terça-feira, 9 de junho de 2015

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Bom dia, já leu o Expresso Curto Bom dia, este é o seu Expresso Curto
Nicolau Santos
Por Nicolau Santos
Diretor-Adjunto
 
9 de Junho de 2015
 

Sócrates e Kipling 


Goste-se ou odeie-se José Sócrates, há um mínimo que se deve a um homem: respeito pela sua dignidade, pela sua coerência e pela sua coragem. A carta em que o ex-primeiro-ministro socialista recusa deixar a prisão em Évora para passar a prisão domiciliária com uma pulseira eletrónica por proposta do Ministério Público fez-me lembrar os versos imortais de Rudyard Kipling no seu poema «Se»: (…) Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas / em armadilhas as verdades que disseste / E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas / e refazê-las com o bem pouco que te reste. / Se és capaz de arriscar numa única parada, / tudo quanto ganhaste em toda a tua vida. / E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada, / resignado, tornar ao ponto de partida (…) .

Goste-se ou odeie-se Sócrates, é difícil não concordar com ele quando diz que se passaram seis meses sem acusação e sem acesso aos autos. Ou quando refere aquilo que se pressente: que a prisão preventiva, dele e dos outros arguidos da Operação Marquês foi usada «para investigar, para despersonalizar, para quebrar, para calar, para obter ‘confissões’».

Não, Sócrates não é um Mandela que passou 27 anos na prisão de Robben Island. Não está a lutar pela independência de um país mas pela sua inocência. Tem muito que explicar relativamente às entregas em dinheiro vivo feitas pelo seu amigo Carlos Santos Silva. Não é normal uma pessoa com o seu estatuto viver à conta de vultuosos empréstimos em «cash», que lhe eram entregues sem passar pelo setor bancário. Mas tem de se reconhecer que é preciso coragem para tomar a decisão que anunciou: «Meditei longamente nesta decisão, no que ela significa de sacrifício pessoal e, principalmente, no sacrifício que representa para a minha família e para os meus amigos, que têm suportado esta inacreditável situação com uma inacreditável coragem. Todavia, o critério de decisão é simples – ela tem de estar de acordo com o respeito que devo a mim próprio e com o respeito que devo aos cargos públicos que exerci. Nas situações difíceis há sempre uma escolha. A minha é esta: digo não.»

Goste-se ou odeie-se Sócrates, seja ele culpado ou não, este é uma declaração marcante em apenas quatro parágrafos. Ou como escreveu Kipling: «(…) De forçar coração, nervos, músculos, tudo, / a dar seja o que for que neles ainda existe. (…) / E a persistir assim quando, exausto, contudo, / resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste! / (…) Se és capaz de dar, segundo por segundo, / ao minuto fatal todo valor e brilho. / Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo, / e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!».

O juiz de instrução Carlos Alexandre tem agora a batata quente nas mãos: ou mantém Sócrates na prisão ou o envia para casa sem pulseira eletrónica, mas com um polícia à porta. Haverá ainda risco de fuga? Ou de perturbação do inquérito? As investigações conduzidas laboriosamente desde há mais de um ano meio pelo procurador Rosário Teixeira ainda não conseguiram os meios de prova para acusar o ex-primeiro-ministro de corrupção por ato ilícito? Ainda não foi possível provar que os 23 milhões de Carlos Santos Silva são de Sócrates? Que Carlos Santos Silva é um mero testa de ferro? E que no esquema montado estão envolvidos, sem margem para dúvidas, o vice-presidente do Grupo Lena, Joaquim Barroca Henriques, o empresário Helder Bataglia e o administrador da farmacêutica Octapharma, Paulo Lalanda Castro? Quanto tempo será necessário esperar mais para ser conhecida a acusação e os seus fundamentos?


OUTRAS NOTÍCIAS
Portugal conseguiu executar a 100% o Programa de Desenvolvimento Rural, Proder, seis meses antes do prazo. Foram 4700 milhões de euros investidos na agricultura portuguesa. Paulo Portas, que não é ministro da Agricultura nem da Economia, foi quem deu a boa notícia: "Este é efectivamente um dia que faz história na política agrícola em Portugal".

Um terço dos médicos do Serviço Nacional de Saúde já adiou cirurgias por falta de material, diz o Diário de Notícias. Ou, em alternativa, mais de 40% dos médicos dizem que falta de material está a interferir no trabalho, como relata o Público. Por isso e porque o pessoal do INEM se prepara para fazer um mês de greve às horas extraordinárias, talvez seja boa ideia não adoecer nos próximos tempos.

Mas se por causa disso ou do desemprego ou da falta de oportunidades por cá algum dos seus familiares resolveu emigrar e pensa que o primeiro-ministro, Passos Coelho, incentivou esse movimento, esqueça. Está completamente enganado. Como Passos ontem explicou em Coimbra, tal ideia não passa de um mito urbano.“Desafio qualquer um a recordar alguma intervenção ou escrito que eu tenha tido nesse sentido”, afirmou, à margem da cerimónia dos 75 anos do Portugal dos Pequenitos. Esclareceu que o que disse na altura foi que “não podíamos estigmatizar aqueles que, não tendo oportunidades [em Portugal], procuravam outras economias para encontrar emprego”.

Passos Coelho também anunciou que a avaliação das propostas para a compra da TAP deverá estar concluída na próxima semana. Não se sabe quem está a voar mais alto mas eu aposto em David Neeleman e na Azul.

