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18 de Março de 2016 | ||
Os que ficam para trás
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"Os nossos amigos poderão não saber muita coisa, mas sabem sempre o que fariam no nosso lugar".
A frase é de Millor Fernandes, o jornalista que para sempre ficou sentado num banco virado para o mar do Rio de Janeiro, entre as praias do Diabo e do Arpoador, e de costas para o que vai sendo do seu Brasil.
Já aqui se escreveu ontem, mas não é inútil repeti-lo: a política brasileira está a atingir um nível de emoção e imprevisibilidade que nem a melhor novela das oito conseguiria.
No episódio de ontem, a presidente, ameaçada de destituição, chamou o seu amigo ex-presidente, suspeito aos olhos das autoridades numa investigação chamada Lava Jato, e ofereceu-lhe um cargo que, na prática, faz dele presidente outra vez, ainda que a presidente seja ela. Mas um juiz chamado Itagiba Catta Preta Neto, que dias antes tinha estado numa manifestação contra a presidente e que já se tinha atirado ao ex-presidente no Facebook, impugnou a tomada de posse do ex-presidente amigo da presidente e o Brasil, que parecia estar a caminho de ter dois presidentes, ficou como se não tivesse presidente algum.
Itagiba, o juiz que estragou a cerimónia, tem o mesmo nome de um barco afundado por um submarino alemão a 17 de agosto de 1942. Cinco dias depois, pressionado pelas multidões na rua, o governo brasileiro declarou guerra à Alemanha.
E como quem assiste a uma peça de teatro, a um duelo imprevisível entre uma imparável máquina judicial, que liberta escutas telefónicas na praça pública como quem manda soldados para a frente de batalha, e uma classe política acossada, e que toca a reunir contra o que considera ser uma perseguição dos magistrados, um país inteiro sai outra vez para a rua e toma partido ao som de panelas e de gritos. Hoje, o inimigo está dentro e mesmo ali ao lado.
Os gigantes e os seus amigos enfrentam-se no grande teatro de Brasília com armas pesadas. As posições extremam-se, o discurso é cada vez mais radical e o ar endurece até ficar gelado como num daqueles momentos de tudo ou nada.
Quando o ar fica assim, tudo parece possível e normal e lógico e ontem, fardado e com a bandeira do estado de S. Paulo, um manifestante chamado William Mascarenhas, de 67 anos, neto do general Mascarenhas de Moraes, comandante das forças brasileiras que participaram na Segunda Guerra Mundial, disse aos jornalistas - e apareceu em vários jornais durante o dia - que a melhor forma de combater a corrupção no país é entregar o poder "a uma junta militar por um curto período de tempo".
Uns em nome disto, outros em nome daquilo. Há um país e milhões de pessoas que vão ficando para trás.
Millor gostava de ver por do sol junto ao mar e ainda lá está, sentado entre o Arpoador e o Diabo.
A noite brasileira está apenas a começar.
OUTRAS NOTÍCIAS
O Fenerbahçe de Vitor Pereira ficou para trás (4-1), o Braga está nos quartos-de-final da Liga Europa e, a par do Benfica na Liga dos Campeões, é um dos motivos para seguir em direto o sorteio, já daqui a pouco. Lembra-se dos exames escolares? Aqueles que contavam para a nota, que iam ficar para trás e ser substituídos por outros, de aferição, ainda este ano? Pois, afinal parece que não é bem assim, ou na verdade é ou se calhar depende das escolas... A Isabel Leiria explica-lhe tudo. Sobre esta "problemática" dos exames fica um desafio ao ministro da Educação, retirado do enunciado da Prova Escrita de Português do 12.º ano de 2015: "Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a problemática apresentada. Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo." Talvez assim nos consigamos entender. A Alexandra Simões de Abreu acompanhou o Presidente da República na primeira visita oficial, ao Vaticano, e conta como foi o encontro entre Marcelo Rebelo de Sousa, o Rápido, e o Papa Francisco. Aproveite e veja o registo das viagens presidenciais. Em Bruxelas, hoje é dia de cimeira entre a União Europeia e a Turquia sobre um dos assuntos mais complexos dos nossos dias. Diz o Guardian que os turcos se comprometem a aceitar de volta aquilo que a EU tem a mais. Em troca querem que a União Europeia lhes pague mais dinheiro, querem que os seus cidadãos possam viajar livremente no espaço europeu e querem que sejam retomadas as negociações para uma possível adesão da