sexta-feira, 7 de agosto de 2015

a actualidade do dia-a-dia, numa visão pessoal do jornalista...!

Bom dia, já leu o Expresso Curto Bom dia, este é o seu Expresso Curto
Valdemar Cruz
Por Valdemar Cruz
Jornalista
 
7 de Agosto de 2015
 


O Homem Invísivel ou as sombras da Europa 


São 6h47 minutos. Começo a tirar-lhe o Expresso Curto. A esta hora, algures no Mediterrâneo, nas fronteiras da Líbia, do Iraque, do Paquistão, há gente em fuga. Homens e mulheres desesperados. Fogem de uma não vida. Procuram uma vida. Recordemos uma canção. "Clandestino", de Manu Chao. Fala da vida deixada entre Ceuta e Gibraltar e de vidas proibidas. Talvez seja uma boa oportunidade de dar dimensão ética à condição humana. E perceber como, afinal, nenhum homem é clandestino. Nenhum homem é ilegal. Sobretudo quando esse homem representa a figura do outro. O outro sobre quem todas as violências são admissíveis. O outro para quem olhamos sem ver. O outro transformado em inexistência. O outro feito inimigo, apenas por ser outro.

Recordo uma crónica recente de Clara Ferreira Alves publicada na Revista E, do Expresso, intitulada "Silly Season". Falava dos outros. Atraem multidões de jornalistas quando a desgraça lhes toma os dias. Depois a desgraça torna-se repetitiva. Banaliza-se. Os jornalistas afastam-se à procura de desgraça nova. Aquela desgraça, porém, não morreu. Continua lá. Demolidora. Cruel. Mesmo se os jornais já não falam dela. Há desgraças poderosas . Navegam indiferentes à presença ou ausência dos jornalistas. Dir-se-iam perenes. Às vezes os jornalistas não conseguem continuar a olhar para o lado. E voltam. E voltamos a ter notícias sobre os naufrágios no Mediterrâneo. Regressaram às primeiras páginas nos últimos dias. A esta hora, lá vão eles e elas em frágeis embarcações carregadas de refugiados. De alguns ouviremos falar. De outros nunca saberemos. Nem dos seus vivos. Nem dos seus mortos. Estamos perante uma das maiores crises de refugiados das últimas décadas. Falam-nos agora dos refugiados em Calais, das mortes no túnel da Mancha. E não sabemos nada da morte. E não sabemos nada dos desaparecidos em silêncio. Sem testemunhas. E não queremos saber porque vêm. São empurrados aos milhões pelos conflitos na Síria, no Iraque, na Ucrânia, no Afeganistão , onde a morte pode estar também nas infinitas minas pessoais.

As Nações Unidas dizem estarmos face a uma das piores crises de migração desde a II Guerra Mundial. A União Europeia não sabe o que fazer. Alguns países constroem ou propõem-se construir muros. O Presidente da Comissão Europeia mostra-se dececionado com a dificuldade em colocar de pé um plano de solidariedade à escala Europeia. Ralph Ellison publicou em 1952 um livro marcante pela forma como descarnava o racismo nos Estados Unidos. "O Homem Invisível" foi colocado pela revista Time entre os 100 mais importantes romances publicados em língua inglesa no século XX. Falava de uma sombra que percorria os EUA. Ellison não podia prever como a Europa continuaria a deixar-se dominar por sombras, por exemplo de populismo, como denuncia Junker. Por isso, aí fica a pergunta que já alguém fez: O que é pior? Matar um leão em África, ou só nos preocuparmos com África quando matam um leão? A indignação torna-se inevitável, como quando ontem uma apresentadora de televisão alemã não resistiu a fazer um apelo público a um levantamento contra as atitudes racistas face aos refugiados.

Dor, ainda, para evocar Hiroshima, agora de uma forma diferente. O Figaro propõe-se assinalar o trágico aniversário da largada da bomba atómica com uma seleção de filmes construídos por entre um misto de medo e fascínio por um mundo pós-apocalíptico. As escolhas vão desde “Hiroshima, meu amor”, de Alain Resnais, a "Doutor Estranhoamor", de Stanley Kubrick.