Chega-se igualmente à conclusão que vale a pena protestar em tempo de eleições e que os protestos de uns valem mais que os dos outros. Sabe-se que a polícia vai manter as 36 horas de trabalho semanal e ter uma nova política remuneratória. Os acordos não são obviamente extensíveis a toda a função pública.

Entretanto, Maria Elisa, jornalista da RTP e apresentadora de grandes programas na estação televisiva, não terá tido uma vida de rosas no canal público. Num livro que chega às livrarias na sexta, Confissões de uma Mulher Madura, Elisa faz confissões sobre o amor e disserta sobre o assédio moral na RTP. Sucesso garantido.

Outro livro com êxito assegurado mas que provocará grandes engulhos em Luanda é aquele em que um jornalista do Financial Times disserta sobre a pilhagem de África, dedicando um capítulo a Angola. Como todas as histórias em Angola, trata-se de um thriller político-económico, de leitura obrigatória, agora que Isabel dos Santos acaba de se tornar acionista maioritária de mais uma excelente empresa portuguesa, a Efacec.

Entretanto, a NASA testou ontem o maior para-quedas alguma vez usado durante o lançamento de um disco voador para testar novas tecnologias para aterrar em Marte.

E quem não brinca em questões de tecnologia é a Apple, que agora nos quer dar mais e melhor música. O Apple Music chega a 30 de maio a mais de 100 países, vai custar menos de dez euros por mês (9,99) e pretende combater o Spotify. É gratuito nos primeiros três meses.

E há, claro, a grande política internacional. José Eduardo dos Santos chegou ontem a Pequim para uma visita oficial de três dias. O presidente angolano pretende dar um novo ímpeto às relações entre os dois países. A quebra dos preços do petróleo, que está a afetar gravemente a economia angolana, pode ser uma das razões desta visita do líder angolano a Pequim.

Entretanto, as negociações com a Grécia e as instituições internacionais continuam a arrastar-se. Ontem, o ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, encontrou-se com o seu homólogo alemão, Wolfgang Schauble, isto depois do primeiro-ministro, Alexis Tsipras, ter dito que eram inaceitáveis as propostas que lhe foram apresentadas. A chanceler alemã, Angela Merkel, lá veio deitar água na fervura, dizendo que todos querem a Grécia no euro, mas que o tempo se está a esgotar.

Na Turquia, há uma nova realidade. O Presidente Erdogan fez das legislativas um referendo à sua ambição, mas o que saiu das eleições foi um resultado em que nenhum partido pode governar por si. O problema é que qualquer coligação maioritária é quase impossível.

No desporto, a moda parece estar a pegar: Sérgio Conceição foi alvo de um processo de despedimento por justa causa, acusado de insultar e tentar agredir o presidente do Sporting de Braga, o sempre tranquilo presidente António Salvador. E na segunda circular, a ida de Jorge Jesus para treinador do Sporting teve um efeito espetacular nas ações do clube de Alvalade, que já vale mais que o Benfica e Futebol Clube do Porto.

Finalmente, uma notícia triste: o dono e diretor da empresa alemã de brinquedos Playmobil morreu ontem aos 81 anos. Horst Brandstätter, presidente da Geobra Brandstätter Stiftung, que produz os brinquedos Playmobil, não foi ele quem inventou os icónicos bonecos que atravessam gerações, mas foi a sua visão que impulsionou o sucesso destes brinquedos de 7,5 centímetros, criados pelo designer Hans Beck.

Para último fica o que se passa no Grupo Impresa. O meu querido colega João Garcia foi escolhido para dirigir a revista Visão, substituindo o meu amigo Pedro Camacho, que faz anos no mesmo dia que eu. Aos dois só posso desejar as maiores felicidades nos novos rumos que as suas vidas vão tomar.


FRASES
"Não gosto muito de coelho. Nem de lebre. Acho uma carne muito seca". Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro, na Feira da Agricultura, onde lhe ofereceram para provar um chouriço de coelho

"Não será um drama ver a Grécia sair do euro". Michel Sapin, ministro francês das Finanças

"Na alta finança, há quem acabe por sujar muito as mãos". Rebecca Claire, co-autora do livro «A Guerra dos Tronos em gestão»

"Só há uma razão para as saídas de Jorge Jesus e Marco Silva: o ego desmesurado dos presidentes do Benfica e do Sporting". João Miguel Tavares, no Público, sobre o assunto que domina a atualidade nacional


O QUE EU ANDO A LER
Estamos em tempo de Feira do Livro e não há nada melhor para quem gosta de livros do que ir até ao Parque Eduardo VII e passar lá algumas horas, tocando no papel, sentindo-o, acariciando-o e finalmente comprando não um mas vários livros. Foi o que fiz um dia destes mas ainda lá voltarei. Para já trouxe: «O angolano que comprou Lisboa (por metade do preço)», de Kalaf Epalang, um conjunto de crónicas em que um angolano escreve uma carta de amor à cidade que adotou e que o adotou; «O meu irmão», de Afonso Reis Cabral, que venceu o Prémio LeYa; «Música para aguardente», de Charles Bukowski, um conjunto de crónicas abjetas de um dos grandes escritores norte-americanos.; «Correios», também de Bukowski (o primeiro romance dele; mas se nunca o leu é melhor começar «Música para aguardente»); e sempre alguns livros de poesia, de Maria Teresa Horta, Manuel Alegre, Rosa Lobato Faria, e novos, de que Filipa Leal é o maior expoente.

Amanhã não há Expresso Curto, por ser feriado. Mas na quinta está de volta o Ricardo Costa, o mais bem disposto dos diretores de imprensa do país, sempre certeiro nas suas análises e previsões políticas, económicas e desportivas.

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