sexta-feira, 6 de junho de 2014

coisas da educação... geração 'ritalina' e quejandos... à custa do cientifismo educacional...?

"CIÊNCIA 

“Abusa-se da ciência para criar stresse nos pais” 

TEXTO LUÍS M. FARIA 

 

DESENVOLVIMENTO O filósofo de ciência John T. Bruer critica o excesso de estímulos à aprendizagem nos primeiros anos de vida FOTO REUTERS 




Os bebés que ouvem música clássica ficam mais inteligentes? O filósofo John T. Bruer, que tem um livro que responde a questões como esta, diz que a ciência é utilizada para justificar “modas” e programas educacionais que pouco ou nada acrescentam ao desenvolvimento das crianças. O Expresso entrevistou-o 

O cérebro é uma coisa plástica. Quer isto dizer, que as suas capacidades não estão absolutamente determinadas à partida. A dúvida é se os estímulos devem ter lugar na primeira infância, como expor as crianças à matemática, à música ou a uma segunda língua; a fim de não perder as janelas de oportunidade. O norte-americano John T. Bruer, filósofo da ciência e presidente de uma fundação que apoia programas educacionais, acha tudo um exagero. No livro “O Mito dos Primeiros Três Anos”, critica modas e “presunções de classe média” — por exemplo, que as crianças já devem conhecer números e letras quando iniciam a escola. A aprendizagem é um processo para a vida e a concentração quase exclusiva nos anos iniciais é inútil e gera stresse. 

Critica várias modas educacionais que dizem assentar na ciência. Há algumas com que embirre especialmente? 

Muitas das modas supostamente baseadas na ciência do cérebro, tais como o bebé Einstein e o bebé Mozart, ficaram desacreditadas desde que escrevi “O Mito dos Primeiros Três Anos”, em 1999. Nos EUA, uma questão política importante tem que ver com a necessidade universal do jardim infantil a partir dos quatro anos. Os defensores desta política costumam referir a neurociência e as capacidades únicas de aprendizagem que teria o cérebro infantil. Na minha opinião, não há descobertas da neurociência que justifiquem esta posição. Tudo o que sabemos, com base na evidência dos comportamentos, é que crianças oriundas de meios com desvantagens culturais podem beneficiar de uma introdução à educação formal mais cedo. Oferecer ajuda especial a essas crianças é muito diferente de oferecer uma intervenção prematura ou programas educacionais a todas as crianças. 

Essas ideias têm que ver com o desejo habitual que as classes médias têm de proporcionar vantagens competitivas aos seus filhos, a começar pela educação? 

Não. Entre a classe média há de facto um esforço para colocar os filhos em boas escolas, onde eles possam conhecer determinados tipos de pessoas, etc. Mas aquilo de que eu estava a falar tem mais que ver com académicos e com a sua visão própria do que a vida boa é, do que é um bom ambiente, valor para a educação, valor para a leitura. Essas extensões da escolaridade na primeira infância têm origem em psicólogos, neurocientistas, economistas... 

Neurocientistas também? 

Oh, sim. Não questiono as suas intenções, mas preocupa-me que cientistas se tornem cúmplices conscientes no abuso da sua própria investigação. 

Do que podemos ter certeza absoluta, nesta área? 

Podemos ter a certeza de que os pais devem garantir que os olhos e os ouvidos de uma criança funcionam normalmente. À parte disso, como um colega neurocientista me disse uma vez, “baseado no que sabemos da neurociência, os pais não devem fechar as suas crianças em armários escuros, bater-lhes na cabeça com frigideiras ou deixá-los passar fome”. Sabemos que a privação extrema é má para as crianças. Mas não sabemos, e provavelmente não é o caso, que uma estimulação ou enriquecimento adicional e intenso têm efeitos benéficos. E a crença nos efeitos irreversíveis da primeira experiência educacional impõe um fardo injustificado aos pais. Além disso, concentrar os recursos todos nessas fases resulta numa diminuição da educação contínua e de adultos. Já agora, convém notar que nessas teorias também há muita psiquiatria. 

Como assim? 

A chamada teoria do apego diz que os primeiros dois anos e meio de vida são cruciais para a criança estabelecer uma relação com o seu cuidador e essa relação é a base para o desenvolvimento social e emocional. Se for perturbada, pode levar a problemas mentais, psiquiátricos, problemas criminais em idades posteriores, etc. O professor Michael Rutter estudou órfãos romenos, crianças que cresceram em ambientes terríveis, sujeitas a privações extremas. O mais notável é quão resilientes elas mostram ser. Depois de adotadas, é preciso examinar com grande profundidade, utilizando medidas muito precisas de bem-estar psiquiátrico, para descobrir diferenças significativas entre elas e outras crianças adotadas no Reino Unido. 

Sabemos que não foi criado em condições económicas ideais. Isso não o impediu de ser bem-sucedido. 

Bom, não éramos pobres mas também não éramos de classe média, digamos assim. Nesse tempo, os pais tinham crianças e criavam-nas. Não havia ciência envolvida, era mais normal, com menos pressões. O que me levou a interessar-me por todo este assunto não foi a minha origem familiar mas uma experiência que tive há uns 20 anos. Encontrava-me num encontro onde especialistas falavam de educação na primeira infância. Veio à conversa a teoria do apego e um dos psicólogos disse que costumavam medir o stresse tirando uma amostra da boca e medindo o nível de cortisona. O psicólogo disse que os lares de famílias latinas nos EUA eram muito caóticos e isso devia ser mau para as crianças. As medições de cortisona confirmavam-no. Ora como com outros argumentos não fora possível fazer os pais adotar os comportamentos entendidos como bons, falaram-lhes no nível de cortisona e nos danos para o cérebro e eles passaram a obedecer. Fiquei horrorizado. Aquilo era tirar ilações sobre famílias latinas a partir de uma perspetiva de classe média. Os níveis de cortisona podem ter que ver com muitas coisas, não apenas com stresse. Só porque numa típica família latina há eventualmente mais barulho do que numa típica família branca, concluir que isso é mau para as crianças é uma posição classista e mesmo racista."

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