24 DE JANEIRO DE 2016
00:00
Isabel Alçada
"A nova equipa do Ministério da Educação começou bem, não só por ter
substituído os exames do 4.º e do 6.º ano por provas de aferição, a
realizar em anos intermédios, como pela coragem de tomar a decisão certa
e de a pôr em prática sem perda de tempo. A mudança tem sólidos
fundamentos científicos, pois está de acordo com resultados da
investigação, nomeadamente a publicada na União Europeia pela rede
Eurydice, que tem identificado efeitos perversos associados ao uso dos
resultados dos exames na avaliação dos alunos do ensino básico e
conduzido a maioria dos países da UE a preferir provas de aferição para
avaliar a qualidade da aprendizagem. Apenas num único país, Malta, os
resultados de exames continuam a condicionar a progressão dos alunos do
4.º e do 6.º ano. A todos os que se insurgem contra a substituição de
exames por provas de aferição, em nome de um pretenso combate ao
facilitismo, vale a pena lembrar que os exames têm a sua história.
Surgiram numa época em que a escola se destinava a uma elite e eram
utilizados como filtro para selecionar quem devia ou não continuar no
sistema. Se os resultados negativos deixavam em aberto a possibilidade
de repetência, a verdade é que, conforme a investigação sobre percursos
escolares tem repetidamente provado, na maioria dos casos a repetência
não induz aprendizagem e conduz ao abandono da escola. Durante décadas
considerou-se natural que a escola não fosse para todos. Não existindo
um número suficiente de salas de aula, nem professores, era aliás
indispensável um mecanismo de seleção para rejeitar o número de alunos
que o sistema não comportava. As provas de aferição, pelo contrário,
surgiram a par da democratização do ensino e têm sido usadas na maior
parte dos países que apresentam resultados mais positivos e um progresso
mais evidente. Concebidas não para selecionar e expulsar, mas para
avaliar e promover a qualidade, estas provas proporcionam informação
sobre as aprendizagens, permitindo aos professores a comparação dos
resultados dos seus alunos, com os de outras turmas e de escolas de todo
o país. Permitem ainda que analisem as causas que conduzem a melhores
ou piores resultados, debatam problemas entre colegas e com as famílias,
recorreram a estratégias alternativas para os resolver. É evidente que a
escolha dos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade, para a realização
deste tipo de provas, reflete a intenção de dar tempo aos alunos para
trabalharem de forma mais orientada e de alargar as hipóteses de que
atinjam o final de cada ciclo com desempenho positivo. Em vez de
facilitismo, as provas de aferição apontam, pelo contrário, para mais
trabalho dos alunos e uma maior exigência nas escolas. De salientar
ainda o facto de os exames nacionais dos 4.º e 6.º anos, impostos sem
consulta pública pelo anterior governo, se limitavam a testar
conhecimentos nas disciplinas de Português e Matemática, o que tinha
como efeito a desvalorização de outras disciplinas, relegando para
segundo plano as ciências, a história, a geografia, a música, as artes, o
desporto, áreas que afinal, para muitos alunos, poderiam ser o núcleo
central de um futuro percurso pessoal ou profissional. Muitos estudos,
realizados nomeadamente nos EUA, sobre os efeitos dos exames na prática
escolar, referem um ponto comum: perante a perspetiva de exames, os
docentes afunilam sempre o trabalho letivo. Os alunos passam a receber
treino intensivo para conseguirem responder às perguntas que
previsivelmente surgirão nas provas de exame e a escola deixa de
proporcionar uma educação equilibrada. Esta opção pelo treino intensivo é
compreensível, sobretudo quando os resultados dos exames se transformam
em instrumentos para hierarquizar não só os alunos como os professores e
para criar rankings de escolas. Em muitos países, por exemplo
na Bélgica, na França, no Luxemburgo, na Áustria, na Eslovénia e na
Finlândia, existe um consenso nacional sobre a confidencialidade dos
resultados dos exames por escola e os documentos oficiais referem
explicitamente que não podem ser usados para construir e publicar rankings,
dado que este tipo de informação demonstra que as escolas de zonas
socialmente favorecidas obtêm sempre resultados superiores aos
alcançados pelas escolas de zonas mais desfavorecidas. A terminar, deixo
uma pergunta aos professores do ensino superior, em particular aos que
se têm manifestado publicamente como defensores dos exames. Aceitariam
que as provas que elaboram para avaliar os vossos alunos fossem
substituídas por um exame igual para todos os estudantes que frequentam a
mesma cadeira, nos diferentes cursos de ensino superior do país?
Aceitariam de bom grado que vos fosse imposto um exame nacional?"
Escritora e ministra da Educação entre outubro de 2009 e junho de 2011
no dn em linha... aqui.
Escritora e ministra da Educação entre outubro de 2009 e junho de 2011
no dn em linha... aqui.
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