Os défices de 2015 acentuam riscos do OE de 2016
"A análise da execução orçamental de 2015 mostra que qualquer
crise ou derrapagem que faça rapidamente subir os juros põe tudo – e não
só o Orçamento de 2016 – em risco.
O valor do défice das administrações públicas em 2015, em
contabilidade pública, deverá ficar 500 milhões de euros abaixo do
previsto, excluindo os efeitos do Banif. Esta foi a notícia amplamente
difundida na passada segunda-feira, 25 de janeiro, com a divulgação dos
dados da execução orçamental final de 2015.
Importa, antes de
mais, esclarecer que o défice em contas nacionais é que conta para
Bruxelas (e não só). Assim, isto não significa que a principal meta do
Orçamento do Estado (OE) para 2015 tenha sido não só atingida como
ultrapassada. Como é sabido, esta era de 2,7% do PIB (Produto Interno
Bruto).
Mais interessante é que, no Orçamento, previa-se que o défice
“de caixa” (o que ficou 500 milhões de euros abaixo) viesse a ser de
2,9% do PIB. Isto é, superior ao défice em contas nacionais – ao arrepio
do que tem sempre acontecido, e não é crível que aconteça agora.
Este desvio (desta vez, no bom sentido) não pode ser
separado do comportamento positivo da despesa com “juros e
outros encargos”.
Em qualquer caso, este desvio (desta vez, no bom sentido) não pode
ser separado do comportamento positivo da despesa com “juros e outros
encargos”. Se olharmos para o saldo primário (ou seja, excluindo os
juros), verificamos que está basicamente dentro do previsto (pequeno
desvio negativo de 18 milhões).
Nos últimos dois meses, com os dados da DGO (Direção-Geral do Orçamento) relativos a outubro e a novembro,
tentámos prever o que seria o desvio no défice de 2015, em função do
comportamento da execução orçamental. Este mês, o exercício que fazemos é
diferente.
O que temos são já os valores finais, embora
provisórios, do ano para cada rubrica. Podemos assim observar
diretamente os desvios por comparação com os valores do OE. As nossas
estimativas revelaram-se próximas dos desvios agora observados em todas
as rubricas exceto nas receitas fiscais, devido ao desempenho muito
forte do IRC, cuja magnitude tivemos dificuldade em antecipar.
Em
qualquer caso, a avaliação que interessa é a que fazem as instituições
europeias. Por exemplo, a saída ou não do Procedimento por Défice
Excessivo, que chegou a parecer possível em outubro, mas acabou por sair gorada
devido ao Banif, é feita com base no défice em contabilidade nacional,
cujo valor final só deverá ser dado a conhecer pelo INE (Instituto
Nacional de Estatística) em março ou abril. Entretanto, temos, por
exemplo, as previsões do Governo que, no esboço do Orçamento do Estado para 2016, estima que o défice das administrações públicas em 2015 se tenha fixado em 4,2% do PIB.
Comparação entre as nossas estimativas em outubro e os desvios verificados para as principais rubricas da execução orçamental
Afinal, é no médio prazo que estamos todos mortos?
A Comissão Europeia publicou,
recentemente, o “Fiscal Sustainability Report 2015”, onde analisa a
“sustentabilidade orçamental” dos países da União Europeia a três
níveis: curto prazo (um ano), médio prazo (dez anos) e longo prazo.
Tanto no curto como no longo prazo, Portugal está no grupo dos mais fortes.
No
curto prazo, pela conjugação das taxas de juro muito baixas e uma
economia a entrar em velocidade de cruzeiro com uma situação orçamental
aparentemente em vias de estar controlada. No longo prazo, considera-se
que o país está bem preparado, citando-se como exemplo, curiosamente, as
reformas feitas no sistema de pensões.
