sexta-feira, 12 de julho de 2013

a ler [descomplicando certas 'farsas']... humanidades e desenvolvimento... de desidério murcho... no de rerum natura...!


"A Universidade de Oxford acaba de divulgar aqui um estudo importante sobre o impacto económico do estudo das humanidades. O estudo parece mostrar que, além evidentemente do valor intrínseco que tem o estudo das humanidades, os graduados nestas áreas contribuem de maneira importante para o crescimento económico. Uma boa notícia, certo?


Errado.

Uma má notícia. Porque confirma que, quando se trata de defender o seu tacho, mesmo os investigadores mais honestos perdem as estribeiras. Ao ler o artigo percebemos duas coisas importantes, e que são de fazer qualquer observador imparcial ficar logo de pé atrás quanto à honestidade deste estudo.

Primeiro, o Professor West, responsável pelo estudo, começa por declarar que "a necessidade de demonstrar o impacto e valor do estudo das humanidades na economia e na sociedade intensificou-se durante a recente crise económica". Ou seja, encomendamos um estudo a uma companhia de tabaco para mostrar que afinal o tabaco até faz bem? Qualquer pessoa que não seja completamente parva vê que um estudo que visa provar X e que é conduzido por quem tem tudo a ganhar que realmente "prove" X tem uma probabilidade tão elevada de ser uma completa fraude académica que é quase uma certeza. Oh, eu não duvido que tenha todas as marcas superficiais da seriedade e objectividade académica. Mas isto também nós encontramos nos estudos espíritas, homeopatas, astrológicos, numerológicos e criacionistas. A criatividade humana não tem limites, no que respeita à aldrabice.

Segundo, no final do artigo o Professor West especifica melhor qual é o impacto económico positivo do estudo das humanidades: "Qualquer pessoa que tenha escrito uma análise crítica da República de Platão em menos de mil palavras" está mais bem capacitada para responder ao que os empregadores procuram, que são pessoas com "competências sucintas e persuasivas de comunicação escrita e verbal, e capacidade de análise crítica e de síntese". Como deveria ser evidente, isto é como defender que toda a gente deve treinar halterofilia durante três anos, porque depois quando se vai trabalhar na sapataria temos mais força para arrumar as caixas das botas mais pesadas. Fora de brincadeiras, é evidente que se essas são as competências que os empregadores procuram e as pessoas querem, há maneiras muito mais directas e eficientes de as ensinar, em vez de instrumentalizar o pobre Platão.

A situação do mundo contemporâneo, com classes profissionais muitíssimo bem colocadas politicamente para conseguir o dinheiro dos impostos dos outros para fazerem o que lhes interessa a eles mas não a quem paga a despesa, é certamente insustentável. É um pouco como a escravatura no séc. XVII: é evidente que é uma vergonha, mas muita gente ganha com o negócio, sobretudo as pessoas mais próximas do poder, e quem mais perde com o negócio está tão longe do poder que é como se não existisse. Mas eu preferiria que ao menos se fizesse um silêncio recatado, em vez de se tentar atirar areia para os olhos dos outros, ao mesmo tempo que se prostitui a objectividade do estudo académico. Se para defender o meu tacho eu tenho de mentir descaradamente, prefiro mudar de profissão e ir vender cuecas para a porta do Coliseu." 

Sem comentários:

Enviar um comentário