos treinados para o efeito
conseguem dar informações aos professores e dizer porque não aprenderam.
Uma outra estratégia que hoje é muito discutida e investigada é o
trabalho colaborativo entre os alunos. O trabalho coletivo seria, por
exemplo, juntar os alunos em pequenos grupos e cada um deles avaliar o
trabalho do outro e no fim falarem sobre isso. Já há escolas a fazê-lo.
A
lógica de ter um professor sozinho à frente de 30 alunos e esperar que
ele controle tudo é uma lógica injusta. Uma outra questão muito
importante é que nenhuma destas mudanças ocorre se for feita dentro de
uma sala de aula por um só professor, ou isto é feito globalmente dentro
da mesma escola ou então o insucesso é garantido. Portanto há muito,
muito, muito a fazer. E nem sequer implica mais dinheiro na educação –
que não há -, nem implica mais horas de trabalho, pelo contrário."
aqui.
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