Seja como for, o que o relatório destaca é a vulnerabilidade
das nossas contas públicas ao desempenho da atividade económica e dos
mercados financeiros, e, por outro lado, a margem de manobra muito
reduzida que existe para a intervenção do Estado na economia. Ambos os
problemas são consequência da acumulação de desequilíbrios que resultou
no fardo da enorme dívida pública de Portugal, e da elevada fatura com
os respetivos juros que lhe está associada, mesmo com taxas favoráveis
(que o relatório estima na ordem dos 4,9% do PIB em 2015).
É devido a este quadro negro que os autores do relatório, na linha
do que também aqui temos defendido, consideram que, a médio prazo, a
sustentabilidade das finanças públicas é muito frágil. Por exemplo, a
redução da dívida pública projetada para os próximos dez anos depende da
manutenção de um excedente estrutural primário de 1,9% do PIB durante
o período em causa.
A Comissão Europeia não gostou do “esboço de orçamento”,
que contempla uma redução do défice estrutural em apenas 0,2 pontos
percentuais, aquém dos 0,6 exigidos por Bruxelas.
Isto significa que, mesmo descontando os juros e algum efeito da
estagnação/recessão económica, o setor público tem, em média, de ser
excedentário naquele montante. No próprio relatório admite-se que isto
seja “excessivamente ambicioso”, até porque, nos últimos 35 anos, apenas
um quarto de todos os saldos estruturais primários registados em todos
os países da UE28 alcançou tal meta.
Isto dá-nos ideia das
condições muito restritivas que enquadraram o Orçamento do Estado para
2015 e, muito mais, para este ano. Ficámos a saber
a 27 de janeiro, que a Comissão Europeia não gostou do “esboço de
orçamento”, que contempla uma redução do défice estrutural em apenas 0,2
pontos percentuais, aquém dos 0,6 exigidos por Bruxelas.
Já hoje, dia 28, soubemos mais: as dúvidas da Comissão vão muito para além de meros “detalhes
sobre implementação de medidas”, tendo fortes reservas quanto aos
cálculos subjacentes ao “esboço”. Por um lado, pelos efeitos das medidas
propostas, por outro lado, por se ter tentado incluir
as referentes à “reposição de rendimentos” como extraordinárias:
recorde-se que nos saldos estruturais não contam receitas e despesas
consideradas “extraordinárias”, como se aplica por exemplo ao caso do
Banif.
Conceda-se, no entanto, que a exigência da Comissão
significa obrigar Portugal a comprometer-se com um excedente estrutural
primário da ordem dos 3,8%: o dobro daquele que a Comissão já considera
ambicioso no seu próprio relatório. Em 2015, apesar do “melhor resultado na execução orçamental em democracia”, o saldo estrutural primário em 2015 terá ficado nos 3,1% do PIB.
Em contabilidade pública, 500 milhões abaixo da meta. E na que conta?
Como
já referimos, a contabilidade pública assume uma ótica de caixa, isto
é, entradas e saídas de dinheiro. O que conta para Bruxelas é o défice
em contas nacionais, calculado pelo INE/Eurostat, que assume uma ótica
“patrimonial” ou económica, registando-se os direitos e obrigações no
momento em que são contraídos.
Não é crível que assim aconteça,
dada a dinâmica dos juros e das dívidas a fornecedores, mas o mais
provável, tendo em conta as tendências que se confirmaram e
intensificaram no final do ano, é que venha a ter um impacto negativo
ligeiro. Assim sendo, o défice, sem Banif, deverá ficar mesmo de 2,9% a
3%, apesar de em termos de caixa ter saído melhor do que o previsto em
500 milhões de euros.
Até setembro, os dados continham um
ajustamento fortemente negativo ao défice, de contabilidade pública para
nacional (1,5% do PIB, de acordo com o Conselho das Finanças Públicas).
