sexta-feira, 13 de junho de 2014

a fechar o dia [desenvolvimento da notícia]... função pública, salários e 'inflação'...!


no expresso diário...




"Reposição dos salários até 2019 na função pública ignora inflação. Só com aumentos até 20% os funcionários públicos ficariam como estavam em 1999. Vinte anos a perder salário real.

A construção de uma máquina do tempo é um sonho da humanidade e a ficção está repleta de exemplos, desde o clássico de H.G. Wells, Do século XIX, à muito mais recente trilogia do blockbuster “Regresso ao Futuro”. A verdade é que os saltos no tempo são mais frequentes do que possa parecer. 

Basta olhar para a evolução dos salários dos funcionários públicos desde o arranque do euro. Neste caso, ao contrário do filme de Robert Zemeckis, é um regresso ao passado. De acordo com as contas do Expresso a partir das taxas de inflação e atualizações salariais neste período, os trabalhadores do Estado terão em 2019 uma remuneração real (em termos de poder de compra) inferior entre 17% a 20% à que auferiam em 1999.

ANTÓNIO Guterres e Sousa Franco eram primeiro-ministro e ministro das Finanças em 1999, na adesão ao euro. FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA 

Será um retrocesso de duas décadas que é tanto maior (20%) para os salários superiores a 1000 euros, já que não escaparam ao congelamento durante o período de austeridade do governo de Durão Barroso, em 2003 e 2004. Os vencimentos abaixo de 1000 euros perdem 17% precisamente porque, nestes dois anos, tiveram aumentos inferiores à inflação mas, ainda assim, puderam não sofrer todo o impacto da subida dos preços. 


MANUELA Ferreira Leite e Durão Barroso em 2003, quando governavam. Os salários no Estado acima de mil euros foram então congelados. FOTO ANA BAIÃO 

O governo de Pedro Passos Coelho prevê que os salários da Função Pública sejam repostos 20% ao ano, a partir de 2015. Isso significa que, dentro de quatro anos, os funcionários públicos terão recuperado os salários ao valor nominal de 2010. Sendo iguais em termos nominais, serão no entanto diferentes em termos reais: estarão ainda a perder 14% de poder de compra. 

JOSÉ Sócrates e Fernando Teixeira dos Santos governavam em 2010, quando foram anunciados para o ano seguinte cortes de 3,5% a 10% acima dos salários de €1500. FOTO ALBERTO FRIAS 

Entre 2010, quando arrancou a austeridade, e 2018, o nível de preços terá uma subida acumulada prevista de quase 16% que, se não for compensada por atualizações salariais, (algo com que o governo nunca se comprometeu e que para já parece improvável), representará uma perda de poder de compra equivalente, por exemplo, ao que representavam dois subsídios suspensos. 

A perda de poder de compra dos funcionários públicos durante esta década não se altera com a decisão do Tribunal Constitucional, que chumbou os cortes em vigor, nem com a reposição das reduções que vigoraram entre 2011 e 2013. Como a ideia é eliminar os cortes até 2019, “o mais tardar” disse Maria Luís Albuquerque, nesse ano a situação será sempre idêntica. 

Inflação não preocupa qb 

Num ambiente com inflação baixa como a que se vive desde o arranque do euro em 1999 – e principalmente agora, quando a deflação é uma grande ameaça -, pode haver tendência para esquecer as perdas de compra associadas à subida dos preços. Afinal, taxas de inflação de 1% não são facilmente percetíveis pelas famílias quando vão às compras. 

Nos anos 80, sim, os portugueses seguiam de perto a inflação. Eram taxas de dois dígitos, chegaram a ser 25% em 1983, e qualquer distração na negociação salarial poderia significar um enorme rombo no rendimento mensal real. Neste momento isso não se verifica de um ano para o outro mas pode ser semelhante quando se olha para um período relativamente longo. 

Com a recuperação do valor nominal de 2010, os funcionários públicos ficarão ainda a uma distância, em termos de poder de compra mensal, na ordem dos 300 euros para um salário de 2000 ou de 150 euros para quem aufere 1000 euros. Tudo valores mensais que, contas feitas ao final do ano, representam o equivalente a dois salários. 

Neste momento, o governo ainda não disse com detalhe como irá ser feita a reposição dos salários e apenas se comprometeu com a devolução de 20% em 2015 e do total em 2019. O caminho até lá, explicou a ministra das Finanças ontem em conferência de imprensa, dependerá da margem orçamental. Não se sabe também como irá ser feita a transição para a nova tabela salarial, que faz parte do diploma que vai repor os cortes e que, assegurou a ministra, não representará uma redução adicional.
 

MARIA LUÍS ALBUQUERQUE com Luís Marques Guedes, ontem em conferência de imprensa, confirmaram o regresso dos cortes salariais na função pública. FOTO ALBERTO FRIAS 

Embora dentro de cinco anos os salários estejam repostos em termos nominais, enquanto durarem os cortes os diferentes níveis de vencimento não são igualmente afetados. A redução da era Sócrates que agora regressa aplica-se apenas a salários acima de 1500 euros e varia entre 3,5% e 10%. A medida chumbada pelo Tribunal Constitucional começava a cortar a partir de 675 euros por mês. 

Estes cálculos sobre perdas de poder de compra não têm em conta alterações fiscais – e houve várias –nem outras medidas que afetaram o rendimentos dos funcionários públicos como descontos para subsistemas de saúde (ADSE e outros), inexistência de progressões ou outras alterações. Considera apenas a remuneração base, os diversos cortes aplicados nos últimos anos e a perda de poder de compra associada à taxa de inflação não compensada por atualizações salariais. 

Quase uma década a sofrer cortes 

O início da reposição dos salários nos funcionários públicos, com uma primeira ‘devolução’ de 20% já em 2015, permitirá aos trabalhadores do Estado começar a respirar de alívio depois de quatro anos consecutivos com cortes. Em 2011, foi o corte médio de 5% para salários acima de 1500 euros (começam em 3,5% e iam até 10% para vencimentos superiores a 4165 euros). 

No ano seguinte, foram suspensos dois subsídios para rendimentos superiores a 1100 euros, e para salários entre 600 euros e 1100 euros houve um corte progressivo. Com a decisão contrária do Tribunal Constitucional, que ainda assim só foi aplicada para os anos seguintes, o governo optou por uma versão suave dos cortes em 2013: um subsídio suspenso para funcionários. 

Isto sempre acompanhado do corte médio de 5% que foi sendo sucessivamente renovado nos orçamentos, já que tinha uma duração limitada a um ano, que este ano foi alargado já que o Constitucional chumbou também a versão suave da suspensão dos subsídios. Agora, depois de novo chumbo do Constitucional, volta tudo à estaca zero e os funcionários regressam às reduções salariais com que viveram entre 2011 e 2013. 

A partir de 2015, o esforço pedido aos trabalhadores do Estado começará a abrandar mas, ainda assim, será uma das rubricas da despesa com o que o governo conta para continuar a reduzir o défice até 0% dentro de quatro anos. Nesse ano, indica o Documento de Estratégia Orçamental, o peso dos salários no PIB deverá ser de apenas 8,5%, menos 1,2 pontos do que em 2014. 

Para isso, o governo conta com rescisões, aposentações e várias outras medidas de controlo da despesa que, neste momento, ainda não estão especificadas. Seja qual for o cardápio, uma certeza existe: vão ser anos de forte contenção em direção ao futuro e que, na realidade, mais parecem um regresso ao passado."



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