"1. Cavaco Silva conseguiu surpreender os portugueses e
os partidos políticos com a sua comunicação ao país. E isso é raro,
senão inédito em Cavaco.
2. A solução preconizada pelo Presidente é de um bom
senso total. O que ele diz é tão simples como isto: os partidos que
subscreveram o acordo com a troika devem entender-se para a sua
concretização. E mais: devem entender-se sobre o modo como continuarão a
gerir o país depois de reconquistada a soberania nacional e mesmo
depois (que podem e devem realizar-se depois da partida da troika)
3. Cavaco reconheceu algo óbvio que certos partidos e
personalidades parecem esquecer (v.g. Paulo Portas): que Portugal não
tem soberania suficiente para fazer o que entende e está amarrado a
compromissos internacionais.
4. Cavaco descreveu com grande simplicidade e verdade os problemas que a ideia das eleições já, ou seja, em setembro, acarretam.
5.Cavaco afirmou, com grande clareza que há várias
soluções (até porque ele entende, e bem, que a sede da democracia reside
no Parlamento), mas que na sua opinião nenhuma "dará as mesmas
garantias de estabilidade que permitam olhar o futuro com confiança
igual à da proposta" que ele próprio apresentou.
6. Ao envolver o PS no acordo, o Presidente sinaliza,
claramente, que o errado afastamento do PS das decisões nacionais não é,
nem nunca foi, da sua responsabilidade. Se o PS recusar, ser-lhe-á
lembrado que não está no centro das decisões por vontade própria. Se o
PS for mais inteligente e aceitar o compromisso, obrigará Passos Coelho a
mudar o seu estilo de governação. Cavaco acabou com um jogo de sombras
que PSD (com menos sentido de Estado) e PS (com mais) jogavam. Os
sociais-democratas excluíam os socialistas de tudo e estes, agradecendo
nada terem a ver com a execução do programa da troika, protestavam porque eram excluídos.
7. O que Cavaco fez ontem, já o devia ter feito há um
ano, pelo menos. Confesso que, pessoalmente, já desesperava por um apelo
ao entendimento dos subscritores do Memorando.
8. Foi lamentável que quase ninguém, nos momentos
seguintes à declaração de Cavaco pareça ter percebido o que ele disse.
Chegou-se a falar de Governo com o PS ou vetos ao Governo PSD/CDS como
se isso decorresse do discurso.
9. Os partidos ainda não disseram nada de jeito em resposta ao Presidente.
10. Claro que podemos concordar ou discordar do Chefe
do Estado. Ou até achar que ele fez bem o diagnóstico, mas andou mal na
terapêutica. O que não é tolerável é dizer que a solução não é
democrática. Do mesmo modo que Jorge Sampaio entendeu -e bem - dissolver
o Parlamento na altura do Governo Santana Lopes, numa decisão
obviamente democrática, também Cavaco o poderia fazer agora. Mas tal
como Sampaio, na altura, estaria a apostar que uma solução
substancialmente diferente surgiria. Depois de Santana, veio Sócrates
com uma maioria absoluta. Alguém crê em algo semelhante neste momento?
11. Por isso, caros comentadores e políticos, que se
acham sempre intelectual e democraticamente superiores ao homem de
Boliqueime, saibam ser democratas. A democracia caracteriza-se não pelo
que cada um de vós decide que é a democracia, mas por um conjunto de
regras estabelecidas e aceites por todos. E o que o Presidente fez está,
inteira e integralmente, dentro dessas regras! Eu sei que alguns dizem:
ah, mas democracia não é só eleições de quatro em quatro anos. Pois
não! Mas também não é eleições quando alguém pede ou eleições de vez em
quando porque alguém grita que o Governo não presta. Democracia é deixar
expressar na rua e na Comunicação Social todas as opiniões. É saber
ouvir os partidos, é saber que o Parlamento é o centro do poder! É saber
que o árbitro é o Presidente da República legitimamente eleito (escrevo
outra vez porque há gente que esqueceu - legitimamente eleito pelo voto
popular). Democracia é também respeitar o árbitro!
12. Cavaco está, de facto, de parabéns! Acho que nunca pensei escrever isto."
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