Isto acontece, entre outros motivos, devido aos timings dos
pagamentos de juros (que passam a ser devidos mas não são pagos logo),
por um lado, e de recebimentos de impostos (que são imputáveis aos
contribuintes mas não se recebem logo). No final do ano, a maior parte
deste saldo deve normalizar, mas ainda assim o impacto deve ser
ligeiramente negativo.
Receita fiscal: o IRC surpreende, a sobretaxa não
A
receita fiscal é o único grupo considerado em que as nossas previsões
falharam. Isto deve-se sobretudo à receita de IRC, que ficou mesmo muito
longe, para melhor, da sua meta orçamental: quase 560 milhões de euros
(12% da meta).
É graças a isto que a receita fiscal acaba, no seu
todo, por ficar acima. Isto é, ainda assim, minorado pelas tendências
dos principais impostos (IVA e IRS), que acabaram por, no conjunto,
resultar pior do que nas nossas estimativas. A receita de IVA desiludiu
ligeiramente em dezembro, face ao que seria de esperar pela sua
tendência no ano.
Assim, o que se arrecadou a mais em IVA não
chegou para compensar o que se arrecadou a menos em IRS,
impossibilitando a devolução da sobretaxa. Esta dependia de um
desempenho muito favorável para a receita conjunta de IVA e IRS
(circunferência verde no gráfico abaixo), e que, por isso, nunca aqui
considerámos crível.
O adeus da sobretaxa: o desvio positivo no IVA não cobriu o desvio negativo no IRS
No
cômputo geral, a receita fiscal ficou (em termos de caixa) quase
exatamente em cima da meta anual. A análise destes dados dá ainda pistas
para duas potenciais fontes de discussão em 2016.
Petróleo e tabaco: a acompanhar com atenção em 2016
Primeiro, mesmo com a acentuada
tendência de queda dos preços dos combustíveis, a receita de ISP
(Imposto sobre os Produtos Petrolíferos) ficou apenas 72 milhões de
euros (3,2%) abaixo do esperado. Isto compara com uma queda dos preços
de venda, entre o início e o fim de 2015 de 5,9% no gasóleo e 2% na
gasolina 95, de acordo com dados da DGEP (Direção-Geral de Estudos e
Previsão).
A estas acresce a forte queda anterior: entre 15 de
outubro de 2014, data em que a proposta de OE foi enviada ao Parlamento,
e o final do ano, os preços de venda caíram 10,6% no gasóleo e 13,4% na
gasolina. Note-se que estes preços incluem os impostos, que têm uma
componente fixa, pelo que o preço antes de impostos terá caído mais
ainda.
Ora, embora fosse necessária uma análise mais fina, isto
levanta sérias dúvidas quanto à “neutralidade fiscal” sugerida pelo
Governo para justificar a mexida neste imposto. Ou seja, a receita com
este imposto poderá aumentar, mesmo com a queda do preço do petróleo. Se
isto em abstrato é positivo para a consolidação orçamental, claro está
que esse aumento não é certamente neutral do ponto de vista económico:
resulta num aumento da taxa média de imposto.
A receita com o imposto sobre o tabaco ficou bastante
abaixo do previsto (menos 263 milhões de euros, 17,5%) quando no OE se
esperava um aumento de 7,5%.
Eventuais ganhos devidos à queda do preço do petróleo serão assim,
nalguma medida, “nacionalizados”. Reconhecemos, porém, que este aumento
do imposto, pela moderação dos incentivos a um maior consumo de
combustível, poderá trazer efeitos positivos do ponto de vista ambiental
e da estabilidade macroeconómica.
Segundo, confirmando a
tendência que vem desde o início do ano, a receita com o imposto sobre o
tabaco ficou bastante abaixo do previsto (menos 263 milhões de euros,
17,5%) quando no OE se esperava um aumento de 7,5% (!), motivado pelas
alterações na lei que entraram em vigor em janeiro.
