sábado, 9 de maio de 2015

a começar o dia... em modo de perplexidade absoluta...?


Aos seis anos já se aprende nas escolas como ser empresário de sucesso
Clara Viana



Acções desenvolvidas pela Junior Achievement Portugal já abrangeram quase 200 mil alunos.


no público em linha... 


"Mariana Santos foi surpreendida por um folheto que descobriu, há algumas semanas, na mochila do filho de sete anos. “Disse-me que tinha sido levado por uma senhora que ia voltar à escola às quintas-feiras. Era de uma organização de que nunca tinha ouvido falar, a Junior Achievement Portugal. Fui ler e não gostei. Pesquisei um pouco mais e fiquei muito incomodada por estarem nas escolas”, conta ao PÚBLICO.

Na verdade já estão desde o ano lectivo 2005/2006, com acções que abrangeram 195.891 alunos desde o 1.º ciclo à universidade. Só no ano passado estiveram em 452 escolas, informou o assessor de imprensa da Junior Achievement Portugal (JAP), Nuno Comando. O objectivo, esclarece, é o de levar “o empreendedorismo para dentro das salas de aula”. O que é feito sem custos para as escolas, já que todas as despesas são suportadas pelos 42 associados da JAP, acrescenta.

A JAP é a congénere portuguesa de uma organização internacional, Junior Achievement, desenvolvida a partir de uma associação criada nos Estados Unidos em 1919 e que actualmente desenvolve acções em 122 países. Têm como associados grandes empresas e instituições. A direcção do ramo português é constituída, entre outros, por representantes dos grupos Mello e Jerónimo Martins, das Fundações EDP e PT e da Sonae (proprietária do PÚBLICO).

Nas escolas os seus programas são aplicados por “voluntários oriundos do mundo empresarial”. Segundo a JAP, estes voluntários acrescentam “valor ao programa, através da partilha das suas experiências, sendo um modelo a seguir pelos alunos”. No ano lectivo passado contara com a colaboração de quase dois mil.

Na JAP entende-se que o empreendedorismo “é a chave de todas as economias, que é uma questão de cultura e coragem, uma atitude de vida, e que pode ser aprendido”. “Ao perceberem o que são as profissões, as finanças, ao desenvolverem ideias, construírem o primeiro plano de negócios, gerirem as suas próprias mini-empresas, os alunos aprendem a tornar-se empreendedores a partir dos 6 anos”, especifica Nuno Comando.

Para Mariana Santos, historiadora de arte, esta concepção de empreendedorismo, que fez escola nas últimas décadas, reduz a etimologia da palavra “a actividades que são levadas a cabo com vista à obtenção de lucro, ligando-a assim exclusivamente à ideia de negócio”. É uma das razões que a levaram a não querer o seu filho nos módulos que a JAP está agora a desenvolver com cinco turmas do 2.º ano de escolaridade do agrupamento de escolas Baixa-Chiado, em Lisboa. Outros quatro pais decidiram o mesmo.

“Não fomos informados previamente, não nos pediram autorização, o que deveria ter sido feito dado o conteúdo gravíssimo deste programa, onde a sociedade é apresentada como sendo exclusivamente regida por relações económicas e que exclui tudo o que sejam relações de solidariedade e de afecto”, justifica Mariana Santos, acrescentando que tudo isto “vai contra o que tenta ensinar ao filho” e também contra “os valores da escola pública”.

O seu protesto já foi subscrito por mais uma dezena de pais. “Não queremos que a escola pública obrigue os nossos filhos a serem empreendedores competitivos obcecados pelo sucesso”, proclamam numa carta aberta enviada à comunicação social, onde contestam o que consideram ser “um programa altamente estruturado de formatação ideológica”.

O director do agrupamento Baixa-Chiado, João Paulo Leonardo, manifesta-se “algo surpreendido” com a reacção destes pais. “É um projecto que tem estado em escolas de todo o país e em que não vejo nenhum dos objectivos que são contestados por estes pais, pelo menos no que respeita aos programas dirigidos aos mais novos”, disse ao PÚBLICO. Não é a primeira experiência com a JAP: há alguns anos atrás, estiveram na escola básica e secundária Passos Manuel, sede do agrupamento, com programas dirigidos ao 3.º ciclo. Este ano lectivo regressaram por indicação da Câmara Municipal de Lisboa (CM), que recomendou a sua implementação, esclarece o director, que justifica também a opção pelo facto de o projecto educativo do agrupamento “contemplar a ligação à vida activa e o empreendedorismo”."



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