Por cá, tudo como dantes. O FMI não está satisfeito , considera em risco as metas do déficite e pede mais austeridade. Vamos precisar de petróelo no Beato, como dizia o Raúl Solnado. E mesmo assim, com a continuada queda dos preços, não é certo que tenhamos via aberta para outra vida. Terá sentido, por isso, prestar atenção à entrevista dada ao El País pelo economist Ha-Joon Chang, professor em Cambridge, intitulada “La moneda única foe un error” , na qual o sul-coreano denuncia a ortodoxia económica dominante, recusa a ideia da economia como uma ciência e alerta para o facto de estarem a ser cometidos exatamente os mesmos erros que foram cometidos após a I Guerra Mundial. Com tudo isto, tem vindo, para seu espanto, a ser considerado um radical. A resposta é sintomática: “É triste que alguém como eu seja considerado um radical. (…). Agora toda a gente se deslocou para a direita e, supostamente, eu sou um tipo de esquerda. Mas se se fala de repensar as raízes, fico muito contente por ser um radical”.

Às vezes temos raios de luz, Como os proporcionados pela história contada no Expresso Diário pela Christiana Martins sobre Rúben, o rapaz de 14 anos operado no Hospital de Santa Maria, depois de ter visto a cirurgia de que necessitava ser recusada por 45 grandes hospitais.

Outra grande história tem a assinatura da Luciana Leiderfarb, também no Expresso Diário e fala da luta travada pela família do capitão Arthur Barros, fundador da comunidade israelita do Porto, para o reintegrar no Exército, de onde foi expulso em 1937.


OUTRAS NOTÍCIAS
No Diário Económico uma daquelas informações capazes de nos deixar a pensar a semana inteira. Os CEO das empresas do PSI 20, com uma remuneração média de 660 mil euros, ganham trinta (30) vezes mais que a média dos trabalhadores das suas empresas. Jerónimo Martins e Sonae são as empresas onde se verificam as maiores diferenças salariais.

O Ministério da Saúde propõe-se atribuir mais dinheiro aos medicos que voluntariamente aceitem alargar as suas listas de utentes. A proposta é de proporcionar mais €741 brutos, valor que, deduzidos os impostos, desce para €350. A Ordem e os Sindicatos já vieram apontar as fragilidades da medida e colocar dúvidas quanto à sua real eficácia.

O desemprego e as relações laborais continuam na ordem do dia e vão manter-se na agenda até as eleições. O “Jornal de Negócios” revela que apenas 27% dos contratos mais recentes são sem termo. De resto, ainda segundo este jornal, o balanço da governação PSD/CDS resulta em menos 38 mil desempregos e menos 219 mil pessoas a trabalhar.

O jornal I revela, por sua vez, que o PS está a divulgar um cartaz com uma mulher desempregada e sem apoios desde o tempo de José Sócrates.

No futebol, há final da Supertaça no próximo domingo. O jogo disputa-se em Faro, as as grandes movimentações estão a ocorrer em Lisboa, com as sucessivas chegadas de novos jogadores. Sporting contrata o italiano Aquilani e Benfica apresenta o grego Mitroglou, mas os holofotes vão para Jorge Jesus. No seu melhor estilo, assegura que quando chegou ao Sporting mudou tudo , enquanto o Benfica mudou zero.


Lá fora

Foi notícia em todo o mundo. Ontem foi para o ar a última emissão do “The Daily Show” conduzido por John Stuart. Aqui pode recordar a história e ver deliciosas imagens com o primeiro convidado de Stuart, Michael J. Fox.

No El Mundo, uma muito curiosa reportagem com cubanos exilados em Miami que, após terem rompido com Fidel, acabaram por atenuar a sua oposição e transformar-se em defensores do regime que tinham abandonado e, por isso, depararam com todo o tipo de intolerância e ataques, até com bombas.

As transformações climáticas vão estar na origem de grandes conflitos e o Ártico pode transformer-se no grande campo de batalha do século XXI. Um relatório do Pentágono agora divulgado revela que as mudanças climáticas terão grandes implicações para a segurança dos EUA.