Já referimos na análise
anterior que isto poderá provavelmente ser explicado por um forte
aumento da evasão fiscal. Eventualmente, ter-se-á também sobrestimado a
receita que poderia advir de meios alternativos, como os cigarros
eletrónicos, em que a sua taxação se traduziu em importantes aumentos
dos preços ao consumidor. O “esboço de orçamento” para 2016 prevê
um efeito positivo na receita decorrente de um novo aumento neste
imposto, o que, tendo em conta esta experiência recente, se poderá
revelar muito difícil.
Gastos com pessoal e poupança social
A suborçamentação dos gastos com pessoal do Estado, já bem evidente
nos últimos meses, atingiu 576 milhões de euros, confirmando que a
perspetiva de redução de 8,8% desta despesa no OE para 2015 era
excessivamente ambiciosa, tal como já tinha sido no OE para 2014.
Isto
foi parcialmente compensado nos gastos com pessoal dos Serviços e
Fundos Autónomos (entidades da administração central dotadas, em geral,
de autonomia administrativa e financeira, como os Hospitais EPE). Aqui,
registaram-se poupanças na ordem de 296 milhões de euros (quase 5% do
valor orçamentado).
O saldo da Segurança Social (depois de
transferências correntes da Administração Central) é superior ao
previsto no OE para 2015 em 186 milhões. As contribuições para a
Segurança Social (a sua principal fonte de receita), apesar do aumento
de 2,8% face a 2014, ficaram 304 milhões de euros abaixo do previsto no
OE.
Do lado da despesa, as poupanças mais significativas
registaram-se ao nível das prestações de desemprego (303 milhões) e das
pensões de velhice (140 milhões) – poupanças que parecem exceder
largamente o efeito positivo da recuperação económica, o que é aliás
corroborado pelo crescimento do número de desempregados sem acesso a subsídio.
Serão os juros a luz e as trevas das finanças públicas?
A
despesa com juros assume-se hoje, efetivamente, como o principal
“nervo” das finanças públicas. Das rubricas que contam, pelo seu
tamanho, esta é certamente a mais volátil do Orçamento. Por muita
vontade política que possa haver num ou noutro sentido, as restantes,
maiores – salários e prestações sociais – são, como se diz na gíria
económica, “sticky”: não pegajosas, claro, mas mais resistentes à
mudança.
A margem para os decisores tomarem decisões de política
orçamental a partir de alterações com impacto nos salários e prestações
sociais é assim, por definição, escassa. Muito mais escassa ainda, como
vimos, para decisores que trabalham sobre um Orçamento vulnerável à
despesa com juros. A sua dimensão, em conjugação com as regras europeias
cujas provisões mais exigentes não lhe são sensíveis, assim o impõe.
Qualquer crise que faça rapidamente subir os juros põe tudo – não só o Orçamento – em risco.
Aliás, a própria preferência pelo saldo estrutural em detrimento do
saldo estrutural primário incorporada nas regras europeias é reveladora
de uma certa inconsistência. Por um lado, recorre-se ao saldo estrutural
– apesar de todas as suas graves
limitações – para eliminar os efeitos da volatilidade da “economia
real” (ciclos económicos), porque se entende que a sua evolução é
incerta e imprevisível e, por isso, os governos não podem ser nem
beneficiados, nem prejudicados por ela.
No entanto, a preferência
por este indicador leva a que não se eliminem os efeitos da volatilidade
dos mercados financeiros sobre os juros, o que poderia ser feito
recorrendo ao saldo estrutural primário, implicitamente atribuindo aos
estados a responsabilidade por esta volatilidade, e não só pelo seu grau
de exposição, que esse, sim, depende do nível de dívida pública.
Assim,
a evolução dos mercados financeiros e o seu impacto na despesa pública
em juros pode tanto constituir uma agradável surpresa, como em 2015,
como ser, efetivamente, uma ameaça constante, pois qualquer crise que
faça rapidamente subir os juros põe tudo – não só o Orçamento – em
risco."
Economistas e investigadores do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra
no observador...
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