Turquia. O problema é que "aquilo" são pessoas. Milhares e milhares de pessoas. E quando se põe um preço nas pessoas, quando as pessoas se tornam instrumentos de um negócio e deixam de ser pessoas, então lá vem aquele ar gelado que torna tudo, até o mais impesável, possível. Pode não valer de muito, mas vale a pena parar um instante e olhar, olhos nos olhos, para a cara de alguns dos que ficam para trás. E o que está aqui, nestes poucos minutos filmados às escondidos por duas mulheres em Raqqa, é a vida que muitos deixaram para trás. Hoje está nas bancas aquela que deve ser a última edição do Diário Económico em papel. Há meses que os jornalistas do DE são um exemplo de profissionalismo para todos.O projeto deve continuar na Internet, mas sempre que um jornal desaparece das bancas é um dia triste. Nos EUA, está em curso a guerra pela nomeação do 113.º juiz do Supremo Tribunal. Obama escolheu Merrick B. Garland, mas alguns Republicanos já avisaram que a escolha devia ser feita pelo próximo presidente. O processo costuma ser longo e complexo - mas pode tirar as dúvidas aqui. Neste capítulo, o número dos candidatos que ficaram para trás continua a crescer, como mostra este gráfico do The New York Times. Entre os que permanecem na corrida, tudo aponta para um duelo Clinton-Trump em novembro. Por falar em Trump, nada melhor do que ler o que o mordomo do candidato diz sobre ele. Em França, há um escândalo de abusos sexuais cometidos por padres que faz lembrar o filme Spotlight. Vale a pena ler este trabalho da Luciana Leiderfarb sobre o Arquivo Mitrokhin e as ligações a Portugal, que o Expresso divulgou na semana passada, por duas razões: desde logo porque lança um novo e interessante olhar sobre o caso; depois porque serve de ponto de partida para um novo capítulo da enorme investigação do Paulo Anunciação, cuja segunda parte, carregada de revelações, estará na edição de amanhã da E, a revista do Expresso. Hoje, nas bancas, as manchetes são estas Correio da Manhã: "145 suspeitos sob escuta do fisco" Público: "Posse de Lula é suspensa e agrava crise política num Brasil radicalizado" Diário de Notícias: "GNR vai ter generais e deixa de ser chefiada pelo Exército" Jornal de Notícias: "Escolas públicas dão missa durante as aulas" E uma frase "Foi decidida uma operação para, de maneira arriscada, ameaçadora e perigosa, acabar com a liderança legítima, democrática, profundamente popular, destes dois dirigentes históricos da nova época latino-americana" - Nicolas Maduro, presidente da Venezuela O QUE ANDO A LER Chama-se "Conquistadores – como Portugal criou o primeiro império global", chegou-me há menos de uma semana e não podia ser mais oportuno. O trabalho de Roger Crowley, historiador inglês que há décadas se dedica à investigação sobre os grandes impérios marítimos europeus, analisa em detalhe as várias viagens que permitiram a Portugal impor a sua presença no Índico, à custa de uma agressividade extrema (cidades destruídas, gente enforcada, raptos...) Pedro Álvares Cabral deixou Lisboa a 9 de março de 1500, a caminho da Índia, à frente de uma frota com 13 navios e mais de 1200 homens. As viagens anteriores tinham mostrado que para dobrar o Cabo da Boa Esperança era necessário descrever um arco em pleno Atlântico, de modo a aproveitar os ventos favoráveis. Por erro de cálculo ou não, o arco foi demasiado e os mapas do mundo ganharam um novo continente. Crowley faz este curto desvio ao Atlântico Sul para contar, com recurso a documentos da época, o que viram os marinheiros no dia 21 de abril de 1500. "Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos". Os portugueses ficaram nove dias em Terra da Vera Cruz, assim a batizaram, onde encontraram papagaios do tamanho de alinhas e gente muito diferente da que conheciam da costa africana. "Têm cabelos compridos, e arrancam as barbas. E as pálpebras acima das sobrancelhas estão pintadas com figuras brancas e pretas e azuis e vermelhas." A 2 de maio, reabastecidos de comida e de água, os navios de Pedro Álvares Cabral fizeram-se ao mar e houve lágrimas a bordo e em terra quando deixaram o que haveria de ser o Brasil. "Começaram a chorar, como se tivessem pena deles". Nesse dia ficaram para trás dois condenados. Há Diário às seis da tarde e Expresso amanhã. Tenha um bom dia e um bom fim de semana. via mensagem do expresso... |
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