FRASES
"Parece que o FMI ficou agora surpreendido com o eleitoralismo do Governo e da maioria", João Galamba na reação do PS ao último relatório do FMI

"Em relação ao défice, o próprio FMI já vem corrigir em baixa a sua previsão, de relatório para relatório", Carlos Carreiras com a resposta do PSD ao relatório do FMI

"Não vou dizer se voto na coligação ou não", Manuela Ferreira Leite em entrevista ao Sol

"A experiência política é fundamental para se ser presidente da República", Guilherme d'Oliveira Martins em entrevista ao Sol

"Fazer surf nos glaciares é a mais aterrorizadora experiência que se pode ter", Garrett Mcnamara em entrevista ao DN


O QUE ANDO A LER E OUVIR
Uma revista sem publicidade, preenchida no essencial com grandes reportagens feitas nos quatro cantos do mundo, bem escritas, assinadas por excelentes jornalistas, com um grafismo inovador, disponível para proporcionar um espaço privilegiado à ilustração, com excelentes porfolios fotográficos, com mais de 200 páginas em cada edição? Isso existe? Existe. Acaba de sair o número 31, correspondente ao verão. É a XXI , uma publicação francesa dirigida por Patrick de Saint-Exupéry. Cada exemplar, publicado em cada uma das quatro estações do ano, é uma espécie de viagem a um paraído perdido. O mundo da grande reportagem foi abandonado pela generaldiade das publicações, mas a XXI tem milhares de assinantes e é já vendida em todo o mundo. Neste número de verão, várias histórias a reter, como "La Métamorfose", sobre um casal que se conheceu há 38 anos num baile. Jean e Béatrice casaram-se dois anos mais tarde e tiveram dois filhos. Continuam a amar-se e a viver juntos na região de Poitiers, mas Jean tornou-se Cynthia. Imperdível também é "Hollywood sur Kampala", sobre a fantástica quantidade de filmes que estão a ser realizados no Uganda, nos estúdios Wakaliga. As rodagens fazem-se com recurso a adereços rudimentares, os truques cinematográficos são grosseiros, o som é péssimo, a intriga é elementar, mas o público adora.

Num registo mais portátil, chamo a atenção para uma coleção de bolso lançada pela Relógio d'Água iniciada com quatro propostas diferentes, mas irrecusáveis. Até porque somos animais narradores. De Herman Melville, esse msmo, o autor de "Moby-Dick", temo o surpreendente "Bartleby, o Escrivão". De Fernando Pessoa surgem "O Banqueiro Anarquista" e "Mensagem", esta com prefácio de Eduardo Lourenço. Por fim, de Karen Blixen, a autora de "África Minha", é apresentada a divertida, mas tensa "História Imortal". São livros pequenos, vendidos a €5 cada.

Há dias fomos brindados com as fantásticas notícias sobre a chegada de uma sonda a Plutão e agora a NASA vem revelar imagens do lado oculto da Lua. É o "Dark Side of the Moon", que já em 1973 cantavam os Pink Floyd. É um bom motivo para a leitura de um livro breve, mas fascinante. Escrito por Lawrence M. Kraus, intitula-se "A Universe of Nothing" e coloca uma questão fundamental: Porque é que há alguma coisa em vez de nada? No Youtube está disponível uma conferência em que Kraus coloca esta e outras questões com uma forte componente provocatória e que acabam por estar no centro do debate filosófico e religioso sobre a existência de deus.

Despeço-me com banda sonora. Tenho regressado a um disco concebido por uma mulher de muitas sonoridades e grande abertura à cultura universal. Christina Pluhar criou em 2000 "L'arpeggiata", um grupo vocal e instrumental responsável por muitas viagens musicais. Uma das últimas data de 2012 e intitula-se "Los Pájaros Perdidos" e é dedicado às músicas tradicionais da América Latina.

E já está. Alguns dirão que em vez de um "cimbalino" tirei um "galão", mas em tempo de férias, para quem as tem, não são deslocadas as leituras mais extensas como a aqui proposta.

Sem comentários:

Enviar um comentário